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Crítica | Kick-Ass – Quebrando Tudo

por Rafael W. Oliveira
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Adaptações cinematográficas de HQs têm se mostrado, ultimamente, algo comum para o cinema. E as respeitadas graphic novels de Alan Moore são as primeiras opções quando se pensa em levar para as telas algo de peso. Do Inferno e A Liga Extraordinária não foram tão felizes em suas versões em celuloide, mas V de Vingança e Watchmen – O Filme  receberam significativos elogios de público e crítica (e nem por isso Moore permite que seu nome seja vinculado a estas adaptações). Kick-Ass – Quebrando Tudo , baseada nos quadrinhos de Mark Millar, surge como uma homenagem/sátira ao universo das HQs e dos super-heróis, porém trazendo consigo toda a aura pop e a violência estilizada que marcaram, por exemplo, o cinema de Tarantino na década de 90 com Cães de Aluguel e Pulp Fiction – Tempo de Violência . O filme funciona, portanto, como um escapismo do costumeiro tom sério das HQs, introduzindo o espectador em uma realidade marcada pela cultura nerd por meio dos desejos de um adolescente que procura sua inspiração nas páginas fictícias de gibis e graphic novels.

O filme narra a trajetória heroica nada usual do adolescente Dave Lizewski (Aaron Johnson), um rapaz fanático por HQs absolutamente comum. No entanto, ele começa a se perguntar como ninguém ao menos tentou ser um super-herói. Com muita vontade, alguma poses, uma certa dose de loucura e uma roupa de mergulho customizada, Dave se torna o Kick-Ass, primeiro herói de sua cidade. Após uma estreia que lhe rendeu uma facada e um atropelamento (assim como placas de metal nos ossos e uma resistência ampliada à dor), Kick-Ass acaba se tornando um fenômeno mundial graças ao flagra de suas ações no YouTube. Agora uma celebridade instantânea, o alter-ego de Dave acaba se transformando em um fenômeno cultural e chamando a atenção da dupla Big Daddy (Nicolas Cage) e Hit Girl (Chloe Moretz), pai e filha que acabam com criminosos da maneira mais brutal possível, algo que contrasta com a natureza doce de sua relação. Já o chefão do crime Frank (Mark Strong) vê seus negócios sendo ameaçados por esses novos “heróis”, mas seu filho Chris (Christopher Mintz-Plasse), também um fanático por gibis, tem algumas ideias sobre como lidar com essa febre heroica.

Cínico e ultrajante, Kick-Ass constrói sua identidade através de diversas referências e brincadeiras ao gênero que visa satirizar. A jornada de autodescoberta de Dave remete imediatamente a Homem-Aranha , onde busca conciliar sua vida social/amorosa com suas obrigações como defensor (“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades”, lembram?), ao mesmo tempo em que o fato de ser um adolescente comum como qualquer outro, isento de qualquer habilidade especial, constrói semelhanças com Bruce Wayne em Batman Begins , onde seu único objetivo era livrar a cidade da corrupção e violência. Mas ao contrário do milionário playboy do filme de Christopher Nolan, Dave conta apenas com algumas bugigangas e sua força de vontade.

Entretanto, é no uso nada modesto da violência e do humor negro que podemos atestar a principal inspiração de Kick-Ass. Aliás, não é a primeira vez que o diretor Matthew Vaughn flerta com algo do gênero, já que seu filme de estréia, Nem Tudo é o que Parece ), já demonstrava o apego de Vaughn com estas características. Nas sequências de ação, repletas sangue e desmembramentos, sempre acompanhadas por uma trilha animada e pouco usual (até Bad Reputation se faz presente!), fica óbvia a inspiração em Kill Bill , inclusive se dando ao direito de incluir um flashback em animação, tal qual como fora visto na obra de Tarantino.

Realizado de forma independente pelo próprio diretor (inclusive contando com o apoio do ator Brad Pitt), Vaughn aproveita sua total liberdade em cima do projeto para ir além da mera brincadeira descompromissada, apresentando Kick-ass como uma profunda visão cinematográfica dos fascínios que permeiam o mundo nerd. Dave, ao ser visto como um adolescente comum, mas que vê no senso de justiça dos heróis dos quadrinhos como o mote para tornar-se um deles, representa toda uma geração que construiu seu mundo em meio as diversas páginas de obras como Scott Pilgrim ou mesmo as criações de Alan Moore. Afinal, qual destes jovens não gostaria de trazer para a realidade esta realidade paralela que tanto lhes cativa? A iniciativa de Dave assumir seu alter-ego, apesar de ser tratada com certa ingenuidade, representa o desejo de todos esses jovens em encarar esta paixão por histórias em quadrinhos como algo além do escapismo.

E que escapismo. Poucas vezes se viu personagens tão excêntricos e surreais quanto os de Kick-Ass. Apesar de Dave (interpretado com carisma por Aaron Johnson) ser utilizado como o mote da trama, são os personagens secundários que deixam a obra com um ar ainda mais delicioso e irreverente, usando e abusando do politicamente incorreto. E Hit-Girl, numa inacreditável Chloë Grace Moretz (de Deixe-me Entrar ), deverá ser lembrada no futuro como a super-heroína mais icônica a surgir desde sei lá quanto tempo. Sendo quase uma versão em miniatura de Beatrix Kiddo em Kill Bill, ver a pequena garota descendo o cacete em um bando de mafiosos sem dó nem piedade é, sem dúvida, o suprassumo daquilo que chamamos de humor negro.

Seu companheiro de cena é Big Daddy, encarnado em tom perfeitamente adequado por Nicolas Cage, que surpreendentemente, se mostra incrivelmente à vontade como não se via há muito tempo. Irônico e insano, mas também dono de um grande senso paternal, Big Daddy também se mostra um personagem complexo com seus conflitos do passado, além de que seu uniforme tosco e careta é uma clara e divertida referência ao utilizado por Batman no seriado de TV da década de 60. Christopher Mintz-Plasse e seu Red Mist, entretanto, sofre com a forte presença destes personagens, já que sua repentina aparição lá pela metade da fita pouco chama a atenção. Por outro lado, Mark Strong, costumeiro em interpretar vilões, constrói uma faceta bastante diferente do que vinha fazendo ultimamente, e é o que mais parece estar se divertindo em cena.

E mesmo se passando em meio a um mundo de personagens excêntricos, Kick-Ass consegue manter seu pé na realidade graças a direção calibrada de Vaughn e ao ótimo design de produção, que destoa completamente de toda a estranheza dos figurinos, por exemplo, transmitindo toda a sensação de estranheza caso víssemos alguém vestido com uma roupa de banho customizada. A trilha sonora é outro ponto alto, apostando em canções descoladas de Primal Scream, The Omen, The Dickies, Joan Jett e Mika que conseguem aproximar ainda mais seu público-alvo.

Inovador, repleto de energia e absurdamente divertido, Kick-Ass – Quebrando Tudo se firma como uma das melhores adaptações de HQs recentes, e também uma das melhores obras satíricas realizadas por Hollywood nos últimos anos. Sendo fã de super-heróis ou não, é recomendado.

Publicado originalmente em 17 de outubro de 2013.

Kick-Ass – Quebrando Tudo (Kick-Ass) — EUA, 2010
Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Jane Goldman e Matthew Vaughn, baseado em quadrinhos de Mark Millar
Elenco: Aaron Taylor-Johnson, Mark Strong, Christopher Mintz-Plasse, Chloë Grace Moretz, Nicolas Cage, Jason Flemyng, Xander Berkeley, Evan Peters, Elizabeth McGovern, Michael Rispoli
Duração: 117 min.

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