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Crítica | Logan (Com Spoilers)

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

  • Leia apenas se já tiver assistido o filme, nossa crítica sem spoilers pode ser acessada aqui. Nosso Entenda Melhor com referências e easter-eggs pode ser lido aqui.

A era dos super-heróis no audiovisual caminha com todas as suas forças, com filmes que, a cada ano, ocupam seu lugar dentre as maiores bilheterias e seriados que, sejam da NetflixFox ou CW, mantém suas audiências praticamente inabaladas. O triste fato, porém, permanece de que há uma preocupação maior em que a obra se encaixe com outras do mesmo universo do que com sua qualidade em si – afinal, seja bom ou ruim, tal produto será consumido de qualquer forma. É o abandono do blockbuster com traços de cinema autoral, a favor de uma estrutura formulaica, pasteurizada, que, infelizmente, reflete e, ao mesmo tempo, influencia os próprios quadrinhos.

Como não olhar para trás e sentir falta de obras realizadas por autores, que apenas queriam nos trazer sua visão de determinado personagem das páginas ilustradas para as telonas? Filmes como Batman BeginsHomem-Aranha ou até mesmo o controverso Homem de Aço não existem mais, foram transformados em apenas peças de grandes quebra-cabeças, sem qualquer esperança de algum dia vermos o quadro completo, visto que, de ano em ano, temos mais obras desses universos cinematográficos anunciadas. Embora ninguém tivesse ideia do que isso se tornaria, foi X-Men: O Filme, lá em 2000, que abriu as comportas para essas produções.

Com isso em mente fica bastante claro o peso que Logan carrega em suas costas: trata-se da despedida de um personagem apresentado há dezessete anos, do mutante que fora o protagonista da primeira adaptação de toda essa nova onda cinematográfica, um personagem que, vivido por Hugh Jackman, vimos evoluir e envelhecer ao longo de todos esses anos. Se olharmos além da magia do cinema, é um resumo de toda a trajetória do ator, que, à época do lançamento do primeiro filme, ainda era inexperiente, com apenas três longas em seu currículo e que, agora, conta com mais de quarenta, incluindo protagonismo em obras de destaque como Os SuspeitosOs Miseráveis. Levando em conta toda essa história, carregada tanto por Wolverine quanto por Jackman, é gratificante enxergar que o terceiro filme solo do personagem assume uma postura mais autoral.

Dito isso, Logan não é para ser encarado como parte de um universo cinematográfico, mais uma entrada nessa mitologia extensa (e confusa) dos mutantes nos cinemas e sim como algo à parte, um longa sobre a despedida de Wolverine como o conhecemos, que, apesar de levar em conta o que veio antes, funciona perfeitamente por si só, requisitando apenas o conhecimento básico da mitologia dos X-Men, que já está mais que encrustado na cultura pop.

A trama se passa em 2029, um futuro no qual os mutantes estão em extinção e os X-Men não mais existem. Logan (Hugh Jackman), cujo fator de cura não funciona mais como antes, trabalha como motorista de limousine, sustenta e cuida de Charles Xavier (Patrick Stewart), que sofre de alguma doença, possivelmente Alzheimer, precisando tomar remédios para controlar seus poderes, que disparam involuntariamente. Ao lado do Carcaju, nessa empreitada, temos Caliban (Stephen Merchant), um dos poucos mutantes que sobraram. Todo esse cenário se altera, contudo, quando uma mulher se aproxima de Wolverine pedindo para que ele leve a menina Laura Kinney (Dafne Keen) para o norte a um lugar conhecido apenas como Utopia. Relutante de início, Logan é deixado sem escolhas quando o grupo de mercenários, liderados por Donald Pierce (Boyd Holbrook), aparece atrás da garota.

A obra desde cedo estabelece um tom melancólico em sua narrativa – de início já vemos o protagonista calejado, envelhecido, com aparência mal-cuidada e repleto de cicatrizes. James Mangold, que também dirigira Wolverine: Imortal, assina o projeto e não tem medo de esconder que essa é uma história para adultos. Existe uma ampla brutalidade e crueza nas sequências de ação, que funcionam para transmitir o tom de urgência do texto e a decadência desse universo. Sob muitos aspectos sentimos como se estivéssemos em um faroeste revisionista, algo reiterado pelas paisagens desérticas que ocupam a maior parte da projeção. Com isso entendemos que, de fato, ninguém está a salvo: Wolverine não é mais aquele mutante invencível, é um homem que, a cada vez que libera suas garras, sentimos sua dor.

Ao mesmo tempo sentimos um forte teor saudosista. Enxergamos esse universo como um futuro distópico melancólico e não podemos deixar de imaginar o que acontecera com os X-Men e os outros dessa raça, que foram extintos repentinamente. Olhar para Logan e Charles Xavier é quase como ver um retrato da derrota, de um sonho quebrado. Laura serve, portanto, como uma nova esperança, é o novo tomando lugar do velho, que deve deixar de existir. Vemos nela, com clareza, um Wolverine mais novo, inexperiente e cheio de ira e o seu silêncio constante perfeitamente reflete a disposição do Carcaju no primeiro longa-metragem da franquia. Ao mesmo tempo, assistimos o protagonista lutando para cumprir esse papel de pai, algo que, de forma alguma, é forçado na narrativa e que realmente se concretiza apenas no desfecho com a marcante frase “não seja aquilo que te fizeram”.

A beleza do roteiro de Logan está nesses pequenos detalhes, na maneira como ele cria uma história mais realista, com uma genuína sensação de perda. Em momento algum ele se preocupa em ser didático, não faz uso de cartelas ou voz em off para nos preparar para esse futuro, ele vai nos passando cada informação que precisamos saber através de seus diálogos e não perde tempo nos oferecendo as causas de tudo aquilo. Em momento algum descobrimos a doença de Xavier, o alzheimer é apenas deixado no ar através de Zander Rice (Richard E. Grant), que também é o aparente culpado pelo desaparecimento dos mutantes, fato que, também, não entendemos como aconteceu e, de fato, não precisamos saber. O foco aqui é Wolverine, algo deixado bem claro pelo título – essa é a sua jornada final.

 Nesse road-movie é interessante observar como a fórmula do filme de super-heróis é alterada. Não se trata de um filme de ação com sequências dramáticas e sim um filme de drama com sequências de ação. Dito isso, fica fácil enxergar como cada cena de combate traz um peso a mais. Somado à direção de Mangold, que dispensa câmeras tremidas e infinitos cortes, ganhamos uma ação verdadeiramente engajante. Não se trata mais dos velhos embates entre mocinhos e vilões e sim uma verdadeira luta pela sobrevivência, cada uma delas com muito a se perder, algo que podemos perceber claramente na cena do hotel em Las Vegas, com Xavier prestes a ser morto e, posteriormente, na casa na estrada, que nos proporciona o adeus do professor.

Nesse quesito, o trio de roteiristas formado por Scott Frank, James Mangold e Michael Green não se preocupa em fornecer uma longa cena dramática para a morte de Charles – eles sabem que o peso de tal acontecimento é inerente aos anos que acompanhamos o personagem nas telas. O texto cria a angústia de maneira não tão óbvia, tira de tela Charles por um tempo e não sabemos ao certo qual será o seu destino, por mais óbvio que ele seja. A despedida entre ele e Logan ocorre, então, de maneira curta e simples, demonstrando a confiança no trabalho dos dois atores, que realmente soam como dois velhos amigos.

Verdadeiramente, tanto Jackman quanto Stewart não decepcionam em momento algum. O primeiro nos entrega seu melhor trabalho desde Os Suspeitos, trazendo um verdadeiro retrato de alguém cansado, que deseja morrer, mas não pode, pois tem de cuidar do homem que o acolhera há tantos anos. A cada vez que suas garras aparecem sentimos a sua relutância, o quanto aquilo o machuca e ele utiliza de sua raiva para contornar esse fator. Cada grito do ator soa como alguém deixando toda sua dor extravasar, nos proporcionando com o personagem de quadrinhos mais humano já visto em tela, rivalizando apenas com os filmes do Batman de Christopher Nolan.

Stewart, por sua vez, é uma figura triste de se enxergar, é a perfeita imagem do senhor brilhante cujos anos o alcançaram. Mesmo que o texto não se preocupe em ser didático, sua condição é real a qualquer instantes. Vemos no seu olhar o homem que luta contra sua própria mente, sua forma de falar denuncia seu cansaço e sua sensação de impotência naquela situação. Ao mesmo tempo, ele funciona como o necessário alívio cômico, soltando o verbo sempre que necessário. Os poucos elementos de comédia que vemos no filme são bem encaixados e a ironia presente na maior parte deles funciona como o clássico ” rir para não chorar”, de personagens que viram o mundo ao seu redor desabar. Não há como não olhar para Xavier e lembrar do seu passado, sua tentativa de tornar o mundo um lugar melhor para aqueles de sua raça.

A estreante Dafne Keen também não decepciona, nos proporcionando com uma performance que verdadeiramente capta a essência da jovem que viveu confinada e submetida a experimentos durante toda a sua vida. Seu silêncio reflete, evidentemente, a desconfiança em relação aos outros e quando, enfim, fala já estamos em um ponto no qual ela se sente mais a vontade com os personagens à sua volta, ao passo que lentamente passa a enxergar Logan como seu pai, fato que se consuma no desfecho, com ela chegando a chamá-lo assim. As sequências de ação envolvendo a personagem ainda conseguem ser especialmente devastadoras, afinal, ninguém esperava ver uma criança sendo atravessada por um arpão. O melhor é que estamos falando de um teor de violência justificado, que corrobora o fato dos vilões a enxergarem apenas como um experimento e não uma criança.

E já nesse ponto, Boyd Holbrook, mais conhecido pelo seu papel como o agente Murphy da série Narcos, nos entrega um antagonista bastante diferente do que estamos acostumados. Embora Rice seja o verdadeiro vilão da história, é Pierce que funciona como o principal antagonista da obra, perseguindo o protagonista do início ao derradeiro fim. Ele é falho e humano a tal ponto que conseguimos enxergá-lo como o homem que faz tudo pelo dinheiro, a justificativa do que faz está aí e não precisamos de nada além disso. Em seus diálogos ainda está presente o velho preconceito em relação aos mutantes, com ele se considerando parte dos “mocinhos”, por mais que esteja atrás de uma criança.

O clone de Wolverine, por sua vez, que vem como uma surpresa no meio do filme funciona a fim de criar o paralelo entre o passado e presente do Carcaju. Nele vemos a Arma-X, o ser descontrolado de outrora, que fora “domado” pelos ensinamentos de Xavier. É o Logan que não fez parte dos X-Men, um instrumento apenas. A morte do protagonista pelas mãos de sua cópia significa, portanto, muito mais que ” apenas o Wolverine pode matar ele próprio”, se trata de uma pessoa tendo de encarar seu passado e, embora ele acabe morrendo, ele sai vitorioso, plantando a semente do futuro, que é Laura. Sua fala final para a menina, “so that’s what it feels like” (ahh, então essa é a sensação, em tradução livre) reflete o abandono de sua vida violenta, a favor de uma verdadeira família, dialogando com o que Xavier havia dito anteriormente para ele, sobre aproveitar a vida em uma casa, com pessoas que se amam. Ao mesmo tempo, podemos interpretar sua frase final como ele, enfim, conhecendo a morte, algo tão distante em virtude de seu fator de cura.

O desfecho em si da obra, que felizmente dispensa qualquer cena pós-créditos, condiz idealmente com a própria premissa da obra. Esta é uma história sobre Logan, o Wolverine e acaba com seu enterro, que, não por acaso, ocorre próximo de onde ele nascera, no Canadá. O roteiro sabiamente não nos entrega um epílogo, com Laura e as outras crianças chegando ao seu destino final, não cabe à narrativa aqui apresentada – a semente do futuro, como dito antes, já foi plantada e isso é história para uma possível próxima obra. Ao terminar exatamente ali, o filme se estabelece como a história de um homem enfrentando seu passado e, enfim, se tornando parte desse mundo que, por tanto tempo, o colocou à margem da sociedade.

Logan é, portanto, uma bela despedida a personagens que acompanhamos desde o ano 2000, uma homenagem a Hugh Jackman e seu Wolverine, que nos cativou ao longo dos anos e apresentou claros sinais de evolução. Ao dispensar fórmulas e nos entregar um filme mais autoral, ainda que um blockbuster, James Mangold nos oferece uma obra que funciona perfeitamente por conta própria, sem precisar estar inclusa em um extenso universo, recheado de referências e cenas desconexas. Temos aqui um filme dramático com personagens de quadrinhos e não um longa-metragem de personagens de quadrinhos. Definitivamente uma das melhores adaptações das páginas ilustradas, que abandona a pasteurização a favor de algo que realmente consegue nos envolver.

Logan — EUA, 2017
Direção: James Mangold
Roteiro: James Mangold, Michael Green, Scott Frank
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Boyd Holbrook, Stephan Merchant, Dafne Keen, Elizabeth Rodriguez, Richard E. Grant
Duração: 135 min.

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