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Crítica | Jogo de Poder

por Luiz Santiago
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estrelas 3

Tudo agora é crítica. Conspiração. Grupinhos maléficos atrás das portas do poder tramando de forma macabra o destino da humanidade. A maior potência econômica do mundo já não é “tão maior” assim, e sua imagem borrada deixa vazar as rugas e negrumes que à base de ideologias invertidas e consumo pleno, logravam esconder. O cinema parece ter aberto os olhos para esse filão já a algum tempo, cerca de duas décadas atrás, mas só agora as produções cinematográficas que mostram uma versão do “lado podre do reino do Tio Sam” encontraram corpo, e se sustentam artística e teoricamente.

É o caso de Jogo de Poder (2011), filme de Doug Liman, autor de A Identidade Bourne (2002), que volta ao tema da investigação menos paranoico e mais político. Seu novo filme conta a história da agente da CIA, Valerie Plame, que tem o seu nome divulgado pela imprensa após o marido publicar no The New York Times um polêmico artigo sobre a farsa da Guerra no Iraque (2003). Entre realidade e a ficção, o filme consegue dar conta do recado mas não sem rondar em torno da teoria da conspiração. Nem tudo é perfeito.

A necessidade de fazer um filme sobre um acontecimento da era Bush parece ter-se tornado hobby para algumas vozes dos Estados Unidos. Documentários, comédias satíricas e dramas semidocumentais (como esse Jogo de Poder) pululam nas telas, e infelizmente, pouco se salva de tudo isso. No caso de Jogo de Poder, o entretenimento suplanta a voz política, dando maior atenção aos personagens de Sean Penn (em atuação comum mas mesmo assim, boa) e Naomi Watts (de quem não consigo gostar de jeito nenhum), deixando alguns questionamentos importantes de lado.

Não sou ingênuo a ponto de crer que o cinema deva fazer arte puramente engajada, e que um filme histórico ou sobre um elemento da história deva ser realista, partidário e amplo. Nada disso. O cinema é uma arte, a priori, incompleta, no sentido de sua abordagem da realidade. Poucos são os cineastas e filmes que conseguem trazer um questionamento e tratá-lo a contento em sua vertente histórico-cultural, artística e como produto comercializável. Mais uma vez, a oportunidade de trazer uma reflexão profunda sobre temas paralelos à uma história política central é deixada de lado.

O formato muito próximo do documentário não foi escolhido à toa. Doug Liman já nos mostrara em seu Bourne a importância que o documento tem para a sociedade contemporânea que ele retrata: tudo precisa de provas (e dizem que superamos o positivismo). Obedecendo a essa tendência, Jogo de Poder traz esses documentos sem o menor pudor de ser taxado como filme de preguiçoso, e isso só não acontece porque a suprema edição de Christopher Tellefsen (que assinou filmes como O Povo Contra Larry Flint, A Vila e Capote) salva esse jogo de ficção X documentário de uma pasta imagética nula de significado. Não há incômodo pelo vasto uso das reportagens, ao contrário, elas enriquecem a trama, dão corpo às intrigas que se costuram ao enredo principal. O mesmo não acontece com a câmera ensandecida que percorre o cenário de ponta a ponta de uma maneira que não faz diferença nenhuma para o espectador nem para o filme. Se lembrarmos desse mesmo uso de câmera em Guerra ao Terror, chegaremos à conclusão de que existe um tipo que história que comporta tal câmera trêmula (embora eu tenha muitas dúvidas quanto ao seu efeito dramático), mas outras não. A fotografia, assinada pelo próprio Liman, é realmente bem pensada, plasma bem os ambientes e não os monocromatiza. A máfia de colarinho branco da Casa Branca aparece muito bem na tela.

Desconectados do mundo, alienados e ignorantes da história recente dos Estados Unidos e Oriente Médio aproveitarão pouco do filme. Embora o resultado final seja claramente o de entreter, a película tem um roteiro que que se fecha para um grupo específico, e isso não é nada ruim. A história tem pontos de alta tensão, a criação de um bom suspense e até a ideia da família nuclear está posta: todas as regras da cartilha hollywoodiana foram seguidas, só que apareceram inscritas com um grafite mais forte e menos colorido. Jogo de Poder toca na superfície do problema e não o responde. Nem deveria. No entanto, apesar do ótimo final, problemas de outra ordem se estabelecem. Falhando em um campo, o filme ganha no outro. Não é diversão para as massas, mas pode se passar por uma. Não é um filme político mas pode se passar por um. Não é muita coisa que prega ser, assim como o mundo que “denuncia”, mas exatamente como esse, disfarça bem e acaba sendo alguma coisa. E a voz política que tentou clamar uma mácula Estatal enrouquece e fica completamente inaudível. No fim das contas, o “valeu a tentativa” acaba valendo quase nada.

Jogo de Poder (Fair Game, EUA, 2011)
Direção: Doug Liman
Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth (baseados nas obras de Joseph Wilson e Valerie Plame)
Elenco: David Denman, Sam Shepard, Sean Penn, Naomi Watts, Satya Bhabha, Michael Kelly, Bruce McGill, Ty Burrell, Noah Emmerich, Brooke Smith
Duração: 108min.

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