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Crítica | Liga da Justiça (2017) – Com Spoilers

por Luiz Santiago
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  • Leiam, aqui, nossa crítica sem spoilers.

Uma das formas de entender as escolhas e resoluções finais de uma sociedade é estudando os sentimentos que a população cultivou por um determinado período. Sentimentos que, por diferentes fatores históricos, foram evoluídos até chegarem em um patamar na maioria das vezes próximo do caos. Partindo da linha de análise psicológica criada pelo americano Robert Plutchik, percebemos que a intimidação de um povo ou pessoa caminha para a sua submissão. E que entre esses dois estágios existem três camadas emotivas. A mais superficial e simples é a da apreensão; a segunda e talvez mais perigosa é a do medo e a terceira é o puro terror. Em O Homem de Aço (2013) nós vimos a intimidação. Em Esquadrão Suicida (2016), a submissão. Em Mulher-Maravilha (2017), a apreensão. Batman vs. Superman (2016), trouxe o medo e aqui em Liga da Justiça (2017), chegamos ao terror. Alguma coisa precisava ser feita neste Universo.

Dirigido por Zack Snyder e com cenas adicionais guiadas por Joss Whedon (que assumiu a cadeira após o afastamento de Snyder devido ao suicídio da filha) Liga da Justiça tem como base dramática uma das obras-primas de Akira Kurosawa e mostra o que um mundo submisso às saídas fáceis do extermínio de tudo o que não conhece e ao cultivo dos muitos tipos de fanatismo pode ter como elemento adicional se o seu medo é acoplado a um dos grandes desastres do imaginário popular: a falta de esperança. Com a morte do Superman o mundo abriu as janelas das ações criminosas e uma corrupção moral rapidamente avançou, como um traço fatal de uma das interpretações do niilismo, onde reina o ressentimento, a paralisia no momento atual (sem esperança, como ter forças para fazer qualquer coisa contra criminosos?) e o “tudo pode” representado pela frase do personagem Ivan Karamazov em um clássico romance russo: “se Deus não existe, então tudo é permitido“.

Mas essa situação não passa despercebido aos olhos de quem não rende sua moral à um poder maior e não faz coisas erradas apenas porque tem medo de ir para qualquer inferno possível, mas simplesmente porque acha que não se deve fazer coisas erradas e ponto final. Curiosamente, o remédio para a ferida vem de uma das versões muitas vezes chamada fascista do Batman, em sua ânsia por resolver as coisas da maneira mais bruta e eficaz possível tal qual o Morcego ferro e fogo criado por Frank Miller e Klaus Janson em O Cavaleiro das Trevas (1986). Diferente da iniciativa clássica, onde um mundo mais ou menos normal é afetado por uma invasão e os heróis se unem por acaso (A Origem da Liga da Justiça, 1962), este filme mostra os paladinos dotados de um forte senso de justiça e urgência, sentimentos ao mesmo tempo influenciados pela sociedade onde vivem e pelo chamado interno do dever. Se eles podem fazer alguma coisa para lidar com os terríveis acontecimentos que estão por vir é se unindo para isso. E tal qual a primeira cena de Origem (Novos 52), começamos aqui com Batman perseguindo um Parademônio, criação do “Quarto Mundo de Jack Kirby“, Universo formado pelos títulos Povo da Eternidade, Senhor Milagre e Novos Deuses, onde se originou o Lobo da Estepe (Steppenwolf), o vilão da fita.

O roteiro de Chris Terrio e Joss Whedon se livra da dispersão e ao menos no início faz uma ótima preparação temática. Afinal de contas, Liga da Justiça para quê? Em pouco tempo, a mensagem de esperança e sua importância para a humanidade são ressaltadas e deuses-heróis como o Superman e a Mulher-Maravilha são corretamente colocados no enredo pelo que de fato representam. Eles inspiram e geram esperança, são um farol, um motivo para resistir e acreditar, algo que até o momento não acontece, já que Diana está afastada da humanidade por motivos particulares e o Superman não existe mais. No reinado do medo, portanto, começa a surgir o terror, alimentado pelas contantes ondas de violência, uma verdadeira porta aberta para a vinda dos Parademônios e a chegada do Lobo da Estepe, que tem uma função básica apontada em uma fala do personagem: preparar o terreno para Darkseid. Nessa linha de preparação, os mocinhos seguem a promessa feita no velório de Clark Kent e começam a unir forças, momento no qual o texto dá uma caída porque nós não tivemos um filme de origem para Aquaman, Flash e Cyborg e, convenhamos, há bem pouca coisa que nesse Universo nos ligue à essa tríade de novatos no UCDC.

Aqui reside um dos pontos fracos da obra, ao lado do principal deles que é a colocação do vilão e as ações na Rússia. Em relação à Trindade temos participações entre muito boas e excelentes, com Ben Affleck representando muito bem um Bruce “empresário de bastidores” e um Batman quase suicida (isso pode parecer estranho para alguns espectadores, é compreensível, mas para mim funcionou perfeitamente); Gal Gadot dramaticamente bem colocada na história, embora a direção tenha errado muito em não dinamizar a coreografia de luta da personagem, cujos golpes repetidos ao longo do filme incomodam um pouco; e Henry Cavill, que é quem realmente importa em todo o filme, protagonizando cenas de puro e belo enlevo idealista (na linha da Era de Ouro ou com o espírito de Superman: Paz na Terra), fazendo valer cada minuto em que aparece, desde a sua versão malvada — um boooo bem grande para a DC por não trazer o uniforme preto — até o cumprimento de sua missão, renovando a esperança no mundo e incrementando a boa luta contra o Lobo da Estepe. Já em relação aos outros três heróis, mesmo com boas interpretações dos atores, o texto não traz pontos de estabelecimento para nenhum deles, que são jogados no meio da tempestade e só ganham uma chegada à Liga mais ou menso harmônica porque o roteiro aposta nas dificuldades (ou facilidade, se falamos do Flash, uma surpresa muitíssimo bem-vinda e bem interpretada por Ezra Miller) para que cada um chegue oficialmente ao grupo.

Houvesse mais tempo de filme, o roteiro poderia utilizar o fator existencial do homem versus máquina que pontua a personalidade de Victor Stone (Ray Fisher captura com precisão o tom certo para o herói, trazendo a essência do Cyborg dos Novos 52) e do conflito entre espécies que marca o orgulho do Aquaman, que apesar de uma postura correta de Jason Momoa — sem docilidade ou selvageria gratuita –, é parcialmente descaraterizado, faltando-lhe um certo desajeito no trato com os humanos e uma maior exposição de sua própria realeza, fator problematizado para pior no momento em que se encontra brevemente com Mera, durante a invasão de Steppenwolf à Atlântida. Dois bons momentos do personagem, porém, merecem ser destacados e pasmem, são bem improváveis. O primeiro deles é em uma cena cômica que praticamente perde a mão no timing mas se mantém boa, quando o personagem senta-se no Laço da Verdade e começa a fazer confidências. O recurso não é gratuito, ele vem em boa hora e funciona bem no filme, além de existirem inúmeras ocorrências disso nos quadrinhos, portanto, não é um humor tirado da cartola. O segundo é na luta contra os Parademônios antes da entrada no reator nuclear, quando vemos um excelente potencial de luta, boa coreografia — sem repetições, ora ora ora! — e um ótimo sinal de aproximação do personagem com Cyborg, também algo muito coerente e em par com os quadrinhos, onde normalmente vemos essa aproximação do Aquaman com Diana e principalmente com J’onn J’onzz (LJA: Ano Um captura um desses momentos com perfeição).

Infelizmente David Brenner (um dos dos que mais ajudaram a estragar BvS) ainda está no time de edição aqui, mas desta feita não vem sozinho. Richard Pearson (A Supremacia BourneHomem de Ferro 2) e Martin Walsh (V de VingançaMulher-Maravilha) também assinam a produção e ajudam a corrigir os erros primários cometidos em A Origem da Justiça, tirando a sensação de que faltam pedaços do filme ou que a passagem entre uma cena e outra não nos transportou para uma outra sala, em outra época, onde outro filme estava sendo exibido. Há um senso de unidade narrativa em LJ que se faz ver até em blocos mais complicados de sequenciar, como o flashback para a luta de homens, semideuses, atlantes, amazonas (início da era de Deuses e Mortais) e a Tropa dos Lanternas Verdes [que emoção!] contra Steppenwolf, em sua primeira vinda à Terra. É possível até sorrir para a indicação que o roteiro faz entre a era de diferentes deuses… no início, dentro da Era Mitológica e na atualidade, dentro da Era da Negação, onde Superman, Batman e Mulher-Maravilha assumem referências milagrosas/religiosas (eles não são chamados de Trindade porque os editores não queriam chamá-los de trio ou tríade… a referência flerta propositalmente com o Cristianismo e todo mundo sabe o quanto Snyder gosta dessas representações, basta lembrar o quanto ele esfregou isso na nossa cara ao desenvolver o Dr. Manhattan em Watchmen – O Filme), fazendo “milagres” e sendo temidos, desacreditados, odiados ou idolatrados.

Embora apressado no final e novamente carente de maior espaço para uma interação entre os personagens, o filme assume um nível de grandeza, nostalgia e retomada da esperança que nos faz diminuir o peso dado à falta de contexto. Danny Elfman — que infelizmente substituiu Junkie XL quando Whedon chegou — reservou suas influências operísticas para a luta contra o Lobo da Estepe (vilão situacional, desenvolvido de maneira medíocre, mas que pelo menos mantém coerente as suas ações como um Novo Deus de Apokolips, exceto pela forma como é vencido) e sua tendência à harmonização romântica para o final, quando a antiga Mansão dos Wayne é destinada por Bruce para ser a Sala da Justiça, uma piscadela para a série Superamigos e para o arco O Rastro do Tornado. Já neste final, a fotografia de Fabian Wagner se mostra mais saturada e menos difusa, fortalecendo as cores dos figurinos e retirando do ambiente a impressão de monocromatismo. Aqui também vale destacar que o céu vermelho visto nos trailers não era um aviso do fotógrafo sobre Ponto de Ignição, era apenas parte da mudança do ambiente causada pela união das Caixas Maternas — o uso de CGI para elas e para Cyborg são alguns dos melhores do filme. Também merece destaque a criação dos Tubos de Explosão, tanto em efeitos quanto em integração visual (cor e textura), uma interpretação muito boa daquilo que vemos nos quadrinhos.

Sob Zack Snyder continuam pesando as críticas de sempre: excesso de slow motion (principalmente nas “corridas” do Flash que parece o “homem mais lento vivo”, não o “mais rápido” — e nesse caso deveriam mesmo ter escalado Grant Gustin para o papel, já que ele sabe tudo sobre ser e não ser “o homem mais lento-rápido-lentíssimo vivo”) e trabalho de decupagem em círculos, começando com uma série de planos interessantes e nada preguiçosos mas aos poucos rendendo-se à facilidade de disposição da câmera, de movimentação — embora aqui haja um uso diferente do espaço pelo diretor, especialmente na sequência onde a Liga luta abaixo do porto — e insistência em dirigir um bloco de “ligação com o público”, aqui, marcado por uma família russa que vivia na área onde estava o reator. Infelizmente Whedon seguiu com a temática e ainda salientou o envolvimento de civis (desnecessário e sem sutileza ou organicidade alguma na integração com a trama central), algo que poderia facilmente ser cortado para dar espaço a coisas mais importantes, como por exemplo, criar uma saída melhor para o vilão ou melhorar a estrutura dos personagens do meio para o final do filme.

Liga da Justiça começa com a canção Everybody Knows, de Leonard Cohen, interpretada por Sigrid. Uma canção de cadência um tanto cínica ao olhar a realidade em que vivemos, mas que expõe de maneira sutil a diferença e os milagres que existem no meio do marasmo e dos padrões que se repetem, seja como tragédia ou como farsa. Nessa linha, o filme consegue muita coisa de sua proposta. A formação da Liga da Justiça no UCDC e a abertura para os filmes individuais, além de uma boa deixa para a continuação. É um filme sobre a cura de uma sociedade vivendo em terror e sem esperança, criando o ambiente perfeito para a tirania. Nesse mundo, faz todo o sentido o aparecimento de um grupo heróis para servir de farol ao mundo. Com uma surpreendente linha cômica (que não é exagerada nem ruim, apenas falha no timing, parecendo trôpega nas falas ou nas situações em que aparecem) e alguns ajustes de estrutura narrativa, o filme diverte, emociona e cuida melhor do seu material fonte, dando a entender que está a caminho de um futuro promissor para a Warner/DC. Assim esperamos todos nós. Por Darkseid!      

Liga da Justiça (Justice League) — EUA, 2017
Roteiro: Zack Snyder
Roteiro: Chris Terrio, Joss Whedon
Elenco: Gal Gadot, Robin Wright, Jason Momoa, Connie Nielsen, Amy Adams, Ben Affleck, Ezra Miller, Amber Heard, Henry Cavill, Diane Lane, Kiersey Clemons, Billy Crudup, J.K. Simmons, Ciarán Hinds, Jeremy Irons, Jesse Eisenberg, Daniel Stisen, Ray Fisher, Erin Eliza Blevins, Joe Morton
Duração: 121 min.

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