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Crítica | Manto & Adaga – 1X01: First Light e 1X02: Suicide Sprints

por Giba Hoffmann
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Em uma época repleta de séries televisivas baseadas nos quadrinhos do gênero super-heróico, é inevitável que o espectador acabe recorrendo a comparações para decidir quais produções merecem ou não o investimento de seu cada vez mais disputado tempo. Fruto de uma parceria da Marvel com o canal Freeform, Manto & Adaga adiciona o mais novo tentáculo narrativo ao kraken imparável do Universo Cinematográfico Marvel, imediatamente nos fazendo perguntar se devemos nos empolgar diante do novo Demolidor, nos desesperar com a perspectiva de um novo Inumanos ou nos preparar para uma experiência bacana, ainda que morna, como foi com Runaways e com algumas das entradas posteriores da parceria com o Netflix.

Dentre essas comparações, provavelmente a que guarda mais em comum com a nova produção é a também recentemente estreante Runaways. Isso por conta do foco dramático no universo adolescente, o qual embora óbvio para a adaptação de Fugitivos, pode surpreender um pouco no mundo de Manto & Adaga. A trama toma algumas liberdades bem calculadas sobre o material original que, ao menos nessa estreia, parecem ter potencial para render bons frutos.

Na estreia dos quadrinhosBill Mantlo e Ed Hannigan nos apresentaram a dupla já formada, intercalando a narrativa presente com o interessante conto de origem dos personagens. Por sua vez, o episódio piloto First Light já abre deslocando a história de origem dos protagonistas até sua infância, e prossegue alternando entre breves vislumbres do passado e sequências retratando as vidas atuais de Tandy (Olivia Holt) e Tyrone (Aubrey Joseph), após o incidente fatídico de oito anos atrás. Ou seja, o que temos até aqui ainda é uma história de origem, só que contada em dois níveis, e os produtores parecem confiantes em tomar seu tempo para explorar a forma como os protagonistas assumiram as identidades do título.

Construindo a narrativa no entorno de uma sequência inicial que tem sucesso em garantir um impacto dramático convincente e envolvente, ao mesmo tempo em que nos introduz aos nossos protagonistas com subtramas pessoais bem executadas, os dois episódios iniciais já nos dão uma prévia do que esperar da adaptação. A exploração do lado místico dos poderes de Manto e Adaga, sua significância em termos de suas psiques e histórias pessoais e do elo que os une são colocados desde o início a serviço de uma narrativa focada nos personagens, ideia que é promissora e que, a julgar pela forma bem balanceada com que é trabalhada aqui, tem tudo para ser um dos pontos mais fortes da série.

Esse equilíbrio é encontrado na exploração bem dosada de momentos dramáticos, sempre inseridos em um enredo maior que, mesmo sob um ritmo um tanto lento, nunca se deixa estagnar na pura exploração dos sentimentos e das relações interpessoais. Temos sempre algum desenvolvimento empolgante na trama delineando os momentos de drama introspectivo, e esse é o segredo que salva o enredo de cair no melodrama. Desde as primeiras cenas, as narrativas paralelas de Tandy e Tyrone trabalham de maneira interessante os seus mundos e personalidades diferentes, ao mesmo tempo em que ressaltam as temáticas em comum da injustiça, das dificuldades da adolescência e do destino.

Embora este último possa servir de justificativa, ao menos em parte, para a quantidade imensa de coincidências que pipocam por todo o enredo, isso não o desculpa por inteiro de pagar o preço por essas conveniências, com algumas das viradas e twists levemente sabotadas pelo nível de suspensão de descrença que acabam exigindo. Contrabalanceando esse efeito, o roteiro consegue ser bastante dinâmico e engajar o espectador com um jogo constante de quebra de expectativas. Ainda que não seja nada que vire o nosso mundo de pernas para o ar, a trama traz diversos momentos pontuais em que, após nos direcionar para compreender determinada cena de uma certa forma, toma uma virada inesperada e sempre mais empolgante do que o que se apresentava antes.

Esse efeito também dá as caras na caracterização dos personagens, sendo que mesmo aqueles que logo de cara remetem a algum clichê do gênero acabam por revelar um lado inesperado, mantendo nosso interesse constante em um ritmo bem compassado. Vemos isso na caracterização bem acertada de Tandy e Tyrone (que contam aqui com ótimas interpretações de Holt e Joseph), assim como em figuras interessantes do elenco de apoio como Liam (Carl Lundstedt) e Adina (Gloria Reuben). No que diz respeito aos nossos protagonistas, os episódios conseguem trabalhar bem suas individualidades, e fazem uma boa preparação de terreno para nos mostrar as origens e o significado de seu vínculo, o que deve garantir mais peso para o início de sua parceria super-heróica (e do inevitável arco de redenção pelo qual ambos devem passar).

Por outro lado, preocupa um pouco o ritmo assumidamente lento da narrativa, bem como o quanto ela pretende se apoiar nessas peças de personagem como esqueleto do enredo. Assim como em Runaways (que teve uma 1ª temporada inteira com ares de prequel), a estrutura aqui remonta ao clássico televisivo Heroes, trazendo os méritos e os perigos de investir em uma narrativa super-heróica pé-no-chão e focada em personagens eternamente presos em suas histórias de origem. Não é por menos que o criador e principal produtor da série, Joe Pokaski, possui um histórico de produção no falecido universo da NBC. Felizmente, seus créditos de roteiro por lá incluem alguns dos melhores episódios da série (Cautionary Tales!), nos quais o foco na caracterização conseguiu ornar bem com o desenvolvimento (sempre a passos de formiga) do enredo.

Finalizando, vale ressaltar outro ponto em comum com Runaways, que é o uso de músicas incidentais na narrativa. Ainda mais frequente do que na série do Hulu, as sequências musicais por vezes funcionam,  mas conforme vão se amontoando umas sobre as outras — algo que é facilitado dada a semelhança dos temas entre si —, acabam se tornando um tanto redundantes, gritando temas que já funcionavam de forma menos explícita ou mesmo chegando ao ponto de truncar a narrativa, como acontece com a apresentação bizarra da detetive Brigid O’Reilly (Emma Lahana), que se dá inteira por forma de cenas sem diálogo, para abrir espaço para a música de ambientação emocional. Essa é, felizmente, a única frente em que a produção flerta com o dramalhão, mas é certo que a coisa fluiria melhor pela próprias pernas, sem a necessidade da dica musical nos informando o que devemos sentir em determinado momento!

First Light Suicide Sprints funcionam juntos como uma introdução muito boa para Manto & Adaga. Trazendo elementos essenciais da mitologia e do setting da dupla (aliás, pontos para a escolha por Nova Orleans!) e combinando-os com adições bem calculadas para expandir o conceito para o formato televisivo, a produção explora bem a versão adolescente dos personagens sem perder de vista nem os aspectos temáticos pedregosos de suas histórias, nem o que há de único do conceito da dupla e de seu elo pessoal.

Manto & Adaga (Cloak & Dagger) – 1X01: First Light e 1X02: Suicide Sprints — EUA, 7 de junho de 2018
Criador: Joe Pokaski
Direção: Gina Prince-Bythewood (1X01), Alex Garcia Lopez (1X02)
Roteiro: Joe Pokaski (baseado nos quadrinhos de Bill Mantlo, Ed Hannigan, Rick Leonardi)
Elenco: Olivia Holt, Aubrey Joseph, Gloria Reuben, Andrea Roth, J. D. Evermore, James Saito, Noëlle Renée Bercy, Jim Klock, Miles Mussenden, Carl Lundstedt, Emma Lahana, Jaime Zevallos
Duração: 49 min. (cada)

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