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Crítica | Jogada de Risco

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

O cinema não precisa de uma grande trama intrincada, repleta de twists, surpresas e ocorrências totalmente fora do lugar comum, muitas vezes tudo que ele necessita são alguns bons personagens unidos em situações que não pedem muitos floreios. A condição humana pode ser tão engajante, eu diria até mais, que qualquer blockbuster repleto de explosões e super-heróis – em Jogada de Risco, primeiro longa-metragem de Paul Thomas Anderson é tudo isso que temos, momentos bem construídos com diálogos (e neles incluo, é claro, os silêncios) hipnotizantes, que fazem de uma relação paternal algo a ser contemplado.

Um homem está sentado do lado de fora da porta de uma lanchonete, interpretado por John C. Reilly, John está claramente perdido, sem qualquer esperança para o futuro. Sua redução perante o mundo é marcada pelo plano aberto, que lentamente se aproxima de acordo com a atenção de Sydney (Philip Baker Hall), que aborda o sujeito perguntando se ele gostaria de um cigarro e uma xícara de café. O mais velho traz uma nítida rigidez em suas feições, sua vivência é clara e temos ali a figura de poder do quadro, ainda assim, mesmo com poucas palavras – essas com significado – ele procura ajudar o outro. Thomas Anderson constrói seu roteiro principalmente em volta desses dois personagens, Sydney, que viveu sua vida inteira nos cassinos apresenta alguns truques para John e o faz se reerguer. Com poucas sequências é estabelecido um forte vínculo de amizade e em ponto algum duvidamos dela. Mas, mais importante, somos apresentados para a dependência de um em relação ao outro. A paternalidade se constrói rapidamente e se torna um dos aspectos centrais da narrativa, de um lado o frágil e do outro a força.

Compondo todo esse quadro que funciona ao longo de um período de dois anos temos no palco central uma trama bastante simples, que não perde tempo inserindo eventos nitidamente apelativos. A tensão do desconhecido, contudo, é uma constante, perguntas como “quem é Sydney” ou o real motivo por trás de suas ações permeiam toda a projeção. Temos, é claro, alguns plot points que transformam o comum no inesperado e quebram a expectativa do espectador explodindo a tensão do que está na tela. Esses, porém, são sabiamente utilizados pelo roteiro a fim de movimentar a narrativa, criando novos rumos, ao invés de ficarmos unicamente girando em torno de eventos isolados. Percebam como o caso no quarto de motel é ligeiramente deixado para trás – a história efetivamente progride sem temer o desconhecido.

Naturalmente, para o texto funcionar apropriadamente o trabalho de direção de P.T. Anderson é essencial, conseguimos, apenas ao observar a expressão de cada ator, captar essencialmente a mensagem a ser transmitida. Mesmo o pouco movimentar de Philip Baker Hall, com seu jeito forte e silencioso, nos passa uma evidente carga emocional, que vai desde a compaixão, passando pela tristeza, até a ira. Não há exageros, apenas uma naturalidade a ser contemplada. A inconstância de John também é perfeitamente captada, expandindo a noção que temos de sua fragilidade, seu apoio na figura de pai de Sydney chega a ser infantil, mas não podemos deixar de nos identificar com o personagem ao lembrarmos de nossas próprias fraquezas diante do mundo.

Para a composição de tal enfoque, o trabalho fotográfico de Robert Elswit, que trabalharia posteriormente com Anderson em inúmeros longas, como Magnólia Sangue Negro, é essencial. Há um amplo apoio nos close-ups, enfatizando a retratação na já mencionada condição humana. Esses, muitas vezes estáticos pulam de personagem em personagem trazendo o espectador para dentro da obra, colocando-o como outra figura naquele quadro. A tranquilidade desses enquadramentos mais parados, contudo, dá lugar, ora e outra, para uma câmera em lento movimento, seja para acompanhar o movimentar dos personagens, seja para fugir do plano e contra-plano, contribuindo visivelmente para a dinâmica da narrativa, especialmente quando a aposta está envolvida. Para coroar esse trabalho hipnotizante, temos a emblemática trilha de Jon Brion e Michael Penn, que organicamente introduzem melodias que conseguem captar a essência de cada imagem apresentada, sabendo trabalhar a expectativa do espectador e o manter completamente imerso naquilo que vemos na tela.

Paul Thomas Anderson, portanto, nos mostra, em seu longa de estreia, toda sua capacidade para fazer muito com efetivamente pouco, trabalhando com um roteiro bastante intimista, coeso e circular que nos fisga da lanchonete até os créditos finais. O diretor nos prova que apenas uma ênfase no emocional de seus personagens é o suficiente para que nos apaixonemos por toda a sua obra, que, quando termina, já deixa saudades, implorando para uma segunda sessão.

Jogada de Risco (Hard Eight – EUA, 1996)
Direção:
Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Philip Baker Hall, John C. Reilly, Gwyneth Paltrow, Samuel L. Jackson, F. William Parker, Philip Seymour Hoffman
Duração: 102 min.

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