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Crítica | Hoje Eu Quero Voltar Sozinho

por Rafael W. Oliveira
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Expectativas. Ansiedade. Foi cercado destes dois sentimentos que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, de Daniel Ribeiro e baseado em um curta também de sua autoria, o premiado Eu Não Quero Voltar Sozinho, chegou aos cinemas. O curta, com míseros 17 minutos de duração, encantou e emocionou com a ternura e sensibilidade com que exibiu o desabrochar de sentimentos entre Leonardo, um garoto cego, e Gabriel, recém-chegado na mesma escola. Com Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, Daniel Ribeiro estende a história e a transforma num longa metragem, mas sem nunca perder a graça e a magia do material original. De fato, pode-se dizer que o longa, com sua extensão, se torna ainda mais completo e concreto, além da oportunidade de explorar algo além da descoberta da sexualidade.

Trazendo novamente os mesmos intérpretes para seus respectivos papéis (e que por algum milagre, não aparentar ter envelhecido nada de lá pra cá), Hoje Eu Quero Voltar Sozinho carrega, como principal mérito, o fato de conseguir ser ainda mais universal que seu material de origem. Enquanto começa a descobrir seus sentimentos por Gabriel (Fabio Audi), Leonardo (interpretado Guilherme Lobo num surpreendente trabalho de composição gestual) sofre com as pressões, angústias e expectativas de qualquer jovem de sua idade, além da proteção excessiva de sua mãe pelo fato de ser cego, algo que o sufoca. Daniel Ribeiro prova que a naturalidade alcançada em sua narrativa não se deve apenas ao fato do diretor ser gay assumido (o que talvez lhe faça construir um envolvimento particular com o tema da sexualidade), mas sim pelo fato do mesmo possuir uma visão terna e verossímil sobre questões como a autoafirmação, a busca pela independência e a chegada sorrateira, mas iminente da maturidade.

Evitando todo e qualquer tipo de estereótipo, Daniel Ribeiro passa habilmente por cima da cegueira de Leonardo e decide trabalhar com todo o cotidiano do personagem, que vai além das dificuldades proporcionadas por sua deficiência visual. Com a presença de Gabriel, o diretor vai construindo, de maneira gradativa e sem pressa, o surgimento de um novo cotidiano que permite a Leonardo sair de sua zona de conforto, viver novas experiências antes tidas como impossíveis, mas que lhe apresentam uma nova perspectiva sobre o que é viver e aproveitar sua juventude. E ora, não são os adolescentes que adoram experimentar?

Daniel Ribeiro, apesar da sensibilidade imprimida ao longa, também consegue ser intimista de maneira sutil e inteligente, permitindo que o público, em certos momentos, compartilhe da existência sensorial de Leonardo. Repare, por exemplo, quando Leonardo encontra Gabriel numa piscina com Karina (Isabela Guasco): por alguns segundos, não vemos nada do que realmente acontece na piscina, e ouvimos apenas as vozes de Gabriel e Karina, enquanto encaramos a expressão estática e debochada de Leonardo. É como se o diretor nos convidasse a trabalhar nossa imaginação junto com a de Leonardo, nos desafiando a compartilhar da incerteza e perplexidade do garoto naquele momento. Um artificio simples, mas que funciona.

Assim sendo, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho deixa de ser apenas mais um filme gay para se tornar um filme sobre o amor em sua forma mais pura e verdadeira. Gabriel jamais se pergunta de onde surge seu sentimento por Gabriel, ele apenas percebe e o aceita, apesar das confusões emocionais que tal sentimento traz consigo. E é curioso notar como este sentimento também afeta e gera reações das pessoas que o rodeiam, como sua melhor amiga Giovana (Tess Amorim), visivelmente em busca daquele amor que todos nós, em algum momento da vida, também almejamos.

O roteiro, leve, delicado e doce, investe em pequenos, porém indispensáveis e cruciais momentos para exemplificar os diversos sentimentos de seus personagens e o quão complicado e conflituoso pode ser este momento de autodescoberta pelo qual todos nós passamos. Basta reparar na cena em que Leonardo e Gabriel tomam banho no chuveiro, e perceber o quanto a timidez de Leonardo e os olhares de Gabriel conseguem valer mais do que mil palavras. E Daniel Ribeiro consegue fazer uso da nudez sem cair na vulgaridade, mas tornando-a uma necessidade para que possamos compreender mais a fundo o intimo dos personagens.

Talvez por ser carregado de uma visão extremamente romântica, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho talvez frustre aqueles que esperam uma visão mais radical e menos ingênua sobre o envolvimento entre Leonardo e Gabriel, mas mesmo esta falta de contundência no que se refere ao preconceito e dificuldades que os homossexuais ainda enfrentam não é capaz de mascarar a beleza do longa, que dentre todos os seus belíssimos e significativos momentos, nos traz, desde já, o momento mais lindo e tocante de 2014, quando um simples andar de mãos dadas consegue fazer com que deixemos a sessão revigorados, encantados e, principalmente, crentes de que o amor deve ser eternamente cultivado entre nós, independente do sexo, religião, visão política e afins.

Seja ele afetivo, entre amigos ou no meio familiar, é o sentimento que importa, acima de qualquer coisa.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (idem, Brasil, 2014)
Roteiro: Daniel Ribeiro
Direção: Daniel Ribeiro
Elenco: Guilherme Lobo, Fabio Audi, Tess Amorim, Eucir de Souza, Selma Egrei, Júlio Machado, Victor Filgueiras, Isabela Guasco, Naruna Costa, Lucia Romano
Duração: 95 min.

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