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Crítica | Lugar Nenhum, de Neil Gaiman

por Pedro Cunha
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Moro em São Paulo, mas nasci no litoral paulista, só tendo me mudado para essa grande cidade após ingressar na faculdade, como outros milhares de jovens que realizam tal “peregrinação”. Nessa jornada o sentimento dos viajantes é quase o mesmo, a partida de uma cidade menor para o ser vivo que é a grande metrópole. Com toda a certeza, Neil Gaiman tinha isso em mente quando criou a série Lugar Nenhum, que foi, posteriormente, adaptada para o famoso romance.

No livro acompanhamos a história de Richard, um jovem completamente passivo, que acabou de se mudar para Londres. Temos aqui um protagonista apático, algo que, logo no começo do romance, Gaiman faz questão de mostrar. Desde já descobrimos que Richard Mayhew não será como os anti-heróis, tão famosos durante a década de noventa, ano de publicação do livro. O autor não dá muito valor a emigração de Richard, nas primeiras páginas o autor já dá um grande salto de tempo em sua narrativa e coloca o protagonista acostumado com o cotidiano da grande cidade de Londres, dedicando, ainda, algumas páginas para mostrar o dia-a-dia do personagem, apresentando seu trabalho, alguns amigos, mas principalmente sua namorada Jéssica.

Então algo acontece, o jovem e sua namorada controladora estão à caminho de um jantar muito importante, até que eles se deparam com um menina caída no chão. O protagonista, que é bom, não tem receio em ajudá-la, mas Jessica, que dava mais valor ao jantar que o namorado, deixa ambos no meio da rua e vai rumo ao que tinha se preparado para fazer. A menina caída no chão se chama Door. Ela, assim como Richard, também mora em Londres, entretanto a cidade da menina é muito diferente da do jovem.

Gaiman nos conta que existe uma Londres de Cima e uma Londres de Baixo. A de cima é a nossa realidade, nela não há nada de diferente, metrô, carros e tudo que um cidade normal possui. Porém, na Londres de Baixo as coisas mudam. Ela apresenta muito mais perigos aos seus moradores, e nela há coisas inimagináveis para qualquer morador da pacata cidade de cima. Também conta que, um morador da de Cima não pode ver um morador de de Baixo, a não ser que a pessoa queira ser vista.

O universo construído pelo autor nos instiga de imediato. Toda a grande cidade realmente parece ter algo a mais daquilo que seus moradores podem ver, há um misticismo escondido, que Gaiman consegue aflorar muito bem em Lugar Nenhum. Tudo isso ainda é coroado com uma analogia muito interessante. No nosso mundo as pessoas invisíveis são, muitas vezes, os moradores de rua. Não é a toa que o escritor coloca os cidadãos da Londres de baixo com roupas estranhas, e por muitas vezes velhas, aos nossos olhos.

Dentro de todos esses perigos da Londres de Baixo conhecemos, Sr. Vandemar e Sr. Croup. Esses que serão os antagonistas de toda a nossa história. Ambos são os assassinos que mataram toda a família de Door e, agora, buscam a menina a fim de matá-la também. Ela se junta com Richard, o Marquês de Carabas e a guarda costas Hunter para ir atrás de uma tarefa dada a por seu pai antes de ser morto.

A trama de Gaiman seria maravilhosa se não fosse por um detalhe, seus personagens. O autor falha em quase todos eles. Comecemos pelo principal, já se viu inúmeras histórias onde o personagem de maior importância faz o papel do fraco e menos informado de todo o grupo. O mais famoso talvez, seja Bilbo (O Hobbit). Ele é um ser diminuto, que vai em busca de algo desconhecido e é com certeza o mais frágil de todos os outros da comitiva. Mas, o Bolseiro nunca deixou de ser um protagonista interessante. Isso se deve à toda jornada do herói. O leitor se encanta com suas reflexões e com seu crescimento durante todo o livro. Em Lugar Nenhum temos um protagonista muito semelhante aos de Hobbit, Harry Potter, Star Wars e muitos outros, entretanto, Richard está longe de ter todo o desenvolvimento que os principais personagens dessas histórias possuem.

Em vez de Gaiman gastar tempo de sua narrativa com reflexões sobre o quanto nós somos soberbos e achamos que o que vivemos é absoluto, quando na verdade existe toda uma outra sociedade bem debaixo do nosso nariz e não somos capazes de se quer olhar para ela, o autor prefere mostrar seu protagonista perplexo com algo completamente insignificante para toda a história. É triste ver que o leitor chega a essa reflexão sozinho no final da trama.

Além de Richard, existem outros personagens que são mal trabalhados durante o livro. Os antagonistas possuem um tempo de comédia muito ruim, não é raro nos depararmos com diálogos sem graça, em momentos que o humor é algo completamente inoportuno. A companheira de Richard, Door, também tem um péssimo desenvolvimento. A única jornada que a menina possui é a da vingança e essa é muito rasa para ser a trama principal de um livro.

Neil Gaiman cria um universo muito interessante, ele consegue desenvolver um mundo dentro de um mito urbano. Elevando à um nível astronômico todos os mistérios que uma grande cidade possui. Esse aspecto chega a ser tão bom que por alguns momentos, esquecemos dos problemas no desenvolvimento de personagens e apenas curtimos aquilo que foi criado. Infelizmente, não é apenas de momentos que o romance é feito, e as falhas de autor ferem o resultado final, fazendo de Lugar Nenhum um livro que parece incompleto.

Neverwhere (Lugar Nenhum) — Inglaterra, 1996
Autor: Neil Gaiman
Publicação original: 1996
Editora original: BBC Books
Editoras no Brasil: Editora Intrínseca
Páginas: 336 páginas.

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