Home TVEpisódio Crítica | Jornada Nas Estrelas: A Gaiola (Star Trek: The Cage)

Crítica | Jornada Nas Estrelas: A Gaiola (Star Trek: The Cage)

por Luiz Santiago
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Stardate: Desconhecida (ano 2254)
Arco: The Talosians (1 de 3 — completado pelos episódios The Menagerie, partes 1 e 2)

Produzido em 1965 e exibido isoladamente apenas em 1988, The Cage foi o primeiro piloto de Star Trek. Escrito por  Gene Roddenberry e dirigido por Robert Butler, o episódio foi apresentado aos chefões da NBC em fevereiro de 1965, sendo imediatamente rejeitado por ter um roteiro, segundo eles, “muito cerebral, muito intelectual e muito lento“. Após a rejeição, um outro piloto foi encomendado, dando origem a Onde Nenhum Homem Jamais Esteve, escrito por Samuel A. Peeples, que passou no teste. Aprovada a série, este se tornaria o 3º episódio da 1ª Temporada Clássica de Star Trek, indo oficialmente ao ar em 22 de setembro de 1966.

Antes de sua verdadeira premiere em 1988, A Gaiola foi editado como parte de um flashback dos episódios The Menagerie 1 e 2 (novembro de 1966), formando o arco dos Talosianos, no qual o então capitão da Enterprise, Christopher Pike, se vê no meio de uma armadilha feita pelos nativos de Talos IV, uma espécie de altíssimo desenvolvimento cerebral capaz e criar ilusões poderosamente realistas e cuja intenção era utilizar os tripulantes da Enterprise para dar início (ou impulsionar) um novo processo civilizacional no planeta.

Para quem está acostumado com a tripulação da Série Clássica, ver a Enterprise pilotada por Pike e não por James T. Kirk; ver Spock antes do cargo de Primeiro Oficial e, neste posto, a atriz Majel Barrett, como Number One (personagem que os produtores disseram que “ninguém iria acreditar existir“, por se tratar de uma mulher em um alto cargo — lembre-se: estamos nos Estados Unidos dos anos 60); e uma equipe de apoio completamente diferente, é algo interessante e ao mesmo tempo… estranho. Na segunda versão do piloto, à exceção de Leonard Nimoy, todo o elenco principal foi trocado.

Em A Gaiola, a lógica científica se depara com algo extraordinário. O episódio discute a possibilidade de se viver em um sonho realista, onde tudo o que o indivíduo pensasse, poderia se realizar. Em troca, haveria a reconstrução da sociedade Talosiana a partir desse “sonho real”, uma vez que os nativos cabeçudos não conseguiam ou não sabiam mais como fazer tarefas ligadas à ciência, pois viveram muito tempo gozando dos prazeres de uma ilusão.

O momento é marcante para o Capitão Pike, ainda atormentado pela Batalha de Rigel VII, com o peso de ter perdido homens e não poder ter previsto o perigo iminente. É baseado nessa frustração e nas fantasias de uma aposentadoria feliz, que os Talosianos darão a ele uma amostra de vida perfeita, algo que tem enorme significado retrospectivo quando o espectador chega no lancinante episódio The Menagerie – Parte 1, da 1ª Temporada Clássica.

A pergunta é bastante válida: o que você faria? Podemos entender essa “vida em uma ilusão realista” como uma espécie de escravidão, correto? Mas, como os próprios Talosianos dizem a Pike, eles não estão ferindo ninguém, apenas dando o que de melhor a pessoa desejar, fazendo desse estado de prazer do outro o seu próprio prazer — eles se “alimentavam” das emoções daqueles a quem cediam ilusões — e ainda criando meios para fazer com que Talos IV voltasse a ser um lugar habitável! Tentador, não é mesmo? Penso que isso é realmente válido se considerarmos o desfecho de The Menagerie – Parte 2, mas não há resposta certa para o impasse, pois isso depende de um contexto maior para ser julgado, além de passar por uma visão ético-moral de todo o processo. É como uma eutanásia ao contrário.

Tecnicamente, o episódio impressiona, especialmente se levarmos em consideração que foi produzido no final de 1964. Tirando a abertura e aproximação da Enterprise que diferem muito do que veríamos na série regular, é louvável o que a produção de A Gaiola consegue, a começar pelo interior da nave — que tentam, sem muito sucesso, fazer parecer mais cheia –, com painéis e máquinas de aspecto futurista dentro da verossimilhança, uma possibilidade visual que agrada ao espectador e de certa forma serviu como profecia para alguns dispositivos que seriam criados e comercializados nas décadas seguintes. Os efeitos também não fazem feio, especialmente na reprodução ilusória de Rigel VII. Claro que há o fator de “efeitos com aparência B” para as cenas com os tiros dos desintegradores e em algumas tomadas mais imaginativas da câmera, mas tudo funciona bem visualmente, não havendo nada fora do tom dos anos 60 ou do restante da produção técnica do capítulo.

Em uma coisa os chefes da NBC estavam corretos: A Gaiola é “muito cerebral”. Mas não do jeito negativo que eles atribuíram esse “muito cerebral” ao episódio. O tema aqui é denso, construído como um ótimo mistério e com um desfecho bastante aceitável e pacificador, algo inesperado diante da diferença de pensamento entre as duas partes em conflito. O nascimento de Star Trek, mesmo que ocultado dos espectadores por um bom tempo, diz muito sobre a série, e dá algumas pistas do por quê o programa se tornou um grande fenômeno depois da primeira geração televisionada. Só demorou algum tempo para que esse reconhecimento chegasse. Mas ele veio. E está aí para qualquer um ver.

Jornada Nas Estrelas: A Gaiola (Star Trek 0X01: The Cage) — EUA, produzido em 1965 e exibido pela primeira vez em 1988.
Direção: Robert Butler
Roteiro: Gene Roddenberry
Elenco: Jeffrey Hunter, Susan Oliver, Leonard Nimoy, Majel Barrett, John Hoyt, Peter Duryea, Laurel Goodwin, Barker, Mike Dugan, Clegg Hoyt, Anthony Jochim, Robert C. Johnson
Duração: 50 min.

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