Home FilmesCríticas Crítica | Han Solo: Uma História Star Wars (Sem Spoilers)

Crítica | Han Solo: Uma História Star Wars (Sem Spoilers)

por Giba Hoffmann
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Segundo filme da Antologia da franquia, Han Solo adota uma proposta e opta por uma realização totalmente diversas de seu antecessor Rogue One. Se o termo “prequel” se tornou simbolizador de trauma devastador para muitos dos espectadores ávidos de Star Wars (que habitam em cada um de nós, alguns com mais e outros com menos controle sobre a personalidade cinéfila total), foi justamente o primeiro filme antológico que conseguiu virar um pouco o jogo no assunto e provar que, afinal de contas, é possível sim revisitar o passado da galáxia muito, muito distante de forma criativamente promissora, propiciando narrativas empolgantes mesmo em um mundo pós-Jar Jar Binks.

Porém, há de se admitir que, dentre os investimentos a serem feitos nesse ramo, a história de como um grupo de espiões rebeldes conseguiu afanar os planos da Estrela da Morte pareceu soar ao público desde o início como menos propícia a ser um show de redundância auto-glorificante do que um filme contando a “origem” de Han Solo. Ao invés de contar uma história paralela sobre novos personagens vivendo no passado do cânone, o lidar diretamente com o passado de um personagem tão icônico parece consistir um entrar definitivamente em “território prequel”, e o histórico atribulado da produção causou reações de descrédito por parte do público. Por sorte, o produto final tem potencial para aplacar tais temores, desde que levado em conta como aquilo que é e não o que poderia ou deveria ser (ou, no caso do fã que gosta tanto de Star Wars que prefere que não façam mais filmes da franquia, de não ser).

Se o espectador espera uma narrativa biográfica focada no personagem, algum tipo de adendo épico nunca antes visto sobre a vida de Han ou mesmo uma espécie de space western sóbrio e com conflitos bem focados, terá suas expectativas quebradas. Han Solo é um filme que joga seguro de uma forma muito específica, que é a de se propor como uma aventura independente e de pequena escala, do tipo onde o desenvolvimento de personagens acontece entre as inúmeras esquetes relativamente auto-suficientes de ação.

Nesse sentido, é notável que se trate do primeiro filme de Star Wars onde os rumos da política e da guerra galática não se encontram em jogo no enredo. O alívio do fardo é positivamente sentido no roteiro. A estrutura do filme se aproxima muito mais de um blockbuster de aventura e ação oitentista do que do space opera propriamente dito, sendo que é seguro afirmar que a produção abraça com certa confiança essa identidade de ser antes de tudo um pipocão roteirizado por Lawrence Kasdan e dirigido Ron Howard, o qual acontece de se ambientar no universo de Star Wars e que porventura é estrelado por Han Solo.

Parece um caminho certo a se seguir, pois é justamente o que salva a película da auto-referencialidade excessiva que, tentando carregar com peso dramático aquilo que obviamente sempre seria melhor deixar relegado à imaginação do espectador, corria o risco de se tornar o proverbial tiro (de blaster) no pé. Ninguém quer ir ao cinema para ver a origem glorificada da fivela do cinto de Han Solo – mas se isso acontecer de forma significativa e organicamente inserida em meio à narrativa, torna-se recompensador por si só e adiciona de forma convincente ao mythos (ou então, diria o mais pessimista, consegue ao menos ter a decência de distrair o espectador do fato de que ele está sofrendo manipulação direta de seus neurônios de nostalgia).

Assim, o filme percorre alguns dos momentos de fan service tornados obrigatórios pela premissa fazendo-os trabalhar a favor de sua narrativa e tonalidade internas, o que acaba sendo um ganho para ambas as frentes. É nessa toada que a produção adquire sua unidade e afirma uma identidade própria que é palpável e bem centrada, mas não chega a ser forte ou distintiva. O roteiro de Lawrence e Jonathan Kasdan é econômico e comedido, equilibrando bem o ritmo entre as várias sequências de ação (que, por sorte, passam longe da convidativa auto-indulgência do excesso) e os momentos intermediários, abordagem que é bem equilibrada pela cinematografia visualmente cativante de Howard. Por outro lado, faz-se sentir aqui um pouco da marca do diretor em sua abordagem de narrativas de aventura, como visto em Willow, que é a de uma certa equalização média da tensão por entre as diversas cenas de desenvolvimento da trama, de forma que o filme consegue manter-se sempre suficientemente cativante, com o custo de não ter nenhum momento de ápice que se destaque das cenas vizinhas.

A forma como a película estrutura seus atos pode dar a impressão de um começo alongado, quando na verdade o que temos aqui é um primeiro ato já totalmente podado e inserido de forma a ir perpassando um segundo ato já em movimento a partir da primeira cena, opção que contribui para solidificar o enquadre de filme de ação. Além disso, há uma mudança brusca de ritmo e centralidade da narrativa entre os segmentos anterior e posterior ao planejamento do heist central da trama, sendo que a herança da produção problemática talvez se faça sentir sobretudo em uma primeira metade um tanto condensada e descentrada. Porém, como já dito, é notável a forma como a direção de Howard consegue apaziguar tais diferenças e montá-las em um todo coeso e, principalmente, bastante divertido.

Alden Ehrenreich se sai suficientemente bem como um jovem Han Solo. Não é uma atuação de destaque nem algo que dê um fôlego renovado ao personagem, mas também não fica aquém do que se espera da proposta. Sua caracterização evita a tentativa de imitação de Harrisson Ford, o que acaba sendo uma decisão acertada. Assumindo o segredo do personagem como sendo mais sua devoção quase estóica à pilantragem do que qualquer perfomance shakesperiana por parte de Ford, Ehrenreich consegue ecoar batidas do personagem de forma orgânica e convicente, intercalando com um toque de ingenuidade que nos mostra não ser esse ainda o mesmo Han que encontramos no início da trilogia original, elemento necessário para sua boa caracterização.

Donald Glover, por sua vez, vai no sentido oposto e se arrisca por várias vezes a canalizar Billy Dee Williams em sua interpretação de Lando Calrissian. O resultado é tão bom que coloca o personagem facilmente na merecida posição de destaque como uma das melhores coisas proporcionadas pelo filme. Sem cometer nenhum exagero que sua versão passada (ou futura, a depender do ponto de vista) não cometeria, o personagem diverte e se estabelece através de pequenos detalhes, adicionando à trama sem precisar roubar a cena, o que também é bastante positivo. Tanto para Han quanto para Lando, ajuda que a dupla Kasdan tenha proporcionado boas linhas de diálogo que ecoam muito precisamente o que se espera das vozes de versões mais jovens dos conhecidos personagens.

No elenco de apoio, tanto Qi’ra (Emilia Clarke) quanto Beckett (Woody Harrelson) representam bons suportes ao jovem Han, sendo estabelecidos de forma direta e abraçando seus papéis arquetípicos na trama. Sua presença soa convincente o suficiente tanto como parte da história de origem de Han quanto como elementos necessários na trama do heist, encarnando bem partes dos cenários que a película traz. Nenhuma das vigas narrativas faz pesar demais o papel destes ilustres desconhecidos do cânone, e o quanto a caracterização de Solo preza por uma abordagem básica e centrada no enredo ajuda que seja assim. O mesmo pode-se dizer da inserção sem rebarbas de Chewbacca (Joonas Suotamo) na trama, com o icônico personagem trazendo também bons exemplos de diálogo situacional – plenamente compreensíveis, ainda que em linguagem wookie. Merece todo destaque ainda a performance enérgica e envolvente de Paul Bettany como Dryden Vos, que ajuda a suprir a pulverização do papel de antagonista da trama e trazer a combinação entre a pedregosidade e a descontração imaginativa característicos dos cenários do submundo do crime no universo de Star Wars sob um enfoque autêntico e bastante interessante.

Trazendo uma gama de pequenas referências e acenos ao lore que agradarão mesmo algumas viúvas do antigo Universo Expandido (este que vos escreve incluso), o filme evita habilmente os excessos no ramo e investe em ser uma peça relativamente auto-suficiente e própria – exceto nos momentos em que claramente não tem como o fazer, com o significado emocional de determinadas sequências sendo inteiramente dependente do vínculo com os acenos ao que se conhece da cronologia da franquia. Felizmente, trata-se menos de um apelo descarado à nostalgia do que de algo inerente a qualquer prequel, seja ela ambientada no universo de Star Wars ou não. Talvez o maior destoante nesse sentido seja um elemento específico do desfecho do filme: você saberá qual quando o presenciar.

Han Solo: Uma História Star Wars realiza bem o que se propõe a ser, e parece se preocupar em ser um bom filme antes de ser um bom filme de Star Wars, conseguindo se sair suficientemente bem na tarefa ao evocar um estilo à moda antiga de se fazer um blockbuster. Se era essa a intenção desde o início ou se a abordagem adveio como solução para uma produção conturbada, isso fica para o campo da especulação. É certo que os ares de aventura retrô funcionam muito bem aqui e conseguem se servir do universo do filme mais do que servir ao universo em que ele se ambienta, o que por si só já coloca o resultado a vários parsecs de distância do que conseguiria uma tentativa auto-indulgente de romantizar e revestir de caráter forçosamente “épico” o passado de personagens queridos e já bem estabelecidos. Trata-se não apenas de um filme possível para Han Solo, mas do que parece ser a melhor possibilidade de realização da proposta dentro do panorama atual da franquia.

Han Solo: Uma História Star Wars (Solo: A Star Wars Story, EUA – 2018)
Direção: Ron Howard
Roteiro: Jonathan Kasdan, Lawrence Kasdan
Elenco: Alden Ehrenreich, Joonas Suotamo, Woody Harrelson, Emilia Clarke, Donald Glover, Thandie Newton, Phoebe Waller-Bridge, Paul Bettany, Jon Favreau, Linda Hunt, Ian Kenny, John Tui, Anna Francolini, Andrey Woodall, Warwick Davis, Clint Howard
Duração: 135 min.

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