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Crítica | King Kong vs. Godzilla (1962)

por Luiz Santiago
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É terrivelmente complicado escrever sobre um filme terrivelmente ruim com coisas terrivelmente boas em seu conteúdo. No caso de filmes B, trash, kaiju e afins, essa realidade se torna presente e desafia tanto o espectador quanto o crítico a equilibrar em uma tênue linha o que há de melhor no pior do cinema e ainda por cima trazer à tona o que há de pior no que já é ruim. Não é uma tarefa fácil, mas é tremendamente divertida (vide o resultado obtido nas críticas de Palhaços Assassinos do Espaço Sideral Sharknado, por exemplo).

King Kong vs. Godzilla é um filme que se enquadra justamente nesse tipo de situação onde há coisas tão ruins que se tornam boas no todo da obra. Centrado no embate entre os dois monstros mais icônicos da Sétima Arte, a obra teve origem em uma proposta de Willis H. O’Brien, responsável pela animação em stop motion de King Kong (1933). A ideia consistia em juntar esforços da RKO com a Universal e criar uma história onde o gorila lutaria contra uma versão gigante de Frankenstein (dá para adivinhar qual seria o nome desse filme?). Devido a alguns temores infundados sobre detenção de direitos, o projeto teve o nome alterado para King Kong vs. the Ginko e em seguida para King Kong vs. Prometheus.

Devido a interesses comerciais imediatos e alto custo do projeto para ser rodado em terras americanas, os estúdios rejeitaram a ideia de O’Brien, que já a essa época tinha também John Beck na luta para encontrar produtores e realizar o filme. Numa teia de contatos entre estúdios e filiais, a Toho Company ficou sabendo da proposta e se interessou em realizar o projeto, desde que Frankenstein fosse substituído pelo próprio monstro do estúdio: o Godzilla.

Sob a tutela do grande Eiji Tsuburaya na direção de efeitos especiais, o filme mesclaria elementos trabalhados por Willis H. O’Brien em King Kong e a identidade visual lançada por Ishirô Honda e Tsuburaya na em Godzilla (1954). Tanto a coreografia dos monstros em suas histórias individuais quanto a luta entre os dois é visivelmente resultado de grande imaginação e esforços técnicos, mesmo que hoje possam parecer (e são!) risíveis. Essa mescla estética era completada por uma dupla visão narrativa: o roteiro foi subdividido em 4 grandes partes, duas delas “americanas” e duas delas “nipônicas”.

Em relação aos blocos americanos, temos a revisão da história de King Kong (quase uma refilmagem em resumo do filme de 1933) e uma espécie de documentário-noticiário inútil que narra os eventos para o público e introduz o fator científico na história, explorando-o à sua maneira no decorrer do filme. Esta é uma das partes que tornam o filme chato em determinados pontos simplesmente porque não se decide. O híbrido de documentário e noticiário da ONU é terrivelmente artificial em toda a história e interrompe de maneira prejudicial ao ritmo do roteiro. Já a versão de King Kong com elenco japonês, um polvo gigante e um suquinho vermelho com propriedades soníferas funciona relativamente bem dentro da proposta kaiju. É uma salada cultural e estético-formal, mas dá certo e agrada.

A parte nipônica é, digamos, a mais prejudicada do filme. Ela consiste no [res]surgimento do Godzilla, desta vez, acordando de dentro de um iceberg e em seguida atacando vários lugares da costa japonesa. Como se não bastasse as interrupções feitas pela parte “documental-americana” há um fator cômico que destoa completamente do projeto, algo que Ishirô Honda declaradamente odiava mas que se via impotente para barrar devido às imposições da Toho. A ideia do estúdio e de Eiji Tsuburaya, que tinha grande influência no processo de produção da franquia pelo menos até A Guerra dos Monstros (1965), era a de que o texto dos filmes precisavam se afastar da seriedade de caráter social do primeiro filme e se aproximar mais do público jovem através do humor. Entendia-se que esse tipo de público procurava mais diversão crua e menos discussões ético-morais em um filmes com um monstro pré-histórico atomizado. Com efeito, temos em King Kong vs. Godzilla um incômodo fator humorístico e absolutamente nenhuma incursão capaz de exigir uso a mais e neurônios a fim de ser compreendida.

Desta fase, o único momento pleno de emoção, agilidade, tosquice, bizarrice, genialidade e humor involuntário é a segunda luta entre os protagonistas da fita. Absolutamente tudo nessa luta [não] funciona perfeitamente bem, o que faz com que seja o verdadeiro momento inesquecível do filme e que vejamos cumprida a proposta inicial, daí a boa avaliação do público ao final da fita. Mesmo que em seguida tenhamos uma linha que se destina a uma conclusão típica de Hollywood, nada é capaz de aplacar o impacto da batalha entre os dois monstros, certamente a sequência que faz valer todo o filme.

Conhecendo o gênero e a proposta em que se enquadra, fica mais fácil para o espectador assistir a King Kong vs. Godzilla e gostar ao menos minimamente do que vê. O filme é divertido (de um modo positivo e negativo) e com um fator trash capaz de prender qualquer um do início ao fim da projeção. O resultado final, a despeito das grandes falhas apresentadas, é bastante positivo e já traz no título aquilo que se fixará de maneira permanente na memória kaiju do público, que dificilmente terminará o filme sem exclamar com um sorriso estranho no rosto: “isso é que é uma batalha épica!“.

King Kong vs. Godzilla (キングコング対ゴジラ / Kingu Kongu tai Gojira) – Japão, EUA, 1962
Direção: Ishirô Honda
Roteiro: John Beck, Bruce Howard, Paul Mason, Willis H. O’Brien, Shin’ichi Sekizawa, George Worthing Yates
Elenco: Tadao Takashima, Kenji Sahara, Yû Fujiki, Ichirô Arishima, Jun Tazaki, Akihiko Hirata, Mie Hama, Akiko Wakabayashi, Akemi Negishi, Senshô Matsumoto
Duração: 99 min.

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