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Crítica | Jornada nas Estrelas: O Filme

por Ritter Fan
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estrelas 2,5

Obs: Leia, aqui, as críticas dos demais filmes da franquia.

A série televisiva clássica de Jornada nas Estrelas não durou muito tempo. O razoável (à época) sucesso de crítica não foi refletido em um público que justificasse sua manutenção e o último episódio da terceira e derradeira temporada foi ao ar no fatídico dia 03 de junho de 1969. Mesmo sendo revivida em uma versão animada que também durou pouco, entre 1973 e 1974, ela não havia ainda se tornado o fenômeno cultural que o destino lhe reservava. No entanto, Gene Roddenberry, seu criador, era incansável em sua luta para reviver a série e, já em 1975, ele convenceu a Paramount a retomar os trabalhos da hoje mítica Fase II, que continuaria em desenvolvimento ativo até 1977.

No entanto, este mesmo ano foi particularmente fenomenal para a ficção científica no cinema, com dois arrasa-quarteirões sendo lançados e mudando a história da Sétima Arte. Primeiro veio Guerra nas Estrelas em maio e, depois, Contatos Imediatos do Terceiro Grau em novembro. O incrível triunfo do primeiro, mas, mais ainda, o inesperado sucesso do segundo, espiritualmente mais em linha com a veia narrativa de Jornada nas Estrelas, fez com que a Paramount cancelasse a Fase II de sua série e retrabalhasse seus conceitos para criar sua própria franquia cinematográfica sci-fi para surfar na onda do momento. Com isso e para não perder muito tempo, In Thy Image, escrito por Harry Livington e que seria o episódio piloto da nova série, foi “retrofitado” e transformado em um longa metragem completo. E, com esse apressado começo, o estúdio foi bem sucedido em reviver o que se mostraria uma de suas mais importantes propriedades. Jornada nas Estrelas teria, então, sua devida vida longa e próspera, com sucessos no cinema que retroalimentaram a confiança na criação de Roddenberry, gerando, com isso, quatro novas séries de TV entre 1987 e 2005, com mais uma a caminho em 2017.

Mas que a verdade seja dita: Jornada nas Estrelas: O Filme, nada mais é do que um típico episódio da série de TV clássica com duração estendida para mais de duas horas. Não há, por mais boa vontade que se possa ter, como escapar desta conclusão. Seu sucesso relativo – já que não foi bem recebido pela crítica e teve bilheteria abaixo do esperado, especialmente considerando o pandemônio que foi a produção – deveu-se muito mais à demanda reprimida por mais Capitão Kirk (William Shatner), Spock (Leonard Nimoy), Magro (DeForest Kelley), Uhura (Nichelle Nichols) e demais icônicos tripulantes da Enterprise do que por seus méritos intrínsecos. Mesmo assim, a primeira jornada da série para as telonas é melhor do que dão crédito a ela, ainda que efetivamente seja um filme fraco, preso dentro da armadilha criada pela correria em que foi produzido.

Um dos pontos mais comuns de “reclamações” de espectadores e críticos sobre Jornada nas Estrelas: O Filme é que toda a ação é vista “por intermédio da tela da ponte da Enterprise”. E não deixa de ser verdade. Enquanto uma estrutura dessas poderia funcionar bem em um episódio de 45 minutos, ela perde a coesão e torna-se enfadonha quando esticada para além de duas horas. O começo já é mais longo do que deveria, mas ele acaba funcionando para estabelecer o novo status quo. O agora Almirante Kirk, dois anos e meio longe da Enterprise, que agora é comandada pelo Capitão Willard Decker (Stephen Collins), usa sua influência e uma ameaça iminente à Terra para manobrar sua volta para o leme da nave. O que o roteiro de Livingston faz é estabelecer a continuidade em relação à série de TV sem obrigar seu conhecimento prévio. E, nesse aspecto, ele é muito bem sucedido. Aos fãs fica a clara e respeitosa sensação de continuidade, com o filme passando-se depois do fim da missão de cinco anos da Enterprise, com um Kirk promovido, mas saudoso por ação. Aos espectadores casuais, o grau de exposição nesses 50 minutos iniciais permite-lhes compreender que existe toda uma bagagem por trás que une a tripulação original.

Aliás, esse tempo um tanto exagerado de preparação é utilizado para vagarosamente reunir os desgarrados. Se Scotty (James Doohan), engenheiro da Enterprise funciona como o “mestre de cerimônias” a Kirk, mostrando-lhe a nova Enterprise, Uhura, Checkov (Walter Koenig) e Sulu (George Takei) são mostrados já como parte integrante da tripulação. Restam, então, Magro, que chega resmungando e de barba à nave, depois de ser tragado de volta por Kirk e Spock, que primeiro vemos em seu planeta natal, Vulcan, incapaz de completar o Kolinahr, ritual que tem como objetivo eliminar todos os vestígios de sentimentos, em razão justamente de algo incerto que sente e que o leva a correr atrás da Enterprise mesmo depois dela já ter partido. Mas talvez a mais interessante interação seja mesmo a de Kirk com Decker, personagem novo criado para o filme. O desapontamento do novo capitão com a tomada do assento por um mais do que arrogante Kirk gera bons momentos de conflito que, porém, são pouco explorados mais adiante.

Assim, o longuíssimo prólogo que toma quase metade do filme é seguido de “sequências de ação” (as aspas se justificam, pois, se pararmos para reparar, a ação limita-se a diálogos intermináveis) que são, quase todas elas, situadas na ponte da famosa nave. A entidade ameaçadora é difusa, incerta e em si só anticlimática. O máximo de “oposição” direta que Kirk e companhia têm é quando a deltana Ilia (Persis Khambatta), nova tripulante da nave e que tem um passado com Decker, é substituída por uma versão robótica pela entidade, que utiliza esse vetor para estudar os humanos. Só para se ter uma ideia, o momento de maior “perigo” para a Enterprise se dá antes do enfrentamento da ameaça principal e é causada por um mal funcionamento do gerador de dobra da nave, em uma sequência também longa que não cumpre função narrativa alguma, a não ser esquentar os ânimos já quentes entre Kirk e Decker.

Fica evidente que a proposta é trazer algo desafiador, inteligente e, de fato, isso o roteiro é. O primeiro ponto que merece nota é o mistério sobre a ameaça à Terra. É aqui o grande trunfo do filme, que bebe fortemente de suas raízes filosóficas e metafísicas, fazendo perguntas difíceis de serem respondidas, mas que levam à reflexão. A entidade é uma enorme nebulosa que destrói tudo em seu caminho e que se dirige diretamente ao nosso planeta. Na medida em que a trama vagarosamente se desenrola, o roteiro passa a discutir sobre inteligência artificial e sobre um dos temas recorrentes de Jornada nas Estrelas: a existência ou não de um Criador, seja ele quem for. Mas há um desequilíbrio narrativo evidente e uma incapacidade de mostrar que existia ali material suficiente para um longa metragem.

Com diálogos expositivos ao extremo, incluindo uma gravação de Spock quando ele decide sair sozinho para um passeio espacial, o filme perde o pouco ritmo que mostrou no começo e a revelação final, por mais interessante que possa ser, soa frágil, com uma resolução simplista que não faz jus ao grande evento que é a reunião da tripulação clássica mais uma vez. Em determinados momentos, é inevitável olhar no relógio e torcer para os minutos passarem mais rapidamente e esse não é um bom sinal para qualquer filme.

Outra questão herdada da televisão e que ainda estava muito arraigada no elenco é a atuação. Shatner sempre foi canastrão, mas, aqui, seu personagem é tão exagerado e caricato que é difícil qualquer tipo de identificação com ele, mesmo quando há interação com seus velhos amigos Spock e Magro. Nimoy parece desconfortável no papel e ele não ganha a importância que poderia ter. Kelley, sempre agradável, faz seu Magro como sempre, mas se o roteiro não tem nem espaço para Spock, o que dizer do médico da tripulação? O máximo que ele faz é aparecer de tempos em tempos na ponte para acenar e dizer que ainda está no filme. Quem realmente acaba se destacando é Collins, cujo capitão Will Decker é o único personagem que tem um mínimo de arco evolutivo, demonstrando emoções coerentes e humanas ao longo do caminho.

Na seara dos efeitos especiais, a produção investiu fortemente na apresentação da nova Enterprise, que é vista em uma sequência longa de takes pelo lado de fora, em seu ancoradouro espacial, na medida em que Kirk e Scotty se aproximam. É um momento para saudosistas que funciona, mas, como tudo no filme, é longa e repetitiva, ainda que bem feita. Mas o orçamento acabou aí, pelo que parece, pois as demais sequências são internas na ponte e o máximo de efeitos que se usa são imagens justapostas na famigerada tela da nave. Mesmo quando o grande momento de revelar o que é a entidade chega, o resultado é desapontador pela simplicidade do cenário e pelo anticlímax da sequência.

Como um longa metragem, Star Trek: O Filme é um bom episódio feito para TV. No entanto, apesar de não ter sido o melhor dos trampolins para a transposição midiática da criação de Roddenberry da TV para o Cinema, fato é que foi esse filme, mesmo aos trancos e barrancos, que conseguiu trazer de volta a inesquecível tripulação clássica da Enterprise. E isso certamente tem um valor, não é mesmo?

Jornada nas Estrelas: O Filme (Star Trek: The Motion Picture, EUA – 1979)
Direção: Robert Wise
Roteiro: Harold Livingston (roteiro), Alan Dean Foster (história), baseado em criação de Gene Roddenberry
Elenco: William Shatner, Leonard Nimoy, DeForest Kelley, James Doohan, Walter Koenig, Nichelle Nichols, George Takei, Persis Khambatta, Stephen Collins, Majel Barrett
Duração: 132 min. (versão de cinema), 136 min. (versão do diretor), 143 min. (versão para a TV)

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