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Crítica | Harry Potter e o Enigma do Príncipe, de J.K. Rowling

por Cida Azevedo
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Harry Potter e o Enigma do Príncipe já começa tenso. Se em A Ordem da Fênix o Lorde das Trevas e seus Comensais da Morte estão agindo na surdina e gerando mais incertezas do que catástrofes, no sexto volume da saga a abertura já é pontuada por notícias de assassinatos, desaparecimentos, massacres de trouxas e instabilidade no governo – finalmente, a guerra começou. O princípio também é marcado pela aparição inusitada do Primeiro-Ministro trouxa, que está a par da situação, já que muitos desastres ocorridos com a população não-bruxa têm explicações mágicas; Rowling, mais uma vez, mostra-se muito competente em unir realidade e ficção, tornando sua fantasia bastante crível. Esse tom mais dramático irá dominar a narrativa daqui em diante – incluindo o último título, o que é bastante interessante uma vez que mostra uma narrativa mais madura também em relação à forma.

Nesse contexto, Dumbledore, cumprindo um papel comum no universo fantástico – o mestre que prepara seu discípulo para a jornada – estreita seu relacionamento com Harry e lhe revela o maior segredo de Voldemort: suas horcruxes. O bruxo, afinal, dividiu a própria alma em sete partes; por isso não morreu quando sua maldição ricocheteou em Harry; por isso pôde retornar; por isso não pode ser morto até que todas as suas partes sejam destruídas. No percurso de Harry e Dumbledore, por meio da incrível penseira, conhecemos mais a fundo o grande vilão: sua família miserável, sua concepção sem amor, sua ascensão, sua ambição e alguns de seus crimes. Esse é o maior mérito do livro. Se em A ordem da fênix a personagem Harry Potter é mais aprofundada e melhor desenvolvida psicologicamente, em O enigma do príncipe é Voldemort quem ganha contornos mais nítidos, o que será fundamental para sua destruição.

Dumbledore, mais presente nesse enredo que anteriormente, também confere certo brilho à trama, com seus mistérios e suas falas repletas de sabedoria. Nesse sentido, destaca-se o diálogo entre ele e Harry sobre a profecia descoberta pelo protagonista no ano anterior. De maneira quase filosófica, o professor questiona as noções de destino e futuro, o que pode parecer irrelevante para alguns leitores, mas faz toda diferença para Harry. O Menino-Que-Sobreviveu, que sente um grande fardo após se descobrir o Eleito, percebe que quer combater o bruxo que matou seus pais, não porque alguém assim previu, mas como consequência dos próprios atos do vilão. Isso é bastante interessante na medida em que torna a trama mais concreta, menos etérea e, por que não, menos clichê. Confere mais força ao herói enfrentar seu antagonista por opção do que por predestinação, e não por acaso essa escolha de Harry será essencial para o desfecho do sétimo livro.

Além da relação Harry-Dumbledore, também é em O enigma do príncipe que se forja o casal Harry e Gina. O sentimento de Harry pela caçula da família Weasley é construído gradualmente, sem pressa ou atropelamentos, tornando-o muito mais sólido e verossímil que sua paixonite por Cho Chang. Rony e Hermione também se aproximam, mas ainda têm um longo caminho a percorrer, desviando do orgulho de ambos e da tensão que os envolve desde A pedra filosofal. De qualquer forma, vale dizer que o fato de Hermione se apaixonar não por Harry – o que seria um tremendo lugar-comum – mas pelo amigo sempre à sombra do famoso Menino-Que-Sobreviveu é bem legal. Cabe ressaltar também que o romance adolescente aqui definitivamente não está em primeiro plano, o que é ótimo. Esses dois casais, inclusive, eventualmente se separarão na busca pelo fim de Voldemort, mostrando que há coisas mais importantes a resolver.

O desastrado ministério da magia continua soando terrivelmente familiar. Após a difamação de Harry no ano anterior e a queda do patético Fudge, o novo ministro, um auror firme e experiente chamado Scrimgeour, adota uma política diferente, mas tão infeliz quanto a de seu antecessor: prisões arbitrárias no intuito de mostrar serviço, pouca eficiência, muita propaganda e preocupação em ganhar popularidade. A nova estratégia inclui usar Harry como mascote de um governo que até pouco tempo atrás lhe perseguia injustamente, plano obviamente frustrado pelo garoto, que se recusa a ser usado. É interessante notar que o antagonismo entre Fudge (fraco, caricato) e Scrimgeour (forte, confiável) não impede que ambos se mostrem incompetentes e cometam erros parecidos. Uma nota de pessimismo tragicômico.

O príncipe do título também não poderia deixar de ser citado. Embora pareça se desviar das principais informações da trama (Voldemort, horcruxes e afins), refere-se a um personagem essencial para a compreensão de toda a história: Severo Snape. Descrito desde o primeiro livro de maneira dúbia, Snape divide fãs entre o amor e o ódio, e sempre levantou dúvidas quanto à sua lealdade. Em O enigma do príncipe, surpreende muitos leitores por sua participação no principal evento do desenlace – a morte de Dumbledore. No entanto, continua sendo um “enigma” até os capítulos finais de As relíquias da morte, quando enfim conheceremos sua história – vale lembrar que o “enigma” não consta no título original, que se traduziria apenas como “o príncipe mestiço”. De qualquer forma, Snape é sem dúvidas uma das melhores personagens de Rowling, dada sua complexidade e impenetrabilidade.

Depois do querido Sirius Black, em O Enigma do Príncipe é Dumbledore quem se vai, deixando um grande vazio. A morte dessas personagens, entretanto, é necessária para a verossimilhança da obra – os bons também morrem na guerra – e principalmente para o amadurecimento de Harry. Depois da morte dos pais, do padrinho e do mestre/professor, o protagonista se vê obrigado a caminhar sem guias. Essa solidão de Harry será marcante no último livro, e um dos elementos mais comoventes da personagem. Dumbledore morreu, mas não sem antes deixar-lhe uma missão, e o caminho aberto pelo diretor de Hogwarts preparou não só Harry, mas também os leitores para o que está por vir. Pela primeira vez na saga, é possível saber o mote do próximo livro: a destruição das horcruxes e o duelo final.

Harry Potter e o Enigma do Príncipe (Harry Potter and the Half-Blood Prince) – Grã-Bretanha, 2005
Autor: J.K.Rowling
Publicação: Editora Rocco, 2005
510 Páginas

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