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Crítica | Luzes da Ribalta

por Luiz Santiago
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estrelas 4,5

Luzes da Ribalta se passa em Londres, em 1914, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, mas foi filmado em Hollywood, nos anos 50, em plena ‘caça às bruxas’ do Senador McCarthy. Chaplin vinha sendo observado pelo FBI já a um bom tempo e, em 1952, recebeu o ultimato do Comitê de Atividades Antiamericanas para depor oficialmente e declarar suas atividades e opiniões políticas. No final de toda a novela, o diretor partiria definitivamente dos Estados Unidos, sendo Luzes da Ribalta o seu último no país.

A história do palhaço Calvero (Chaplin) e da bailarina Thereza (Claire Bloom) é de fato o fim de um lado do cinema de Charles Chaplin, o cinema da simplicidade humanista, de forte cunho social e reflexões sobre a vida e as relações humanas. Luzes da Ribalta foi pensado como o seu último filme, o que explica e enaltece ainda mais a cena final, mas o diretor ainda lançaria mais duas obras, já em terras britânicas, espantando toda a comunidade cinematográfica não só porque não as esperavam mas também pelo tom diferente que adotaria nelas – um caminho ainda mais distante daquele seguido em Monsieur Verdoux (1947).

A reflexão que Chaplin faz em Luzes da Ribalta é a de um indivíduo cercado por sombras que crescem a cada dia, tanto dentro quanto fora do mundo diegético. O diretor lembrava de sua vida e da vida de sua família, homenageava os artistas que foram colocados à margem dos palcos por estarem “velhos demais” (interessante constatar que Fellini também faria algo nessa linha em Os Palhaços), discutia a respeito do amor, da dupla vida de um artista e da motivação que dá a todos o impulso para viver e não apenas existir.

Esse tom filosófico faz do roteiro de Luzes da Ribalta um dos filmes mais complexos e profundos do diretor, porque se entrega de fato à reflexão e, em paralelo, a mensagens postas como metáforas, símbolos e alegorias sobre a vida e a arte, colocando em cena a depressão, o desencanto, o prazo de validade da vida artística e a amizade como um ponto de salvação.

Vemos memórias surgirem na tela em um formato interessantíssimo de flashback e os personagens serem afetados por cada um desses momentos artísticos. Alguns deles voltariam, inclusive, em mais de um ponto da fita, ressaltando o caráter nostálgico do próprio Chaplin para com sua vida e obra, algo que ele deixaria igualmente claro na belíssima trilha sonora que compôs para o filme e na forma como guiou os diferentes esquetes e sua ligação com os personagens na tela.

A atmosfera de melancolia e esperança presente em todo o filme deixa o espectador preparado para o tocante final. No jogo de representações, a morte também tem o seu papel e ele pode ser visto como o ponto final de uma fase chapliniana (que veria nascer uma outra, com Um Rei em Nova York e o insosso A Condessa de Hong Kong). A ligação entre palco, tela, ator e personagem acontece e eles se confundem.

A lágrima, o riso e a lembrança de um bom momento da vida ficam no ar e o espectador vê a vida com outros olhos, aqueles mesmos que o amargurado palhaço Calvero queria mostrar para Thereza no início do filme. As luzes se atenuam e nós também nos damos conta de que dançamos o mesmo balé no mesmo palco, sendo, às vezes, o palhaço ou bailarina, vibrando com os sucessos e chorando com os fracassos.

Em seu último filme nos Estados Unidos, Chaplin convidava o público a pensar sobre a vida e entender o seu verdadeiro valor. Luzes da Ribalta é, assim, a obra-convite do cineasta para o mundo real permeado pela arte, onde não só existe o riso mas também a lágrima, a perda, o ganho e o encontro (a presença de Buster Keaton e vários familiares de Chaplin no elenco ressalta esse olhar), elementos que enriquecem e dão valor e significado à vida de qualquer pessoa.

Luzes da Ribalta (Limelight) – EUA, 1952
Direção:
Charles Chaplin
Roteiro: Charles Chaplin
Elenco: Charles Chaplin, Claire Bloom, Nigel Bruce, Buster Keaton, Sydney Chaplin, Norman Lloyd, Andre Eglevsky, Melissa Hayden, Marjorie Bennett, Wheeler Dryden, Barry Bernard
Duração: 137 min.

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