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Crítica | Krypton – 1X01: Pilot

por Ritter Fan
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Confesso que, quando Krypton foi anunciada como um prelúdio para Superman passado duas gerações antes da destruição do planeta e do envio do bebê Kal-El para a Terra, fiquei ao mesmo tempo descrente e extremamente curioso. Afinal, diferente de Gotham, que tem pelo menos Bruce Wayne em seu seio, a nova série – desta vez pelo SyFy – não poderia lidar com o Azulão diretamente, o que potencializaria invencionices aleatórias e uma distância muito grande da mitologia comumente conhecida pela maior parte do público, inclusive o público leitor de quadrinhos.

A expectativa pelo episódio piloto, então, era grande, o que aumentavam as chances de ele desapontar. Mas Krypton, pelo menos nesse seu começo, surpreende. Ao iniciar não com o avô do Superman, mas sim com seu trisavô Val-El (Ian McElhinney, infelizmente em apenas uma breve ponta), respeitado cientista da casta superior da cidade de Kandor que está sendo julgado por não querer se ajoelhar à nova teocracia estabelecida e comanda pelo misterioso Voz de Rao, o episódio inaugural não só espelha a icônica abertura de Superman – O Filme, que mostra Jor-El julgando Zod, Ursa e Non, como deixa evidente sua ambição e sua missão de usar elementos icônicos de uma miríade de fontes desses 80 anos do personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster em um todo aparentemente coeso e com identidade própria.

Encerrado o trágico prelúdio, somos arremessados 14 anos a frente, com Seg-El (Cameron Cuffe) – esse sim o futuro avô do Superman – vivendo de golpes nas partes mais baixas da cidade, depois que a “traição” de Val-El desonra o nome El, que é extirpado dos anais kryptonianos. Sem maiores delongas, um misterioso homem de boné do Detroit Tigers (não coincidentemente o time de baseball do coração de Geoff Johns, editor da DC Comics) que se apresenta como Adam Strange (Shaun Sipos), anuncia que Seg será o avô do Superman e entrega a ele uma chave de uma “fortaleza” que logo se revela, claro, como a Fortaleza da Solidão de Val-El, o que acaba inserindo o conceito de viagem no tempo na narrativa, eficientemente criando a costura que a série precisava com o presente. Da mesma forma, somos apresentados a Daron-Vex (Elliot Cowan), magistrado responsável pela execução de Val-El e que deseja parear sua filha Nyssa-Vex (Wallis Day) com Seg, absorvendo o jovem para a família Vex, algo ao mesmo tempo atraente e repugnante para ele, já que o nome El não seria reinstituído e seus pais continuariam indigentes. Além disso, descobrimos que Seg é namorado de Lyta-Zod (Georgina Campbell), cadete da força militar, provavelmente futura mãe do General Zod (aquele que pede para os habitantes da Terra e Superman se ajoelharem) e filha de Jayna-Zod (Ann Ogbomo), impiedosa líder militar.

Sim, é muito nome e sim, é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, o que pode confundir especialmente os não-iniciados na mitologia do Superman. Mas esse é ostensivamente o papel de episódios-piloto: estabelecer a estrutura básica da série, seus personagens principais e, no caso de séries baseadas em HQs de super-heróis, ser ao mesmo tempo o equilíbrio entre fan service e “ponto de entrada” para curiosos não-iniciados. Como era de se esperar, porém, considerando o peso da mitologia de Superman, o lado fan service acaba falando mais alto aqui nesse começo, com O Mundo de Krypton de John Byrne sendo fundido com diversas versões do planeta que conhecemos ao longo dos anos, especialmente a do filme seminal de 1978 (repararam na capa original e, claro, nas notas da trilha inesquecível de John Williams?), mas também de O Homem de Aço (que por sua vez bebe de Byrne fortemente), com referências que vão desde os nomes dos personagens (Seg-El parece ser uma variação de Seyg-El, efetivamente o avô de Kal-El nos quadrinhos pós-Crise), até Adam Strange “desaparecendo”, Brainiac (Blake Ritson) surgindo como um Borg, menções ao grupo revolucionário/terrorista Zero Negro e o conteúdo da Fortaleza da Solidão, com as icônicas estátuas segurando um globo e um breve momento em que vemos até o que pode ser a Clemência Negra, da espetacular Para o Homem que Tem Tudo. No entanto, ao mesmo tempo, o piloto finca as raízes que serão trabalhadas na temporada – e em futuras temporadas, claro – gerando genuína curiosidade.

O design de produção exibido aqui também merece destaque. Mesmo com orçamento de televisão, a criação de “duas” Kryptons, uma da casta superior e outra inferior é funcional e bem trabalhada, com uma cidade marginal que, apesar de não ser muito mais do que uma profusão de vielas e corredores, consegue transmitir o recado que o showrunner Cameron Welsh muito obviamente deseja passar sobre a disparidade de classes. Os figurinos são muito bonitos e em linha com praticamente o que esperamos de uma versão, digamos, mais sombria de Krypton, algo que, nesse quesito, é equidistante entre o espalhafatoso prateado da obra de Richard Donner e o tecno-orgânico de Zack Snyder. É uma Krypton (ou Kandor especificamente, pelo menos por enquanto) ao mesmo tempo familiar e estranha, opressiva e libertadora, com um eficiente uso de CGI em momentos-chave, mas sem exageros.

Mas nem tudo funciona muito bem. Desnecessariamente, o piloto corre desesperadamente para deixar Seg-El sozinho ao seu final. Não só testemunhamos a execução ritual de Val-El logo na abertura, como seus pais Ter-El (Rupert Graves) e Charys-El (Paula Malcomson) são defenestrados sem cerimônia, impedindo uma construção mais cadenciada para os personagens a ponto de realmente nos importarmos com eles. E isso acaba afetando o protagonista, ou melhor, nossa empatia por ele. Ao ser apresentado como um jovem rebelde padrão, daqueles que já vimos em um sem-número de séries e filmes, esperamos algo mais complexo dele, algo que justifique sua jornada, mesmo que ainda em seu insipiente e hesitante início. Mesmo que o artifício “morte dos pais” seja, claro, um catalisador clássico, tudo parece artificial e conveniente demais, naquela óbvia tentativa de se compactar o máximo possível de fragmentos de informações e situações no tempo regulamentar. No entanto, o vazio que fica é grande com a eliminação de Ter e Charys-El. E o mesmo pode ser dito do encadeamento de determinadas ações, como Seg lidando com um terrorista ou salvando um idoso da violência policial. Os encaixes são “feios” e poderiam ter ganhado mais suavidade, no mínimo com um piloto duplo ou ao longo de um mini-arco que tomasse um terço da temporada de 10 episódios que, espero muito, permaneça com apenas 10 episódios nessa e nas próximas temporadas.

Outro ponto fraco é Cameron Cuffe. Ainda é decididamente muito cedo para julgar com algum grau de certeza, especialmente diante do frenesi do episódio, mas o ator não parece ter a latitude dramática necessária para carregar uma série desse naipe nas costas. Ele trafega entre o pós-adolescente rebelde e o adulto choroso de maneira burocrática e pesada aqui, sem demonstrar, por exemplo, a naturalidade que vemos em Georgina Campbell, ainda que ele se situe em um patamar – felizmente – bem superior da atuação robótica de Wallis Day. Claro que é necessário dar espaço para o jovem ator se encontrar, mas espero que não demore, pois ele é a chave para a série funcionar de verdade. Se não comprarmos seu drama e se ele não conseguir ir além do rostinho bonito, o risco de uma nova Arrow surgir por aí não pode ser descartado.

Mesmo com seus problemas – que reputo até naturais para um piloto de uma série dessa natureza e com a ambição que tem – Krypton promete uma baita jornada. Se Cameron Welsh souber navegar pelas armadilhas inerentes ao gênero, poderá entregar algo memorável. Minhas trepidações iniciais permanecem, mas foram suavizadas pela competência mostrada aqui. Agora é torcer para que a série decole.

Krypton – 1X01: Pilot (EUA – 21 de março de 2018)
Showrunner: Cameron Welsh
Direção: Ciaran Donnelly, Colm McCarthy
Roteiro: David S. Goyer, Ian Goldberg
Elenco: Cameron Cuffe, Georgina Campbell, Shaun Sipos, Elliot Cowan, Ann Ogbomo, Aaron Pierre, Rasmus Hardiker, Wallis Day, Blake Ritson, Ian McElhinney, Rupert Graves, Paula Malcomson
Duração: 43 min.

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