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Crítica | Inquietos

por Luiz Santiago
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estrelas 2

A morte iminente de uma pessoa amada, vítima de uma doença terminal e incurável já é algo batido nos romances cinematográficos sobre a vida e a morte, tendo em Love StoryUm Amor Pra Recordar e Doce Novembro, exemplos tão díspares em necessidade de existir e qualidade de produto. O enredo dessas obras é muito parecido, e podemos observar essa semelhança também em Inquietos, o novo filme de Gus van Sant. A obra traz a história de uma garota em estágio terminal de um tumor. Ela conhece um garoto vítima de um acidente e que ficou obcecado pela morte, além de ter um fantasma kamicake como seu melhor amigo.

A história de Enoch e Annabel é, em suma, a história de Landon e Jamie, de Jennifer e Oliver, de Nelson e Sara, todos eles, casais cinematográficos separados pela morte de um dos pares, e em cujo processo algumas transformações morais e sentimentais acontecem a fim de “fofuchizar” o desfecho trágico, onde, geralmente, as lágrimas emotivas chegam a nos fazer esquecer de julgar objetivamente a obra. Eis aí um grande perigo: um filme é bom porque tocou a sensibilidade do espectador ou porque é, de fato, um produto cujos meios narrativos, técnicos e finais estão em perfeita harmonia? Ortega y Gasset já nos chamava a atenção para a desumanização da arte, tarefa difícil, mas necessária, para quem quer se livrar dos grilhões da emoção óptica travestida de crítica.

A perspectiva da morte e a impossibilidade de impedir esse acontecimento mistura resignação e aceitação por parte do casal Enoch e Annabel. O garoto já passou pela morte dos pais, e ele mesmo diz já ter morrido por alguns segundos. Além disso, Hiroshi, o fantasma kamikaze, é o contato direto do jovem com o além-vida, engrossado pela sua obsessão por funerais, em um dos quais conhece  Annabel. Ambos possuem uma relação de adoração à vida, uma forma de ocuparem o seu tempo em um carpe diem quase lúgubre, onde cada momento intenso, belo e carinhoso pode ser o último. Nesse ponto, o roteiro de Jason Lew consegue arrebatar-nos a atenção.

Diferente de obras anteriores do diretor, onde a economia de palavras dava lugar a um charme visual inovador e um ritmo narrativo invejável, Inquietos é verborrágico e muitas vezes desnecessário e instável. Quanto a ser desnecessário, cito as sequências de “tomada de consciência” do jovem Enoch. A óbvia morte de Annabel, mesmo que para ele fosse dolorida, não precisava ser explícita em palavras, e isso acontece em mais de uma cena. Quanto a ser instável, falo da construção das personagens, uma vez que parecem apresentar algumas características apenas para justificar um dado momento do filme, como o look masculino de Annabel ao início, a forte amizade entre Enoch e Hiroshi e a relação familiar entre Annabel, sua mãe e sua irmã.

Não é preciso conhecer toda a filmografia de Gus van Sant para sacar que ele tem uma predileção por dramas que envolvam jovens. Essa constante visita à juventude faz dele um cineasta de obras sensíveis e profundamente reflexivas, que via de regra, estão fora do grande circuito comercial, mesmo que grandes filmes seus, como Garotos de ProgramaParanoid Park e Elephant, tenham arrebatado espectadores (e merecidos prêmios) pelo mundo todo. No caso de Inquietos, me parece que o drama não é tão jovem assim. Não só pelo questionamento metafísico, filosófico e religioso em torno da vida após a morte e sua aceitação, mas porque, apesar de jovens fisicamente, Enoch e Annabel agem como adultos depressivos.

Dito assim, parece que se trata de um filme intragável, mas não é.

A mistura da cartilha indie e o tom vintage aplicado de forma geral ao filme, faz dele uma divertida e romântica história, que, a despeito de seus problemas narrativos, consegue se manter minimamente interessante. Na abertura, temos a belíssima canção Two of Us, dos Beatles, e durante a projeção, nos deparamos com canções francesas, Bach, e orquestrações de Danny Elfman. A beleza musical só não consegue superar a fotografia de Harris Savides, um ótimo realizador de ambientes dramáticos com suas cores pouco metálicas e contrastantes. Em uma das melhores sequências do filme, na noite de Halloween, temos praticamente toda uma série de tonalidades e exposições de luz, e em nenhuma delas temos monocromatismo, refração ou divergência dramática entre cor e enredo. É nessa mesma sequência que os figurinos, a edição e a maquiagem mostram-se divinamente criativos.

No que concerne à direção de arte, destacamos a bela decoração dos interiores, especialmente a do quarto de Annabel.

Henry Hooper (Enoch) e Mia Wasikowska (Annabel) formam um ótimo par cinematográfico. Ele é um bom ator, e interpreta com muita competência o seu papel, mas é Mia (que, aliás, faz jus ao nome, com um penteado igualzinho ao de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary) quem brilha enormemente, do início ao fim. Sua personagem é angelical, mas sem a impassível feição e atitudes “crepusculetes”. A dupla consegue um excelente resultado na tela.

Já a direção de Gus van Sant prima por um modelo de cinema híbrido entre o cult autoral e o popular, conseguindo apenas uma parte de seu intento. O filme tropeça em sua proposta de plasmar a morte, mas o faz de uma maneira visualmente bela; não é nada original, mas administra bem os clichês românticos; propõe uma profunda discussão sobre o amor, a vida e a morte, mas não consegue deixar séria a proposta, legando ao filme o paraíso róseo das emoções pessoais dos espectadores. Inquietos não é, uma obra-prima, mas é um dos poucos que consegue trabalhar seu foco principal sem arroubos desesperadores e dramalhões.

A memória de uma vida a dois é o que prevalece, e pela intensidade de tudo o que aconteceu, resta a saudade aos que ficam e o lema desse casal que vive sob as leis da morte: “a vida é curta demais para ser desperdiçada”.

Inquietos (Restless) – EUA, 2011
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Jason Lew
Elenco: Jane Adams, Schuyler Fisk, Henry Hopper, Lusia Strus, Ryo Kase, Jesse Henderson, Kyle Leatherberry, Mia Wasikowska
Duração: 91 min.

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