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Crítica | Lucifer – 1X01: Piloto

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Obs: Há potenciais spoilers. Leia as críticas dos demais episódios, aqui.

Acho que vale um aviso aos que conhecem o personagem Lúcifer Morningstar dos quadrinhos desde Sandman, de Neil Gaiman, quando ele foi introduzido como coadjuvante em 1989, ganhando uma minissérie spin-off por Mike Carey e, depois, uma série solo de 76 números também por Mike Carey: a adaptação feita pela Fox é livre, bem livre ao ponto de ser mais uma inspiração do que qualquer coisa. Há vários elementos que estão nos quadrinhos, mas o espírito cômico da série de TV e os aspectos de procedural afastam o personagem de sua contrapartida dos quadrinhos.

Ajustaram suas expectativas? Pois bem.

Lucifer é uma estranha aposta de adaptação de quadrinhos da Fox, considerando a quantidade de outros personagens mais conhecidos que estão disponíveis por aí. Além disso, o material fonte não é muito afeito à televisão aberta, já que o mero fato de o personagem principal ser o diabo (não um demônio menor ou algo do gênero, mas sim o anjo caído em pessoa) é suficiente para afastar muita gente, vide as reclamações, em meados de 2015, da Associação Família Americana, que obviamente sem ter muito o que fazer, manifestou preocupação com a influência negativa que uma série de TV que “glorifica Satã” teria sobre as pessoas, chegando a azer um petição online que angariou milhares de assinaturas e que merece toda nossa atenção (SQN…).

Mesmo assim, a Fox foi em frente e o resultado, confesso, me surpreendeu. Esperava detestar a série e assisti ao piloto com esse espírito destruidor de quem sabia que veria uma versão aguada e sem graça do personagem dos quadrinhos. E, ainda que haja potenciais problemas com base na trama inicial – e julgar uma série só pelo piloto é difícil e possivelmente injusto – o trabalho de roteiro de Tom Kapinos, responsável pelo desenvolvimento da série e a atuação de Tom Ellis como o personagem título me deixaram esperançosos.

Quando a série começa, a situação padrão já está estabelecida: Lúcifer (Ellis) se cansou de reinar no inferno e resolveu abrir uma boate em Los Angeles chamada Lux (obviamente), tendo como braço direito Mazikeen (Lesley-Ann Brandt), líder dos Lilim, uma raça de demônios descendente de Lilith (a “demônia” por excelência originalmente da mitologia judaica). Vivendo como o diabo gosta (he, he, he), a história começa quando uma jovem que Lúcifer ajudara volta a procurá-lo é morta em seus braços. Na tentativa de descobrir quem a matou e fazer o culpado sofrer no fogo do inferno, ele acaba se tornando uma espécie de parceiro de Chloe Decker (Lauren German), a detetive designada ao caso.

Antes que o leitor role os olhos para essa estrutura mais do que óbvia e incrivelmente batida, vale destacar que, apesar de ser material para a TV aberta, há diversas sequências que são diabolicamente (yep, fiz novamente…) risqué, tanto no aspecto sexual, que é fortemente saliente, como em momentos para lá de politicamente incorretos, como quando Lúcifer revela sua natureza para uma criança má. Em outras palavras, o roteiro não se furtou em trazer para a série um pouco do trabalho de Gaiman e, depois, de Carey, ainda que, claro, timidamente. Até mesmo a dinâmica entre Lúcifer e Chloe, em processo de formação daquela dupla padrão de parceiros hesitantes, ganha um tratamento excepcional de Kapinos, com diálogos inteligentes e cheio de duplos significados, alguns mais felizes do que outros. A atmosfera evocada pelo roteirista é de comédia de humor negro com pitadas de elementos sobrenaturais que praticamente se resumem à presença do ameaçador anjo Amenadiel (D.B. Woodside) que tem a missão divina de convencer Lúcifer a voltar a seu posto lá embaixo, em seu reino cheirando a enxofre. A promessa de embates angelicais cheios de efeitos especiais ruins é clara e, francamente, inevitável.

Tom Ellis, ator britânico levemente estrábico e extremamente narigudo, é, porém, o ponto alto do episódio. Ele não só traz um improvável, mas necessário ar de sofisticação ao seu personagem, ar esse amplificado pela fotografia brilhosa de Ryan McMaster, como empresta uma camada cômica que funciona muito bem com os diálogos e tiradas de Kapinos. Seu lado endiabrado (ok, vou parar…) emula quase à perfeição aquele desenho do Pato Donald em que um diabinho e um anjinho se posicionam em cada ombro do personagem, tentando-o a fazer isso ou aquilo. O Lúcifer de Ellis equilibra bem o lado “travesso” e o lado “angelical”, ainda que, claro, sua caracterização como alguém “do bem” se sobressaia no cômputo geral, mas que não parece gratuita ou aleatória, já que o enfoque na “função do diabo” deixa claro que o anjo que desobedeceu Deus não é, ao contrário do que afirma a crença popular, a encarnação do mal.

O problema do episódio repousa mesmo no que ele promete. Ainda que o caso do assassinato investigado pela dupla funcione bem para juntá-los, fato é que essa novidade acabou. O que fica é a provável possibilidade de Joe Henderson, o showrunner, trabalhar uma estrutura de “caso da semana”. É o que é delineado no piloto, ainda que a presença de Amenadiel indique que há uma história maior por trás. Composta de 12 episódios, a primeira temporada tem o número exato de capítulos para que esse caminho não precise ser trilhado. Mas estamos falando de TV aberta, pelo que temos que esperar o pior.

De toda forma, se os roteiros se mantiverem afiados e se Tom Ellis mantiver o frescor de seu personagem, há potencial para muita diversão. É uma questão de gerenciar as expectativas.

Lucifer – 1×01: Piloto (Idem, EUA – 25 de janeiro de 2016)
Desenvolvimento: Tom Kapinos (baseado em personagem criado por Neil Gaiman, Sam Keith e Mike Dringenberg)
Showrunner:  Joe Henderson
Direção: Len Wiseman
Roteiro: Tom Kapinos
Elenco: Tom Ellis, Lauren German, Kevin Alejandro, D.B. Woodside, Lesley-Ann Brandt, Scarlett Estevez, Rachael Harris, AnnaLynne McCord
Duração: 45 min.

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