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Crítica | Hithcock /Truffaut – Entrevistas: Edição Definitiva

por Ritter Fan
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Se o nome desse livro não o fizer comprá-lo e devorá-lo de uma tacada só, nada mais o fará. Afinal, dois nomes míticos da Sétima Arte em um título tem que obrigatoriamente atrair qualquer cinéfilo. Assim, se você ainda não tem essa maravilhosa publicação, cavuque seu porquinho de porcelana, cate suas moedinhas e entregue-as feliz ao seu livreiro mais próximo.

Já comprou e leu? Vai lá. Estou esperando.

Ok, agora que você está de volta, o que posso escrever sobre Hitchcock/Truffaut que o primeiro parágrafo já não tenha dado conta? Talvez que o livro, um calhamaço de 370 páginas em formato grande, é a degravação de uma série de entrevistas do inesquecível cineasta britânico Alfred Hitchcock feitas pelo também inesquecível cineasta francês François Truffaut, com a ajuda da tradutora Helen Scott, inicialmente em 1967, ao longo de 50 horas e, depois, pouco antes do falecimento do Mestre do Suspense. Também posso dizer que as entrevistas são organizadas de forma cronológica, começando com a carreira de Hitchcock na Companhia Telegráfica Henley, lidando com cabos elétricos submarinos, passando pela primeira vez que se aproximou de verdade do Cinema fazendo a arte de inter títulos de filmes mudos e sua hilária lembrança de sua primeira experiência com direção em locação e abordando cada uma (veja bem: cada uma) das obras do diretor. Ah, vale lembrar que Truffaut é cuidadoso, em benefício dos mais esquecidos, em fornecer as devidas sinopses de cada filme, de forma a tornar perfeitamente compreensíveis e contextualizados os comentários de seu criador.

Mas há muito mais que eu poderia dizer sobre o livro. Por exemplo, ele é ricamente ilustrado com fotos de bastidores das produções, além de fotogramas dos próprios filmes, alguns em sequência, como no caso de Sabotador, O Homem que Sabia Demais (1956), O Homem Errado, Janela Indiscreta e Psicose, tudo para enriquecer enormemente a experiência de ler esse livro.

E seria um crime se eu por acaso deixasse de mencionar que a estrutura das entrevistas não só é cronológica, como, também, é bem coloquial, dando a clara impressão de uma conversa entre esses dois gênios do cinema. Há até momentos em que Hitchcock dá informações erradas sobre seus filmes – retificadas ao pé de página por Truffaut – ou se esquece de algumas informações, até mesmo perdendo a linha de pensamento. Tudo isso, poderia dizer, cria uma bela atmosfera de intimidade, proximidade ao Mestre do Suspense, um retrato raro dessa figura mitológica. Hitchcock/Truffaut, também poderia argumentar, não é uma biografia, mas funciona como uma, ou melhor, é bem mais do que uma biografia, pois sai a correção exagerada de enfoques biográficos e entra o erro, o coloquialismo, o companheirismo e até uns comentários extremamente ácidos em relação a determinados artistas, como, por exemplo, ao ator Charles Laughton.

É inegável que qualquer crítico sério desse livro também seria culpado se não descrevesse a riqueza de detalhes com que Hitchcock aborda suas técnicas. E sem falsa modéstia! Ao contrário, claro. Hitchcock sempre foi muito orgulhoso e, nessa entrevista, ele a todo momento se gaba de suas invencionices, de suas marcas registradas como os planos abertos em oposição a planos fechados, o MacGuffin, os props de tamanhos descomunais usados para efeitos de proximidade, a luz dentro do copo de leite em Suspeita e muitos outros momentos fantásticos.

Acho até que seria interessante transcrever passagem particularmente interessante, quando Hitchcock diferencia entre “suspense” e “surpresa” de maneira a literalmente destruir por completo os diretores que se fiam em surpresas versus aqueles que trabalham o suspense como ele. É um forte recado para os cineastas de hoje:

A diferença entre suspense e surpresa é muito simples, e costumo falar muito sobre isso. Mesmo assim, é frequente que haja nos filmes uma confusão entre essas duas noções. Estamos conversando, talvez exista uma bomba debaixo desta mesa e nossa conversa é muito banal, não acontece nada de especial, e de repente: bum, explosão. O público fica surpreso mas, antes que tenha se surpreendido, mostram-lhe uma cena absolutamente banal, destituída de interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está debaixo da mesa e a plateia sabe disso, provavelmente porque viu o anarquista colocá-la. A plateia sabe que a bomba explodirá à uma hora e sabe que faltam quinze para a uma – há um relógio no cenário. De súbito, a mesma conversa banal fica interessantíssima porque o público participa da cena. Tem vontade de dizer aos personagens que estão na tela: ‘Vocês não deveriam contar coisas tão banais, há uma bomba debaixo da mesa, e ela vai explodir’. No primeiro caso, oferecemos ao público quinze segundos de surpresa no momento da explosão. No segundo caso, oferecemos quinze minutos de suspense. Donde se conclui que é necessário informar ao público, sempre que possível, a não ser quando a surpresa for um twist, ou seja, quando o inesperado da conclusão constituir o sal da anedota.

E há muitas outras coisas maravilhosas como essa acima que poderia transcrever, como o comentário dele sobre a desnecessidade de verossimilhança para se contar uma história, as míticas frases dele sobre o que ele considera como sendo o papel do ator e por aí vai.

Poderia falar disso.

Mas não vou.

Não mesmo.

Até porque, tenho certeza, você, a essa altura, no mínimo já está lendo o livro, não é mesmo?

Hitchcock/Truffaut – Entrevistas: Edição Definitiva (Hitchcock/Truffaut: Édition Définitive, França – 1983)
Autor: François Truffaut, Helen Scott
Tradução: Rosa Freire d’Aguiar
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 370

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