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Crítica | Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal

por Ritter Fan
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Continuações são sempre problemáticas e, em regra, não deveriam existir para dar espaço a mais filmes originais. Mas elas existem e é um fato que não podemos simplesmente ignorar. Portanto, é um prazer quando o cineasta acerta em cheio nelas, como é o caso da Trilogia Indiana Jones da década de 80 que apresentou, desenvolveu e “encerrou” a história de um dos mais fascinantes personagens de aventura da Sétima Arte em três obras diferentes e que se justificam plenamente. Mas, como nada de sucesso em Hollywood descansa para sempre, George Lucas e Steven Spielberg, quase 20 anos depois de Indiana Jones e a Última Cruzada, voltaram para sua mina de ouro, com Harrison Ford mais uma vez vivendo o icônico arqueólogo, mesmo no alto de seus então bem vividos 66 anos (e esta seria apenas a primeira vez que Ford voltaria a encarnar versões bem mais velhas de seus mais clássicos papéis oitentistas).

Mesmo tendo sido bem-sucedido na bilheteria, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal foi, comparativamente aos demais, mal recebido pela crítica especializada e, até hoje, o público em geral o considera o pior filme da franquia. De fato, isso ele definitivamente é, mas ser o pior de uma série desse naipe nem de longe significa que se trata de uma obra ruim, algo que não se pode dizer, por exemplo, daquela outra franquia a que George Lucas voltou a partir de 1999, resultando em uma trilogia aviltante.

No entanto, para realmente aceitar e divertir-se com O Reino da Caveira de Cristal, o espectador precisa compreender aquela que é ao mesmo tempo a maior virtude e o maior equívoco do filme: a vontade de Lucas e Jeff Nathanson, que bolaram a história, e o roteiro de David Koepp, que lhe deu forma, de homenagear, criticar e citar muita coisa ao mesmo tempo. Se os filmes anteriores tinham histórias inspiradas no estilo pulp de livros e serials dos anos 30 e 40, o quarto filme, que se passa em 1957, agrega a isso (a) críticas à Guerra Fria encapsuladas em três vertentes, a paranoia anti-comunista, os testes nucleares nos desertos americanos e a restrição à liberdade de expressão da Era Macartista; (b) uma homenagem aos filmes de invasão alienígena que tomaram Hollywood nos anos 50 e que também eram, em muitos casos, frutos da Guerra Fria; (c) citações às teorias mirabolantes que diziam que alienígenas teriam sido responsáveis pela evolução de diversas civilizações na Terra, algo encapsulado no clássico Eram os Deuses Astronautas, do suíço Erich von Däniken, de 1968; (d) uma homenagem aos filmes de “juventude transviada”; (e) outros elementos à mitologia de Indiana Jones, como seu quase casamento com Marion (Karen Allen voltando à série) e o filho que ele não sabia que tinha, além das mortes de Marcus Brody e de seu pai e (f) diversas citações aos demais filmes da série.

Enquanto é ótimo ver todos esses elementos fortemente presentes ao longo de toda a narrativa, algo que dá estofo à história que começa com Jones sendo levado por um destacamento soviético comandado por Irina Spalko (Cate Blanchett, divertindo-se demais no papel) até o armazém da Área 51 onde vimos a Arca da Aliança ser guardada ao final de Os Caçadores da Arca Perdida para recuperar uma múmia que ele analisara 10 anos antes, parte de um plano maior da agente comunista para “dominar o mundo” com os poderes mentais dos “donos” das caveiras de cristal, a grande verdade é que é informação demais sendo despejada na projeção e que acaba levando à exageros que até hoje “mancham” a carreira do Dr. Jones no cinema, como a infame sequência da explosão nuclear a que ele sobrevive dentro de uma geladeira. Vê-se o potencial para um filme tão espetacular quanto os anteriores escorrer como areia pela mão a cada bombardeio visual de certa forma deslocado se levarmos em consideração o material que vimos nos anos 80.

A necessidade de Koepp em criar um “herdeiro” para Indiana Jones na figura de Mutt (Shia LaBoeuf), filho dele com Marion cuja existência ele ignorava faz sentido lógico se imaginarmos que talvez a ideia fosse passar o bastão para uma nova geração, mas a grande verdade é que o roteirista foi inábil em criar um personagem com uma verdadeira função narrativa na história (ele poderia ter sido facilmente substituído por uma mera carta de Ox ou Marion para Indy, se pensarmos bem) e LaBoeuf foi incapaz de, com o parco material que lhe foi dado – portanto, nem é muito sua culpa – construir um Mutt que fosse minimamente interessante. Em direta oposição a isso, há Irina Spalko, que brilha a cada sequência em que a vilão no estilo James Bond aparece, logicamente graças ao magnetismo de Blanchett e também Ox – ou Professor Oxley, para quem não tiver intimidade – vivido magistralmente bem pelo saudoso John Hurt.

As sequências de ação, ao contrário do que muitos costumam afirmar categoricamente, funcionam em sua maioria. Desde o começo American Graffiti ou Grease, com o “Greased Lightning” fazendo pega no deserto com os soldados soviéticos, passando por toda a sequência no armazém e na bizarra cidade fantasma (sans geladeira, claro), a perseguição de moto na faculdade, culminando com a corrida na floresta, incluindo as quedas nas geograficamente incorretas Cataratas do Iguaçu e a revelação de El Dorado, o que vemos é puro Indiana Jones, ainda que com um Steven Spielberg bem menos inspirado em evocar momentos verdadeiramente inesquecíveis. Novamente, ele peca no exagero como a interminável luta de espadas em cima dos carros e o tenebroso “momento Tarzan” com Mutt nos cipós, mas, em linhas gerais, o diretor acerta ao materializar as ideias de Koepp em um conjunto harmônico e aventuresco na veia de Sessão da Tarde.

Apesar de usar muitos efeitos práticos, uma produção de 2008 não poderia muito facilmente esquivar-se do CGI e, aqui, tenho para mim que Spielberg fez uma escolha premeditada – e, em última análise, incompreendida – em fazer a computação gráfica emular os efeitos práticos que seriam possíveis, até certo ponto, nos anos 80, trazendo um verniz “antiquado” ao filme que, sou o primeiro a afirmar, por vezes parece estranho. A falta de polimento, em muitos momentos, distrai o espectador, mas, por outro lado, cria um tom nostálgico que remete diretamente aos filmes clássicos da franquia. E, assim como em todo o resto, ao deixar o exagero imperar, Spielberg acaba errando e emudecendo a história em prol do espetáculo.

Mas, em meio a bons e maus momentos, uma coisa é constante: Harrison Ford. Mesmo chegando aos 70, o ator mantém no volume 11 seu carisma e faz o “Indiana Jones velho” com a mesma vivacidade – ainda que auto-consciente, elemento que o roteiro destaca e Ford abraça – que 20 anos antes. Quando argumentam que o que ele faz no filme não condiz com o que um homem dessa idade poderia fazer, eu normalmente digo que nem mesmo aquilo que o personagem faz quando seu intérprete tinha 39 anos (a idade de Ford em Caçadores) condizia com a idade. A suspensão da descrença – que nem é tão grande assim – está aí para isso e se tem uma coisa que essa franquia sempre exigiu de seus espectadores foi justamente isso.

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal não deveria ter existido, mas o filme existe e, se ele não é comparável em qualidade às obras anteriores – e não é mesmo – ele mesmo assim proporciona divertidas duas horas aos espectadores que evitarem comparações e souberem relaxar para ver um dos mais icônicos personagens da Sétima Arte singrar as telonas mais uma vez. Vinte anos depois de cavalgar ao por do sol, a volta de Indiana captura a essência do personagem e ativa a parte do cérebro responsável por aquele gostoso sentimento de nostalgia pura.

Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, EUA – 2008)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: David Koepp (baseado em história de George Lucas e Jeff Nathanson e personagens de George Lucas e Philip Kaufman)
Elenco: Harrison Ford, Cate Blanchett, Karen Allen, Shia LaBeouf, Ray Winstone, John Hurt,  Jim Broadbent, Igor Jijikine, Dimitri Diatchenko, Ilia Volok, Alan Dale, Joel Stoffer, Neil Flynn
Duração: 122 min.

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