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Crítica | Instinto Materno

por Luiz Santiago
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estrelas 4

Se existe uma relação familiar ou grau de parentesco que permite um número quase infinito de sentimentos, tabus e comportamentos a serem exploradas em uma produção artística, esta é relação entre mãe e filho. Passando pela famosa interpretação psicanalítica que pontua esse relacionamento até os muitos atos de violência que também são aí observados, podemos enxergar outros fatores presentes como a dominação do filho pela mãe (que mesmo num roteiro cômico, tem ares trágicos, vide Édipo Arrasado) ou a troca de papeis que acontece com muitos filhos, que se tornam substitutos de um amor frustrado, como acontece conscientemente em Refém da Paixão ou inconscientemente em O Silêncio.

Todas essas variantes são postas na mesa em Instinto Materno, filme romeno que conta a história de uma relação nada agradável entre mãe e filho e que tem como plano de fundo um acidente, no qual Barbu – o filho dominado – atropela um adolescente e o mata.

O roteiro, escrito a quatro mãos, explora de maneira muito criteriosa o processo que envolve a família da vítima e do acusado, bem como adiciona de forma crítica alguns ingredientes sociais como a corrupção da polícia, a oposição entre uma família pobre e sem recursos para fazer valer a justiça e uma família rica que pode pagar pelos danos causados e faz de tudo para que seu filho protegido não pague as sanções que deveria.

Nessa esteira, temos um sempre interessante conflito moral, onde ambas as partes envolvidas são examinadas e o espectador não é manipulado para aceitar apenas o destino trágico de um lado ou condenar a mesquinhez do outro. Tratando seus personagens como seres humanos normais vivendo um momento de crise, Razvan Radulescu e Calin Peter Netzer criam uma teia familiar simples e crua, pautada em um realismo que impressiona e ajuda o público a traçar relações com o que vê na tela e sua realidade cotidiana, seja pessoal, seja através das muitas notícias televisionadas ou publicadas em jornais, internet etc.

Não há dúvidas de que o foco central da obra é mostrar o que acontece em decorrência do atropelamento, mas o drama não se inicia a a partir daí. A primeira parte do filme acompanha a vida de Cornelia, uma cenógrafa que está trabalhando na montagem de uma ópera e vive uma vida bastante agitada, cheia de encontros, ensaios e coquetéis. Mas já de início vemos o texto expor a sua dificuldade de diálogo com o filho Barbu e o ódio que ela nutre pela nora Carmen (que ironia!), a atual namorada do filho.

A câmera na mão e tremulante que se faz presente já nos primeiros takes não incomoda o espectador. Tampouco a montagem dura e de cortes abruptos. Essas escolhas estéticas funcionam bem no todo da obra e são dosadas com moderação, nunca caindo no uso gratuito ou atrapalhando a narração de parte da história. E nesse ponto, vale dizer que a fotografia de Andrei Butica (do excelente A Morte do Sr. Lazarescu) tem um papel importantíssimo na criação da atmosfera construída no roteiro, mas, principalmente na dualidade entre as cenas filmadas na casa de Cornelia e as cenas filmadas na casa de Barbu. A diferença entre os dois é escancarada – se é que ainda fosse preciso – através dessas indicações visuais.

Com um ótimo elenco em cena e um bem vindo final aberto, Instinto Materno é um filme-instantâneo. Ele começa e termina com reticências e é desenvolvido de forma a mostrar tudo de todos os protagonistas, mas, ao mesmo tempo, não mostrar muita coisa sobre eles. Talvez isso deixe um vazio além do necessário no espectador, mas para o tipo de tema abordado, podemos dizer que a escolha foi correta.

Entre o respeito, o amor e o ódio de uma relação entre mãe e filho, Instinto Materno nos instiga a pensar sobre escolhas, orgulho e consequências, basicamente o roteiro de alguns anos de qualquer filho ao lado de sua mãe.

Instinto Materno (Pozitia Copilului) – Romênia, 2013
Direção: Calin Peter Netzer
Roteiro: Razvan Radulescu, Calin Peter Netzer
Elenco: Luminita Gheorghiu, Bogdan Dumitrache, Natasa Raab, Ilinca Goia, Florin Zamfirescu, Vlad Ivanov, Mimi Branescu, Cerasela Iosifescu, Adrian Titieni
Duração: 112 min.

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