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Crítica | Heróis de Ressaca

por Guilherme Coral
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estrelas 4

Quase dez anos após iniciar a sua trilogia do Cornetto, com Todo Mundo Quase Morto, Edgar Wright nos trouxe o seu capítulo final, Heróis de Ressaca, mais uma sátira a um dos famosos gêneros cinematográficos americanos, dessa vez a ficção científica com aliens. Apoiando-se claramente em Vampiros de Almas, Wright constrói sua forte crítica à pasteurização que enxergamos nas cidades, com os clássicos estabelecimentos tradicionais passando a fazer parte de grandes redes, transformando-se, então, em uma cópia de dezenas de outros lugares. Além disso, o diretor reflete na velha experiência da visita à cidade natal, anos mais tarde, apenas para descobrir que não mais fazemos parte daquele ambiente.

Assim como os outros longas da trilogia e, claro, Scott Pilgrim Contra o Mundo, o filme conta com um início bastante comum – um grupo de amigos, incentivados por Gary King (Simon Pegg), decidem viajar para a sua cidade natal, onde pretendem refazer o épico pub crawl o qual realizaram quando ainda eram jovens. Pouco tempo depois de chegarem ao local, contudo, eles percebem que a população está se comportando de forma estranha. Mal sabiam que a grande maioria da cidade havia sido substituída por robôs não-robôs alienígenas e que o mundo inteiro corre perigo.

Uma das maiores marcas de Wright é como o tom de seus filmes se alteram da água para o vinho em questão de instantes. Em um momento nos vemos diante de uma comédia sobre amigos se reencontrando, no outro, estamos no meio de uma ficção científica que mistura o bom humor com ação e pinceladas de suspense. Como dito antes, isso já foi realizado pelo diretor em suas outras obras e é justamente isso que garante a identidade de Heróis de Ressaca, o qual homenageia clássicos do sci-fi com o humor característico de Wright.

Novamente a dupla formada por Simon Pegg e Nick Frost está de volta, com ambos interpretando antigos melhores amigos, que, agora, estão divididos por alguma razão (a qual descobrimos com o decorrer da trama). Pegg e Frost entregam personagens completamente diferentes daqueles que vimos nos filmes anteriores, mas, estranhamente, há uma sensação de familiaridade neles. O roteiro, assinado por Wright e Pegg, trabalha tal questão de maneira orgânica, trazendo profundidade a seus personagens sem exagerar no tom dramático, o qual não combinaria com o longa-metragem. De fato, todos os momentos de conflito entre os dois são marcados por piadas bem inseridas, as quais entregam bastante sobre o passado e presente desses dois amigos. Basta ver como o personagem de Frost muda completamente, regredindo ao seu velho “eu” depois de alguns shots e cervejas.

A obra, porém, conta com um evidente problema o qual, eu diria, se aplica aos outros filmes do diretor, em escalas diferentes: sua duração. Temos sequências de ação em excesso, muitas das quais não se diferenciam tanto umas das outras. Claro que muito do humor do filme é proveniente dos momentos mais “pastelão” de tais trechos, mas o longa já esbanja comédia e certamente se beneficiaria com alguns cortes. É bastante evidente que a intenção de Wright era a de mostrar, passo a passo, a bebedeira do grupo, mas nada que uma boa montagem não resolvesse, o que abriria espaço para outros momentos de humor brilharem, em especial a constatação de que tudo naquele lugar fora preenchido por cópias (tanto as pessoas quanto os estabelecimentos).

Já que falamos da montagem, enquanto a obra erra ao não saber cortar determinadas cenas, ela acerta na maneira dinâmica como as sequências são construídas e encadeadas entre si. Novamente, Wright faz bom uso de chicotes para mascarar determinados cortes ou inserir suas elipses, mantendo o ritmo do filme sempre em boa velocidade. Na direção ele brinca com sua decupagem, inserindo planos detalhes curtos para criar bem elaboradas piadas, seja nos copos enchendo com cerveja (e água) ou nas portas do carro se fechando, característica já observada em Chumbo Grosso, por exemplo.

O diretor também não tem medo de não mascarar os efeitos especiais dos aliens robôs não-robôs, confiando no belo trabalho de sua equipe, que prioriza a utilização de efeitos práticos, partindo para a computação gráfica somente quando necessário (como as grandes explosões). Mesmo essas, porém, não decepcionam, algo muito gratificante de contemplarmos após ter acompanhado toda a sua filmografia, com humildes origens em Dead Right A Fistful of Fingers. Naturalmente que o maior orçamento da produção é fruto do sucesso de seus longas anteriores, em especial Scott Pilgrim, que atingira um público maior, sem falar nas indicações ao BAFTA por outros de seus trabalhos, como Todo Mundo Quase Morto.

Com o único defeito de ser longo demais, podendo ter inúmeras sequências facilmente cortadas ou reduzidas, Heróis de Ressaca continua sendo um belo desfecho para a trilogia do Cornetto de Edgar Wright, três obras essas que fizeram o nome do diretor, o colocando como um dos mais reconhecidos de sua geração. Demonstrando todos as suas principais marcas, como decupagem dinâmica e atmosfera que se altera completamente no decorrer da narrativa, o filme funciona como uma bela despedida à dupla formada por Simon Pegg e Nick Frost, ainda que, provavelmente, os veremos juntos, sob a batuta de Wright, nas telonas novamente.

Heróis de Ressaca (The World’s End) — Reino Unido, 2013
Direção:
Edgar Wright
Roteiro: Edgar Wright, Simon Pegg
Elenco: Simon Pegg, Nick Frost, Martin Freeman, Rosamund Pike, David Bradley, Pierce Brosnan, Michael Smiley, Paddy Considine, Eddie Marsan
Duração: 109 min.

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