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Crítica | Louca Escapada

por Luiz Santiago
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Se descontarmos o misterioso, inacessível e parcialmente perdido Firelight (1964), Louca Escapada, realizado dez anos depois, pode ser considerado, de fato, o primeiro longa-metragem de Steven Spielberg feito para o cinema. O diretor já tinha passado por curtas-metragens, episódios de TV e três telefilmes, o excelente Encurralado (1971), o tenebroso A Força do Mal (1972) e aquele que Spielberg sempre quis esquecer porque foi forçado a dirigir, Savage (1973). Com grande habilidade retórica e de convencimento, além de ter coragem de se encontrar com produtores e pedir a chance de assumir um projeto, o jovem Spielberg ganhou a confiança de Richard D. Zanuck e David Brown, que em parceria com a Universal Pictures, produziram Louca Escapada.

O roteiro, escrito por Hal Barwood e Matthew Robbins, com participação de Spielberg na concepção geral da trama, é baseado na história real de um policial sequestrado no Texas, evento de perseguição que nas mãos do iniciante diretor ganhou uma dimensão espetacular, passando-se ao longo de alguns dias e colocando na cola de Lou (Goldie Hawn) e Clovis (William Atherton) uma grande quantidade de viaturas, oferecendo ao público variações daquilo que à primeira vista parecia apenas uma versão mais cômica de Encurralado.

Na primeira parte do filme, o diretor estabelece os personagens e os coloca na estrada, oferecendo dois alívios cômicos que não combinam muito bem com a película. O primeiro, os pais de um amigo de Clovis na pré-soltura, que além de permanecerem com um final solto, voltam uma segunda vez para absolutamente nada, atrapalhando aquele momento da obra com um tipo de incursão cômica que não era a cara do filme, especialmente pela repetição da cena. A segunda, com um senhor bêbado que vemos na viatura de Slide (Michael Sacks), o policial-pivô de toda a perseguição. Exceto o já citado momento de comicidade forçada, o humor no filme é muito bem construído através da tensão — mistura interessantíssima para um roteiro simples e que exige tremendamente da capacidade do diretor em tornar essa jornada interessante para o espectador, por quase duas horas — e segue mais ou menos uma linha de montanha-russa de emoções, indo da pura ameaça para um tipo amigável de relação entre Slide e seus sequestradores.

Talvez não seja adequado falar de uma “Síndrome de Estocolmo” afetando o policial, porque a forma como o roteiro explora a relação do trio não indica esse tipo de comportamento. Momentos como a clara percepção do Capitão Tanner (Ben Johnson) de que eles eram “apenas crianças” e a própria noção de Slide para o que estava acontecendo com ele, ao final, resumida na frase: “ele tomou minha arma mas não ia usar!” mostra que, a despeito do stress causado e do crime em andamento, não havia, de fato, uma ameaça ali. E este é um ponto interessante de se destacar, porque traz algo a que nos acostumaríamos bastante no futuro, tendo personagens de Spielberg com muito mais camadas do que parecem ter de início. Some-se a isso uma direção eficiente, com composições difíceis de se esquecer (uma das mais lembradas é a tomada de dentro do carro do Capitão, onde vemos os olhos dele pelo espelho e, no mesmo plano, mas em segunda camada, os três personagens do carro à frente) em uma paisagem cheia de planícies, fotografada com bastante naturalidade e destacando o uso das câmeras Panavision Panaflex para sequências de maiores movimentações.

Ao mesmo tempo que exibe cenas desnecessárias como a dos dois policiais de carro verde; como a incongruente fechada que um outro policial tenta fazer no carro dos sequestradores e acaba engavetando os colegas; e um pouco pela cena dos “reservas” que mais parecem arruaceiros com uma arma que acerta tudo menos o alvo (admito: a sequência é engraçada, mas se finaliza de modo pouco interessante), o roteiro de Louca Escapada nos dá, além de boa ação, perseguição e administração de situações-limite, momentos de imensa introspecção e até ternura, como a que temos na exibição do desenho do Coite, nos curtas Beep, Beep (1952) e Whoa, Be-Gone! (1958), que acabam servindo de metáfora para a própria situação dos personagens, algo que Clovis percebe em algum momento e a atuação de William Atherton ganha ainda mais brilho, pela passagem de um estado de felicidade para o de preocupação e tristeza em tão pouco tempo e de maneira tão bela.

A música de John Williams, em sua primeira parceria com Spielberg, é a cereja do bolo. Utilizada de maneira inteligente no filme, ela traz motivos instrumentais típicos do Texas, fazendo uso da gaita como instrumento principal e adicionando apenas duas excelentes quebras desse padrão no decorrer da fita, uma em forma de marcha de ataque, criando um suspense centrado em percussão e sopros, que é uma das marcas do compositor; e outra com a fanfarra de recepção para os sequestradores, um dos momentos mais insanos da obra.

Divertido e tenso, Louca Escapada foi a prova que faltava para que os estúdios e os produtores de Hollywood percebessem que o jovem Spielberg não estava para brincadeira. Ele ainda começava nos longas, mas tinha um domínio de técnicas e um conhecimento tão grande como se já estivesse na indústria há muito mais tempo. E qualquer dúvida que ainda restasse nas mentes pequenas seria abocanhada pelo arrasa-quarteirão que o diretor assinaria no ano seguinte.

Louca Escapada (The Sugarland Express) — EUA, 1974
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Hal Barwood, Matthew Robbins, Steven Spielberg
Elenco: Goldie Hawn, Ben Johnson, Michael Sacks, William Atherton, Gregory Walcott, Steve Kanaly, Louise Latham, Harrison Zanuck, A.L. Camp, Jessie Lee Fulton, Dean Smith, Ted Grossman, Bill Thurman, Kenneth Hudgins, Buster Daniels
Duração: 110 min.

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