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Crítica | Jennifer Blood Vol.1: Dupla Jornada Mortal

por Luiz Santiago
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Quando comecei a leitura de Jennifer Blood: Dupla Jornada Mortal, tive mais reclamações do que elogios. Via pecados tremendos de verossimilhança no desenvolvimento dos fatos, principalmente na dupla vida da dona de casa devotada e mãe atenciosa que saía à note para massacrar criminosos escrotos. Sem muitas motivações psicológicas ou estrutura passada para dar apoio à leitura, amarguei algumas páginas de mistério e insatisfação para em seguida ser conquistado por essa vigilante, a belíssima e perigosíssima Jennifer Blood.

Garth Ennis cria uma história interessante sobre uma mulher aparentemente comum que guarda terríveis segredos e um fatal desejo de vingança. Embora a maior parte dos ingredientes dessa história possam ser vistos em outras obras do escritor, a nova roupagem basta para dar à série o merecido destaque e entreter o leitor com tiradas cômicas, ultra violência, palavrões, sexo, nudez e afins. Com dispensa dos elementos morais e éticos — mesmo quando a protagonista vive sua faceta doméstica — o autor nos apresenta uma atípica semana na vida de JB, a semana para a qual ela se preparou durante muitos anos.

Se no início da primeira edição do encadernado, Diário de Guerra, estranhamos a natureza dos acontecimentos, é apenas nas revistas seguintes que teremos contato com as motivações, a psicologia, o preparo físico, a munição e a história pregressa de Jennifer Blood. Passamos então de uma abertura praticamente solta, para uma história bem contada e que deixa o leitor curioso para saber o que virá a seguir.

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Era uma vez, uma linda família feliz…

No meio de toda a carnificina e doses moídas de Valium infantil misturadas em chocolate, a exposição da mulher como anti-heroína ganha um contorno bem mais interessante do que a maior parte das abordagens que tempos por aí. Em primeiro lugar, alguns autores e artistas resolvem publicar suas taras através das obras que fazem, envolvendo mulheres, algo que não encontramos em Jennifer Blood.

Nos casos mais comuns, o corpo feminino é a evidência máxima, nu ou vestido, e para ele toda a atenção se volta, como se a ação da personagem em quadro fosse menos importante que sua venda como produto, já que é isso que essas publicações acabam fazendo ao tratar a persona feminina.

Esse uso mecânico ou coisificado da mulher como personagem (e não, não estou falando de “objetificação”, estou falando de personagem mal escrita mesmo) não é interessante dentro de um drama em quadrinhos — quem quer ver curvas femininas e posições sensuais deve buscar em sites específicos — e nem faz sentido real para a revista em questão, já que o propósito para a libido exacerbada estar presente ali, não existe. Em Jennifer Blood, por mais sexy ou libidinosa que a protagonista possa parecer, suas qualidades vão além de suas credenciais anatômicas e o autor deixa isso muito claro no roteiro. Já as outras mulheres, como a atriz pornô ou as Ninjettes, recebem a exposição sensual condizente com o seu papel na narrativa. Nada de “coisificação do corpo feminino”, como alguns olhares viciados poderiam sugerir.

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Era uma vez, uma bela, recatada e do lar que sabia muito bem como fazer ovos mexidos.

Essa exposição nos parágrafos anteriores foi necessária porque a própria Jennifer Blood deixa claro sua tendência feminista, ou pelo menos o que ela entende como feminismo, ou ainda, o respeito à mulher como ser humano — vide o incidente com o mecânico, o carinha da mão boba que vemos num flashback e o próprio Jack, o vizinho sem noção, dono do “ratinho de bico rosado com cinco centímetros de comprimento”. Hehehe.

A narrativa, que poderia poderia se tornar insuportável no decorrer do arco, já que se trata de uma exposição através de um diário, é bem conduzida e ritmada, obedecendo a uma sequência agradável entre as cenas diurnas (a vida ordinária da burguesia suburbana), noturnas (a manifestação assassina de uma mulher à procura de vingança), flashbacks que dão sustentação a toda história e as anotações no caderno. A isso acrescenta-se os ótimos ganchos de uma edição para outra e praticamente todo o trabalho artístico do volume. Praticamente.

A equipe artística mudou algumas vezes durante as seis edições que compõem este primeiro volume. No caso das cores, a mudança não é tão absurda, embora o trabalho de Romulo Fajardo Jr. seja melhor que o do estúdio que coloriu as últimas edições. O verdadeiro problema está na presença de Marcos Marz nas edições #3 e 4. A diferença gritante em relação aos ótimos desenhos e finalização do brasileiro Adriano Batista espanta o leitor. Diferente dos traços firmes e ótima arte-final escura, crua e suja de Batista, os traços finos, composição quase minimalista de quadros e aparência digital da arte de Marcos Marz não combina com a identidade que nos foi apresentada para a história no começo.

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Era uma vez, uma caçada.

A retomada vem com a entrada de Keweber Baal, que apesar de ter uma finalização mais limpa que a de Adriano Batista, também tem um estilo cartunesco e ótimas caracterizações anatômicas, retomando a linha artística apresentada no início do volume. As cores um pouco mais saturadas do Inlight Studios caem como uma luva, trazendo até um pouco de ironia imagética para essa reta final, especialmente nos flashbacks de cores brilhantes.

O encadernado da Panini é bacana, trazendo as habituais capas alternativas entre as edições e uma série de desenhos extras ao final, além de um editorial da série publicado originalmente em Jennifer Blood #1 (EUA, 2011)

Para fãs de histórias violentas com pitadas de escracho e nuances tarantinescas, especialmente no quesito “mulher busca vingança”, Jennifer Blood I: Dupla Jornada Mortal é uma ótima pedida e certamente vai fazer muitos tios pedófilos pensarem duas vezes antes de atormentar suas sobrinhas.

Jennifer Blood #1 – 6: A Woman’s Work is Never Done (EUA, fevereiro a novembro de 2011)
No Brasil:
Jennifer Blood: Dupla Jornada Mortal (Panini, 2012)
Roteiro: Garth Ennis
Arte: Adriano Batista / Marcos Marz / Kewber Baal
Cores: Romulo Fajardo Jr. / Inlight Studios
Letras: Rob Steen
Capas: Tim Bradstreet
160 páginas

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