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Crítica | A Juventude

por Matheus Fragata
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estrelas 5,0

Um dos melhores diretores da atualidade que você nunca deve ter ouvido falar é, sem dúvidas, Paolo Sorrentino. Mesmo com o irregular Aqui é o Meu Lugar no currículo, Sorrentino surpreendeu a todos com A Grande Beleza. Agora com A Juventude, o italiano conseguiu entrar no meu rol de diretores favoritos. Os motivos são simples. É um diretor que não se deixa intimidar com o assunto tratado, sabe conduzir bem seus filmes e aqui, atingiu a simplicidade narrativa que faltava na sua obra anterior deixando esse novo filme acessível para todos.

Sorrentino é um autor privilegiado. Pode dirigir e escrever as suas obras. Com A Juventude, acontece o mesmo. Logo, para quem já é familiarizado com o diretor, já sabe o que esperar: uma narrativa episódica com diversos personagens intrigantes que muitas vezes são mais interessantes que os próprios protagonistas. Aqui, Sorrentino nos apresenta ao compositor aposentado Fred Ballinger que aproveita suas merecidas férias de aposentadoria em um charmoso hotel nos Alpes. Com ele, está seu amigo cineasta Mick Boyle que trabalha no seu último roteiro: seu testamento artístico. Porém, um fato inusitado corta a rotina maçante da dupla. A Rainha Elizabeth II quer que Ballinger orquestre sua belíssima composição Simple Song no aniversário do Príncipe Edward.

A proposta de Sorrentino é tanto filosófica quanto prática acerca da terceira idade e do existencialismo. Mesmo tendo explorado a melancolia, o nada e o passado com um personagem já na terceira idade em A Grande Beleza, é aqui que temos a apoteose de sua reflexão. Esse é um dos filmes mais belos que eu já vi em minha vida sobre esse tema tão delicado e esquecido – mesmo com a retomada vinda de Amor e comédias estapafúrdias de reflexão básica como Última Viagem a Vegas. Logo, o que temos em A Juventude são muitas, mas muitas ponderações sobre a idade avançada, a experiência de vida e o passado. É algo belo e à frente de seu tempo. Mesmo com a semiótica me desfavorecendo, Sorrentino é de tal talento que consegue fazer desse tema tão próprio e único, algo completamente universal em sua extrema sutileza.

Como de costume, o diretor já se pronuncia de modo único dentro de seu filme. Começamos com uma cantoria assim como em A Grande Beleza para então sermos apresentados ao nosso protagonista maravilhosamente encarnado por Michael Caine. O que posso apontar, negativamente, dentro dessa experiência mágica proporcionada por Sorrentino talvez seja essa breve introdução que é um pouco mal decupada e perdida que se passa no primeiro diálogo do longa. De concreto, apenas isso posso apontar, pois muito da película se concentra na subjetividade de seus acontecimentos e do modo que Sorrentino apresenta. Ou seja, assim como todos os filmes centrados nesse teor etéreo, pode se tornar algo ame ou odeie ou te provoque uma indiferença irritante. Tenha isso em mente quando for apreciar Juventude. 

Para desenvolver a complexidade de seus personagens, o diretor acerta em cheio ao nunca fazer as coisas de modo escancarado e porco. Tudo há um motivo muito bem centrado ao acontecer da maneira que ele apresenta: seja na sugestão ou até mesmo na exposição bem arquitetada em uma cena impactante entre Fred e Lena, sua filha. Através desses diálogos deliciosos, nós descobrimos mais sobre o passado dos dois protagonistas, cada um com seus horrores e prazeres escondidos sob anos de amargura e melancolia. Nisso, há sempre o contraponto da essência de cada revelação ou pensamento sobre o passado de Fred e Mick conforme eles conversam entre si ou com outros personagens – isso tudo é justificado dentro do texto.

Mesmo que os personagens centrais sejam fantásticos, os coadjuvantes simplesmente roubam a cena diante dos conflitos que parecem ser simples, mas que na verdade tratam-se de cóleras agudas no âmago de cada um deles. Temos um casal de idosos que sempre permanecem calados repletos de mágoa um com o outro, um ex-atleta obeso com problemas respiratórios em clara referência à Maradona – sai a tatuagem de Che Guevara, entra Karl Marx, a Miss Universo – repare no contraste no modo como Sorrentino apresenta ela em cena, além de apresentar um trabalho de quebra de preconceitos e estereótipos, uma atriz famosa no passado a la Joan Crawford/Norma Desmond que se vê obrigada a aceitar papéis menores para garantir sustento, a filha de Fred que procura a real beleza do amor, uma massagista silenciosa, uma prostituta deprimida, um moleque canhoto e, principalmente, o de longe mais intrigante, o ator Jimmy Tree, encarnado por um Paul Dano tão inspirado que chega a igualar a performance apresentada em Sangue Negro. O núcleo mais fraco do filme, talvez propositalmente, é o que envolve a criação do roteiro-testamento de Mick Boyle aliado de muitos jovens vazios, pedantes e sem-graça, mas conhecendo A Grande Beleza, fica claro o propósito de Sorrentino em investir nesse mar de gente insossa. Ao menos, o desfecho dele é absolutamente poético, poderoso e fantástico. Tão digno quanto o belíssimo fim do filme.

Com Jimmy Tree, o roteirista explora um assunto tão pragmático que tem um desfecho sutil – isso só é observado se você pegar peça por peça e encontrar a solução, ou seja, está dentro do filme, mas precisa da sua participação. Trata-se dos pecados das vaidades. Ou como grandes artistas são lembrados por apenas um papel na vida quando tem uma variedade de performances mais complexas e completas. Jimmy Tree é um espelho de tantos artistas “frustrados” como Robert Downey Jr. e seu Homem de Ferro, Johnny Depp e Cpt. Jack Sparrow ou Jennifer Aniston com sua Rachel. Nesse conflito, há uma passagem controversa que pode ser difícil de compreender, mas faz completo sentido dentro do drama de Jimmy Tree. É sim, de fato, deslocado do contexto geral, mas são peças importantes para o crescimento deles enquanto personagens.

Assim como em A Grande Beleza, o texto é uma alegoria importante, porém o cerne principal da obra tange ao visual. Sorrentino é um diretor muito perspicaz e talentoso na construção imagética. Não é a toa que seu filme anterior se chama A Grande Beleza. Já Juventude é um daqueles filmes que possuem um enquadramento mais belo que o outro – os de paisagens são de tirar o fôlego. O diretor explora a beleza da locação, busca muitas vezes pela centralidade dos quadrantes assim como a sua transversal, explora as linhas fortes que delineiam seu campo visual criando, por vezes, molduras, ou as usa para frisar sua encenação, além de simular com frequência os enquadramentos de Fritz Lang em Metrópolis associando uma alienação externa aos idosos assim como Lang explorava com os empregados do maquinário da cidade. A elegância não se limita apenas na composição estética, mas também nos refinados movimentos de câmera. Permanece um trabalho primoroso, inspirado.

Nesse filme, Sorrentino está mais preso sim à narrativa, deixando um pouco de lado aquele bolo de acontecimentos fantásticos sem ordenamento lógico ou sequencial apresentado em A Grande Beleza. Mas ainda se trata de narrativas episódicas só que melhores conectadas. Todavia, os lapsos visuais que pontuam bem o intervalo entre uma sequência e outra se fazem presentes. Nesses breves momentos, temos o deleite de conferir um uso mais audacioso e poético da estonteante e encorpada fotografia de Luca Bigazzi. Muitas vezes, nesses intervalos, Bigazzi e Sorrentino trabalham com composições barrocas a la Velázquez, Caravaggio ou Rembrandt. As imagens exploram o possível da anatomia idosa e das atividades que eles realizam no hotel. Suas simbologias visuais são inerentes ao filme. Um trabalho tão bom quanto ao de Terrence Malick.

No restante do filme, Bigazzi molda a luz também com muita delicadeza ao situar seu trabalho mais nos conformes contemporâneos ao contrário do que havia realizado com A Grande Beleza. A iluminação é mais difusa, as cores são levemente saturadas com alto contraste. É uma fotografia que pulsa vida e alegria, mas ao mesmo tempo, Sorrentino evoca melancolia e pouca perspectiva de futuro por parte de nossos velhos protagonistas. Tão pouco percebemos que a foto não simboliza o estado de espírito deles, mas sim da própria existência do terreno que eles circundam. Tudo permanecerá vivo enquanto eles, logo, vão deixar de existir fisicamente. Um trabalho muito profundo e, também, cruel, acerca desse momento complicado.

Sorrentino ainda continua com suas célebres sequências de delírio tornando mais claro os temores de Fred Ballinger desde o envelhecimento constante e a iminência da morte refletidos pelo afogamento – essa cena também tem um significado sobre responsabilidade, mas essa interpretação só faz sentido ao fim do longa. O mais criativo desses delírios também tange o ponto de escuta de Fred quando ele “orquestra” uma composição vinda da natureza daquela diegese explorando um variado de Mickey mousing. Um dos momentos mais belos do longa,

Mas esses significantes não ficam somente restritos ao abstrato da obra. Sorrentino explora a dicotomia entre juventude e velhice diversas vezes de modo singelo e simples ainda que sejam momentos um pouco deslocados da narrativa. Seja na inércia ante ao movimento, no desejo sexual contrário à impotência, na solidão contra a multidão e também pela anatomia dos corpos humanos. Porém, o mais poderoso deles se centra em um jogo de campo/contracampo tão simples que me encantou. Trata-se quando o personagem de “Maradona” percorre com seus passos trôpegos uma quadra de tênis e observa uma bolinha inerte. O olhar do ator Roly Serrano evoca toda a tristeza, depressão e desejo em voltar a fazer o mais amava na vida – jogar futebol. Um jogo de dois planos. Uma mensagem potente.

Mas centrando no assunto que leva à analise deste longa: a indicação ao Oscar de Melhor Canção por Simple Song #3. Digamos que se a Academia tivesse vergonha na cara, essa canção levaria o prêmio. É uma pérola em meio aos porcos. A composição clássica refinada tem um propósito importantíssimo dentro do longa. É ela quem evoca sua linda mensagem. Sorrentino aborda a música diversas vezes pelo diálogo insistente do emissário da rainha ou por outros personagens. Tão pouco, começamos a ficar curiosos sobre a qualidade da canção e ansiamos por ouvi-la. Eu, particularmente, não havia escutado ela antes do filme, então, quando ela surge em toda sua onipotência e graciosidade, seu poder fílmico foi ampliado dez mil vezes. A letra da canção é cheia de significado quando finalmente entendemos tudo o que ela representa para Fred.

Analisando seu uso dentro do filme, não há como negar esse trabalho espetacular de Sorrentino. Eu prefiro não revelar nada para favorecer a sua experiência ao admirar majestoso trabalho. Digamos que a catarse em A Juventude não vem com louros, mas sim em um tom agridoce entoada a plenos pulmões da maravilhosa soprano Sumi Jo. É rico, é complexo, é simples, é humano e é encantador. Não só a canção é poderosa, mas toda a trilha musical que ele aborda até mesmo com composições modais (melodias que não se resolvem como o canto gregoriano) com David Lang como Just – música que ilustra os intervalos entre as sequências.

Juventude é um poderoso filme muitos anos à frente de seu tempo. O que Sorrentino fez aqui é algo absolutamente estonteante. Consegue nos dizer muito ao mesmo tempo falando pouco graças ao espectro mágico que ronda a atmosfera desta obra-prima. Nos apaixona pela simplicidade e pela capacidade em transmitir tantas ponderações justas e simples sobre a terceira idade com personagens maravilhosos. Mesmo tendo comentado pouco, as atuações são impecáveis dentro do elenco inteiro com destaque para o trio principal, mestres da atuação contida, Michael Caine, Harvey Keitel e Paul Dano. E claro, Jane Fonda, inesquecível, em um papel pequeno de extrema importância. Não tenha preguiça em conferir essa obra fantástica. Um filme completamente underrated que eu tive o prazer de assistir sem a menor pretensão e me surpreender com extremo gosto. Quem sabe, quando eu estiver mais velho, e essa obra ter atingido o patamar artístico que merece, eu retorne para proporcionar interpretações ainda mais maduras.

Tudo me indica que A Juventude é como um bom vinho. Uma experiência que se aprimora com a idade aliada a própria ação do tempo em nós mesmos enquanto envelhecemos até o fim de tudo.

Juventude (Youth, Itália, França, Reino Unido, Suiça, 2015)
Direção:
Paolo Sorrentino
Roteiro:
Paolo Sorrentino
Elenco: Michael Caine, Harvey Keitel, Paul Dano, Rachel Weisz, Jane Fonda, Nate Dern, Alex Beckett, Mark Gessner, Tom Lipinski, Chloe Pirrie.
Duração: 122 minutos.

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