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Crítica | Lola (1981)

por Luiz Santiago
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Dando um passo adiante na Trilogia da Alemanha Ocidental, Fassbinder dirigiu Lola em 1981, trazendo todas as referências possíveis de O Anjo Azul (1930) e revolucionando todas as lições aprendidas com Douglas Sirk e Max Ophüls ao longo de sua carreira. Também é importante lembrar que apesar der ser, cronologicamente, o segundo filme da trilogia, Lola é a obra que a encerra tematicamente.

Logo na abertura, temos uma foto preto e branco de Konrad Adenauer, Chanceler da Alemanha Ocidental de 1949 a 1963, o político-coluna do chamado “grande milagre econômico”, bem-estar e equilíbrio social da nação após a Segunda Guerra. Assim como fizera em O Casamento de Maria Braun, Fassbinder não cria apenas uma história sobre personagens tentando obter lucro e poder. Ele faz uma sátira política em várias camadas colocando o chefe da nação como um dos alvos, mas tendo a prudência de não apontar o dedo e empurrar regras ou discursos moralistas e ideológicos sobre as ações deste governante ou dos “pequenos peões” que não são tão pequenos assim.

As estranhas bases nas quais o novo país se estruturava podem ser vistas na figura do empreiteiro Schukert, do prefeito Volker, ou das mulheres do prostíbulo que serviam de ligação entre esses poderosos locais e os benefícios do governo, personagens como Lola e Gigi, cada uma com um nível de domínio sobre esses homens e importância dramática na história. Como é frequente nos roteiros de Fassbinder, as mulheres compartilham e disputam o poder social com parceiros, familiares ou inimigos do sexo oposto, muitas vezes colocadas como “aquelas que os levam à loucura”. Todavia, antes que se crie alguma nomenclatura negativa para o diretor, é bom relembrar que em sua Fase Histórica (Bolwieser – A Mulher do Chefe de Estação e O Desespero de Veronika Voss, para ser mais preciso), as mulheres representavam a Alemanha, enquanto os homens, toda a sorte de bandidos e corruptos que tentavam sugar do país o máximo que ele tinha para dar. Percebam a imediata dupla leitura que é necessário ter para que se entenda melhor uma obra como Lola. Todos são pecadores e possuem algum nível de culpa para dar conta.

Em Lola, o espectador vê a relação entre vida pública e vida privada e como essa relação interfere nos projetos sociais. Em paralelo, também se vê um indivíduo “incorruptível” ceder aos caprichos das “boas famílias” locais e daqueles que enriqueciam ilicitamente e logram manter os privilégios frente ao Estado. Pior: tudo feito na maior legalidade ilegal possível, sem que os cidadãos mais politizados — normalmente ridicularizados por se manifestarem contra essa ordem social — consigam fazer algo para barrar o avanço de “corvos”, “abutres”, “raposas” e “aves de rapina” que sempre estiveram no topo e, pelo menos na conclusão do diretor, sempre estarão. O motivo? Eles se adaptam mais rápido que qualquer outro tipo de pessoa e conseguem cooptar de forma surpreendentemente fácil qualquer grande ameaça em potencial. Ou isso, ou controlam os meios de comunicação para que aquilo que fazem seja noticiado de outra forma. Uma realidade que se conhece muitíssimo bem hoje em dia.

A escolha de Xaver Schwarzenberger para a fotografia desse filme demarca um curioso estado onírico para os eventos. Há um aspecto geral de livro infantil com musical da MGM e forte saturação de cores primárias, especialmente vermelho e azul. A imaturidade dos personagens que amam, a quase ridícula facilidade com que os criminosos conseguem se safar de seus crimes fiscais e o insano gerenciamento da máquina do Estado são imersos nesse ambiente quase irreal, quase uma brincadeira estética que recebe feixes de luz em planos fechados, com tiras nos olhos e imersão completa de alguns quadros no sonho de uma realidade aparentemente limpa, mas que apodrece nos bastidores. É como se o diretor e o fotógrafo fizessem aqui uma negação do próprio tema, suavizando-o para torná-lo mais compreensível e simpático, exatamente como vemos a mídia fazer com casos que deveriam nos parecer grotescos mas que, para alguns, são explicados em legenda rosa, justificados por circunstâncias atenuantes que mais dia menos dia os deixarão escapar. Prestem atenção como o filme se conclui e comprovem isso.

Fassbinder mais uma vez acerta em cheio na direção (a dramaturgia de seus filmes sempre deixa o espectador de queixo caído, principalmente depois das mudanças estilísticas que ele empreendeu depois de Precauções Diante de uma Prostituta Santa) e Peer Raben na composição da trilha sonora, um duo que faz de Lola uma sátira política, humana e amorosa impossível de ver um só vez.

Lola (1981)
Direção: Rainer Werner Fassbinder
Roteiro: Rainer Werner Fassbinder, Pea Fröhlich, Peter Märthesheimer
Elenco: Barbara Sukowa, Armin Mueller-Stahl, Mario Adorf, Matthias Fuchs, Helga Feddersen, Karin Baal, Ivan Desny, Elisabeth Volkmann, Hark Bohm, Karl-Heinz von Hassel, Rosel Zech, Sonja Neudorfer, Christine Kaufmann, Y Sa Lo, Günther Kaufmann
Duração: 113 min.

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