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Crítica | Jessica Jones – 1ª Temporada

por Lucas Borba
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Leia mais: Nosso Entenda Melhor com os detalhes, referências e easter-eggs de Jessica Jones, você pode ler aqui

Por vezes, a comparação é inevitável, ainda que sirva para apontar tanto semelhanças quanto diferenças entre uma coisa e outra. É o caso das séries Demolidor e Jessica Jones, já que ambas são os primeiros frutos da parceria entre o serviço de streaming Netflix e a Marvel e, para completar, chegaram até nós neste mesmo ano.

De cara, sendo assim, podemos iniciar indicando uma semelhança entre as duas produções. Assim como foi dito acerca de Demolidor, mesmo quem nunca leu os quadrinhos ou sequer ouviu falar de Jessica Jones não encontrará, por isso, dificuldade em acompanhar a narrativa dos treze episódios dedicados à moça, que estrearam nesse 20 de novembro. Aliás, até quem pouco ou nada conhece dos quadrinhos que deram origem à personagem ou do Universo Cinematográfico Marvel e, vou mais além, até mesmo quem não é adepto a histórias de super-heróis pode apreciar a série normalmente.

É verdade que, também como em Demolidor, o programa possui referências mil aos quadrinhos e ao referido Universo Cinematográfico – e isso inclui sequências inteiras reproduzidas, em detalhes, do material fonte -, mas, em uma primeira instância, funciona como um suspense investigativo, em muito flertando com o gênero noir – com direito à eventual narração em off da personagem do título – e não depende de nenhum acontecimento prévio para a compreensão do desenrolar da trama. Por outro lado, a narrativa apresenta uma abordagem ainda mais crua, mais adulta e até mais sombria do que a que vemos no caso do Homem Sem Medo.

Quando digo adulta, porém, refiro-me simplesmente a cenas de sexo, que são mais explícitas do que estamos acostumados a ver em séries do gênero. Já quem prefere mais ação do que a exploração psicológica, do que investigação e tensão talvez sinta pouca ou muita impaciência ao longo dos episódios. Afinal, Jessica Jones não é sobre uma heroína em ação, preocupada, como o referido herói do bairro da Cozinha do Inferno, em manter a cidade de Nova York segura. Não, a moça apenas busca manter uma vida pacata, quase degradante, como investigadora particular de casos, em sua maioria rotineiros, tais como adultério ou o desaparecimento de alguém. Bebe com frequência, tentando amenizar um trauma de seus tempos de heroína, e vive só em apartamento desleixado e com vizinhos barulhentos. Faz o tipo durona, independente, sarcástica e emocionalmente complicada. Adquiriu alguns poderes após um acidente quando criança, como super força, resistência a golpes e a capacidade de voar – ou de saltar e cair sem jeito, como diz Jessica -, poderes esses que evita, ao máximo, utilizar.

Jessica Jones tampouco começa com a tradicional apresentação das origens da protagonista. Deparamo-nos com a personagem em sua situação presente, tal como descrito e, aos poucos, ao longo da trama, passamos a conhecer mais do seu eu, do seu passado e das pessoas com as quais convive em seu dia-a-dia bagunçado, na pele da excelente Krysten Ritter (Breaking Bad), enfim conquistando destaque em seu evidente talento para um papel de forte carga emocional, transitando entre sentimentos de um momento a outro com incrível facilidade. Como nos quadrinhos, Jessica não representa o estereótipo típico das mocinhas de histórias de super-heróis: Embora atraente, não anda feito uma modelo e veste-se normalmente, caindo mais, isso sim, na extensão do desleixo do seu cotidiano. Ainda que venha a calhar como representante na luta feminina por independência e reconhecimento – os quadrinhos não foram escritos por uma mulher, embora a série o tenha sido e dirigida por mais de uma -, contudo, a personagem não cai no exagero e claramente nutre carinho e mesmo doçura por quem é importante para ela, embora tenha dificuldade em expressar tais sentimentos.

Também como na série antecessora, os flashbacks, que muito aos poucos entram em cena, surgem em momentos pontuais e nunca parecem forçados, dialogando com naturalidade com o momento presente e nunca durando mais do que o necessário – de fato, alguns contam com meros segundos ou menos. O primeiro episódio já nos mergulha de cabeça na vida conturbada da protagonista e em seu trabalho. Não se engane, porém, pois não se trata da típica série com a estrutura de “caso da semana”. Investigações existem, sim, mas todas convergem para a trama principal.

De casos rotineiros – que incluem a revolta de clientes -, no entanto, Jessica é contratada pelos pais de uma jovem atleta, supostamente desaparecida, para encontrá-la. A partir daí, as coisas sairão ainda mais dos eixos e a personificação do trauma de Jessica, o vilão Kilgrave (nos quadrinhos, o Homem-Púrpura), que tem o poder de obrigar os outros a seguir suas ordens e é interpretado pelo ótimo David Tennant (o 10º Doutor da longeva série Doctor Who), começa a ser introduzido na trama. Essa inserção acontece de modo muito competente, também a exemplo da série antecessora, com a ameaça surgindo aos poucos, em cenas pontuais e refletida apenas nos medos, depoimentos, ações e na paranoia dos personagens – paranoia essa que, em mais de uma ocasião, a série trata brilhantemente, inclusive com humor, evidenciando ainda mais o caráter nervoso da situação.

O problema está, todavia, no desenrolar do conflito Jessica vs Kilgrave em termos de uma temporada inteira. Enquanto em Demolidor o tamanho do desafio do herói era claramente representado pela complexa quadrilha de seu antagonista, a guerra psicológica de Jessica chega a um ponto decisivo para depois retroceder e simplesmente temos de engolir, sem que o emocional aceite, que a série não pode ter menos de treze episódios.

O roteiro de Melissa Rosenberg (roteirizou Crepúsculo e escreveu episódios de Dexter), embora com diálogos afiados, com ironia, sarcasmo e humor competentes, aliados à tensão, apresenta problemas no desenvolvimento de personagens. A série claramente busca evocar o protagonismo da mulher, abordando-a em diferentes situações, desafios, traumas, para além dos enfrentados por Jessica, a exemplo do que fez a quase obra-prima e trilogia literária Millennium. Citando como maior exemplo a advogada Jeryn Hogarth (Carrie Anne Moss, a Trinity da Trilogia Matrix), a atriz também está ótima no papel, mas simplesmente possui um drama paralelo ao principal na maior parte do tempo e, o real problema, pouco desenvolvido – aliás, na maior parte do tempo a mulher acaba passando apenas por desprezível e tende a só irritar o espectador.

Com uma ambientação à altura da sombria Cozinha do Inferno em Nova York, um roteiro genuinamente esforçado, um incrível elenco, poucas, mas boas sequências de ação e uma trilha sonora redondíssima, com direito ao saxofone evocando perfeitamente o sombrio e a desolação, é uma pena que a temporada não atinja todo o potencial que poderia. Prova da delicadeza envolvida em se investir menos em ação e mais em contemplação, tanto que Demolidor, ainda que faça seus personagens e, principalmente o herói suarem mais, apresenta um roteiro claramente superior, no qual um problema ou outro até se esquece.

Agora é aguardar a próxima série da parceria Marvel e Netflix, dedicada a Luke Cage (Mike Colter), que graças a uma experiência, ganhou uma pele impenetrável e que inicia um caso com Jessica, participando de alguns episódios. Os momentos nos quais contracenam juntos, aliás, estão entre os melhores da série.

Jessica Jones – 1ª Temporada (Idem, EUA – 2015)
Showrummer:
Melissa Rosenberg
Direção: S.J. Clarkson, David Petrarca, Stephen Surjik, Uta Briesewitz, Bill Gierhart, Rosemary Rodriguez, Simon Cellan Jones, Michael Rymer
Roteiro: Melissa Rosemberg, Jamie King, Micah Schraft, Hilly Hicks, Jr., Dana Baratta, Edward Ricourt, Jenna Reback, Scott Reynolds, Liz Friedman (baseado em quadrinhos de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)
Elenco: Krysten Ritter, Mike Colter, David Tennant, Rachael Taylor, Carrie-Anne Moss, Eka Darville, Erin Moriarty, Wil Traval, Susie Abromeit, Phil Cappadora
Duração: 689 min. (aprox.)

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