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Crítica | Greystoke – A Lenda de Tarzan, o Rei da Selva

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

A imagem do Tarzan “não civilizado” e que fala em monossílabos e com mímica, é a que primeiro se fixou na mente popular com os filmes de grande sucesso lançados a partir de 1932, com Johnny Weissmuler famosamente encarnando o personagem. Isso só viria a mudar na década de 60, quando o produtor Sy Weintraub resolveu alterar o enfoque e trazer o personagem para as telonas com aparência mais próxima ao da série de livros de Edgar Rice Burroughs, iniciada com Tarzan, o Filho das Selvas, em 1912. No começo da década de 70, o exagero foi tanto que Tarzan era quase um 007, de terno e usando avião para resolver problemas ao redor do mundo. Mas, então, a fama do personagem finalmente perdeu tração.

Apenas em 1981 ele voltaria para as telonas em uma hilária pornochanchada estrelando Bo Derek como Jane e Mile O’Keeffe como Tarzan, ambos constantemente seminus e com olhares lânguidos um para o outro. Nesse meio tempo, o brilhante roteirista Robert Towne, responsável por Chinatown, Shampoo e, depois, Missão: Impossível, vinha tentando levar sua própria versão de Tarzan, um roteiro não acabado de 240 páginas (e, como se sabe, cada página de roteiro cinematográfico equivale a um minuto de filme), para as telonas. Diz a lenda que Towne vinha trabalhando nesse projeto desde antes de Chinatown, ou seja, antes de 1974 e que era sua obsessão. Mas essa história hollywoodiana teria final trágico, já que Towne, apesar de ter conseguido colocar seu filme em pré-produção na Warner Bros., também queria dirigi-lo e ele jamais havia dirigindo um filme antes. Como ele acabou se envolvendo com As Parceiras, em 1982, escrevendo e dirigindo a fita, a Warner aguardou o resultado, que foi desastroso do começo ao fim, com orçamentos mais do que estourados e uma bilheteria pífia. O que aconteceu? O roteiro não terminado de Greystoke foi vendido para o estúdio e Towne teve que enterrar seu sonho ao ponto inclusive de retirar seus nome dos créditos, por ter ficado desgostoso com o o filme (seu nome foi substituído por P.H. Vazak, o nome de seu cachorro que – ironia das ironias! – acabou concorrendo, junto com Michael Austin, ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado.

Mas a saga de Greystoke não acaba aí, pois o diretor que acabou sendo contratado foi o britânico Hugh Hudson, que recém obtivera o Oscar de Melhor Filme por Carruagens de Fogo. Foi Hudson que trouxe Austin para o projeto e o escritor embarcou na elaboração de uma nova versão do roteiro, desta feita detalhando enormemente a vida de Tarzan (que nunca é chamado por esse nome e sim por John ou Johnny, nome de seu pai, John Clayton) na mansão da família na Escócia, depois de ser trazido para a civilização pelo Capitão Phillippe D’Arnot, do exército belga, vivido por Ian Holm. Com isso, grande parte – a maioria – da fita acaba se passando longe da selva, em ambiente mais controlado, o que de certa forma reduziu custos, mas acabou desbalanceando o resultado final.

Toda a parte inicial, algo como a primeira hora de projeção, lida com a viagem de Lorde John Clayton (Paul Geoffrey) e sua esposa Lady Alice (Cheryl Campbell) para a África, o naufrágio subsequente (o que é diferente do livro), a vida dos dois sozinhos na selva, o nascimento do filho e a criação de Tarzan pelos símios locais depois da morte dos pais (Alice em razão de malária e John assassinado por Olhos Brancos, o líder símio). E é aqui que Greystoke realmente é fascinante. Com filmagens em locação nos Camarões, Hudson e seu diretor de fotografia John Alcott abusam das tomadas em planos abertos para mostrar a imensidão do local e seu isolamento absoluto da civilização. Esta impressão é ampliada com o uso de pinturas matte de fundo que vão até o ponto de usar como elemento central um vulcão e um corredor de lava incandescente para reforçar essa sensação de que quase estamos em um outro mundo. E,  mesmo quando planos mais fechados são usados, o design de produção de Stuart Craig consegue tornar a experiência imersiva, convencendo-nos facilmente de que o que estamos assistindo é uma Terra primal, quase pré-histórica.

Mas nada disso realmente funcionaria não fossem dois fatores: os símios e Tarzan. O mestre Rick Backer, que trabalhara em Guerra nas Estrelas, Grito de Horror, Um Lobisomem Americano em Londres e Videodrome: A Síndrome do Vídeo, ficou encarregado de criar as “roupas de símios” que a produção desejava, já que o uso de símios verdadeiros ficou limitado a bebês, mais fáceis de controlar. Seu trabalho hercúleo, que o fez se mudar para Londres por um ano, gerou espetaculares roupas e próteses usadas em atores que nunca receberam o devido crédito, apesar das intensas e mais do que convincentes atuações. Baker foi cuidadoso ao criar símios facilmente reconhecíveis pelo espectador de maneira que Hudson pudesse transformá-los em personagens efetivos da trama e não apenas seres genéricos pulando de galho em galho. Com isso, é possível reconhecer  não só Olhos Brancos (John Alexander) o nêmesis de Tarzan e mais parecido com um gorila violento, como também Kala (Ailsa Berk), sua mãe adotiva, mais parecida com um chimpanzé, Barba de Prata (Peter Elliott), seu pai adotivo, semelhante a um gorila também, mas com feições mais suaves e, claro, uma barba branca bem característica e até mesmo Figs (Mak Wilson), amigo de Tarzan e inspirado em um orangotango. E, apesar das diferenças, todos passam a impressão de uma mesma raça (fictícia como nos livros de Burroughs) e de uma mesma tribo, algo essencial para a conotação de família tão importante para a estrutura do filme.

Tarzan foi outra escolha acertada. O então completamente desconhecido ator americano criado na Suíça Christopher Lambert, antes só tendo atuado aqui e ali em séries de TV e filmes feito para TV franceses, parece ter nascido para viver o personagem. Longe de um físico particularmente avantajado, mas com a agilidade que se espera de alguém que passou a vida sendo criado por símios, o ator estudou movimentos e os sons emitidos pelos animais de maneira a emulá-los muito bem e convencendo-nos de sua convivência naquele meio. É um verdadeiro elo perdido. E é particularmente interessante vê-lo atuar ao lado de Ian Holm ainda na floresta, em que o choque civilizatório fica evidente e podemos notar com mais detalhes a “evolução” do personagem de um selvagem inteligente para um homem procurando sua identidade.

Nesse início, porém, é possível já notar dois aspectos que detraem muito do filme como um todo. O primeiro é mais grave, pois lida com sua montagem, trabalho que ficou ao encargo de Anne V. Coates. Ainda que as elipses temporais sejam eficientes na demonstração do crescimento e amadurecimento de Tarzan, as sequências sofrem com uma montagem às vezes perdida, que desfoca a narrativa. Isso é particularmente evidente quando D’Arnot entra na narrativa, ferido e protegido por Tarzan. Em diversos momentos, determinada ação começa, mas não termina ou é desviada de tal forma que ignora situações que vieram logo antes, quase como se o filme sofresse de Transtorno do Déficit de Atenção. O segundo problema foi a escolha do diretor em usar sons verdadeiros de animais para mostrar a capacidade de Tarzan de imitá-los. Chega a ser desconcertante ver o rugido de um leão ou de uma pantera sair da boca aberta de Lambert por diversas vezes ao longo de toda a película. Pode ser um problema tido como menor, mas ele quebra a imersão do espectador toda vez que esse artifício mal pensado é utilizado.

A segunda metade (ou mais que a metade) de Greystoke é, também, seu lado mais fraco. O roteiro perde a oportunidade de continuar a mostrar o processo “civilizatório” de Tarzan, que volta a seu lar ancestral na Escócia, sendo recebido de braços abertos por seu razoavelmente senil avô, o Sexto Conde de Greystoke (o saudoso Ralph Richardson em seu último filme). Lá ele se encontra com Jane Porter (Andie McDowell também em seu primeiro papel e cuja voz, carregada de sotaque sulista americano, foi dublada por Glenn Close, que não recebeu créditos) e os dois iniciam um romance estranho, hesitante e mal desenvolvido, já que o roteiro, neste ponto, começa a pressionar pela “moral da história” na linha de que a selva é melhor do que a cruel civilização, algo já sobejamente claro desde o início da projeção. Com isso, o passo narrativo sofre uma quase total parada, algo que é amplificado pela ausência de um antagonista claro. Em Greystoke, a oposição a Tarzan é o mundo como um todo, um mundo violento que pouco se importa com a natureza e esse discurso genérico e amorfo – e que não precisava ser assim! – acaba derrubando a excepcional construção inicial de um incrível personagem.

As elipses temporais começam a se intensificar, o passo aperta, mas a história não anda de verdade e o que roteiro mostra é uma sucessão de eventos isolados que culminam com uma escolha por parte de Tarzan. De certa forma, porém, o espírito da obra original de Burroughs, apesar das diversas modificações notadamente nesta segunda parte, é mantido e tenho para mim que Greystoke ainda é a versão mais fiel do primeiro livro da série literária, o que já é um grande feito.

Greystoke – A Lenda de Tarzan, o Rei das Selva tem o DNA de um grande épico e a execução de um filme menor ou, para ser mais justo, de um grande filme de uma hora e de um filme bonito, mas fraco nos 75 minutos restantes. Talvez se a visão original de Robert Towne tivesse sido mantida, o resultado fosse outro. Mas provavelmente nunca saberemos, não é mesmo?

Greystoke – A Lenda de Tarzan, o Rei da Selva (Greystoke: The Legend of Tarzan, Lord of the Apes, Reino Unido/EUA – 1984)
Direção: Hugh Hudson
Roteiro: Robert Towne (como P.H. Vazak), Michael Austin (baseado em obra de Edgar Rice Burroughs)
Elenco:  Christopher Lambert, Andie MacDowell, Ian Holm,  Ralph Richardson, James Fox, Cheryl Campbell, Paul Geoffrey, Nicholas Farrell, Nigel Davenport,  Ian Charleson, Eric Langlois, Danny Potts, Peter Elliott, Ailsa Berk, John Alexander, Christopher Beck
Duração: 135 min.

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