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Crítica | Maria Antonieta (2006)

por Guilherme Coral
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estrelas 4

O terceiro longa-metragem de Sofia Coppola e primeiro drama histórico – o segundo sendo o lançamento O Estranho que Nós Amamos –, de forma alguma deve ter sua veracidade histórica levada em consideração. Não somente a diretoria não intencionava realizar um filme historicamente fiel, como cobrar tal característica de um longa de ficção seria, no mínimo, um erro, visto que não há qualquer obrigatoriedade de um filme seguir tal linha narrativa. Por outro lado, Maria Antonieta pode ser encarado como uma mistura de estilo e desmistificação, uma grande desconstrução da infame rainha francesa, que encontrou seu fim na guilhotina da Revolução.

Com o foco estabelecido exclusivamente em sua protagonista, a própria Maria Antonieta (Kirsten Dunst), a trama nos leva em uma jornada iniciada ainda na Áustria, com a jovem nobre deixando sua terra natal a fim de se casar com Luís Augusto (Jason Schwartzman), futuro rei Luís XVI. A história, portanto, nos mostra a vida da garota nesse período, tendo de se habituar com os costumes da corte francesa, tão diferente daquela de Viena, passando pelo seu período de gastos astronômicos como rainha, até a queda de Versalhes, durante a Revolução Francesa.

Logo de imediato podemos enxergar o compromisso maior de Sofia Coppola com a estética de sua obra do que com a fidelidade histórica em si. Os créditos iniciais, ao som de uma música muito à frente do tempo retratado, transmitem um ar de estranhamento, o que apenas é aumentado pelas letras em rosa-choque que pipocam na tela, interrompidas por um breve plano da rainha em um divã. Esse estranhamento inicial, porém, logo dá lugar a uma certa familiaridade, com Coppola mascarando esse drama de época com pinceladas contemporâneas, as quais permitem que nos relacionemos com extrema facilidade com a protagonista.

Não nos vem como grande surpresa, portanto, a identificação imediata com a personagem principal, claramente fora de seu lugar no primeiro terço do longa-metragem. O desconforto de Antonieta é evidente e a diretora/ roteirista ironiza todos os costumes da corte francesa através de algumas ágeis sequências de montagem, acompanhadas de música clássica em tons mais alegres, isso sem falar, é claro, nas próprias expressões da personagem central, tão evidentemente sarcástica e cansada daquilo tudo. O curioso é ver como essa identificação vai se dissolvendo conforme a protagonista transforma-se ao longo da narrativa – aquela menina fora de seu lugar torna-se o símbolo da luxúria, com gastos absurdos enquanto o povo francês passa fome.

O importante é observar como Coppola, aos poucos, pontua informações sobre a atual situação do país, guardando a obviedade da crise para o clímax, resguardando, portanto, dessa forma, o maior impacto para o momento certo. Durante todo esse processo, não enxergamos qualquer vilanização dos personagens, Antonieta ou Luís XVI não são cruéis ou loucos (o rei apenas excêntrico), são simplesmente pessoas claramente impróprias para o cargo que ocupam, como muito bem é dito pelo próprio monarca enquanto esse assume seu dever: “Senhor, nos guie e proteja. Somos jovens demais para reinar.” Dessa maneira, a diretora não faz da coroação algo glorioso, transformando a coroa em um verdadeiro fardo a ser carregado.

Tal questão, claro, já é trabalhada com cuidado durante toda a primeira metade da projeção, a qual foca praticamente nas responsabilidades a serem cumpridas e observadas por Antonieta. O roteiro de Coppola, claro, poderia encurtar todo o drama envolvendo a falta de vontade de Luís em ter relações sexuais, por mais que tal questão resuma tudo o que é esperado tanto da futura rainha quanto do rei – claro que especialmente da mulher, visto que é colocada nela a responsabilidade de gerar interesse sexual no marido. Kirsten Dunst, naturalmente, rouba qualquer cena e ameniza tal deslize do texto, mas não consegue apagá-lo por completo.

Tal questão, enquanto torna toda a projeção mais dilatada do que deveria, mas não ao ponto de quebrar nossa imersão de forma catastrófica, evidencia a estrutura narrativa construída por Coppola, visto que a segunda metade de sua obra mostra justamente o contrário da primeira: o abandono completo das responsabilidades. Os cenários, outrora retratados com apenas a protagonista em quadro, com perfeita simetria, a fim de explicitar seu sentimento de solidão, passam a ser preenchidos por personagens e outras extravagâncias, incluindo, é claro, os vestidos e penteados da rainha.

E já que falamos disso, é impossível assistir Maria Antonieta sem se deixar levar pelas obras de arte criadas pelos figurinistas e estilistas de cabelo. Somado ao excelente design de produção, com a maioria do filme tendo sido filmada no próprio Palácio de Versalhes, tais aspectos efetivamente nos transportam no tempo, além de, é claro, representarem todo exagero da corte, seja nas suas burocráticas e absurdas tradições, seja nos próprios gastos excessivos, que transformam essa obra em um relato bastante desconfortante.

O que Sofia Coppola faz em Maria Antonieta, portanto, é construir e desconstruir a figura da infame rainha da França, estabelecendo uma narrativa que brinca com aspectos contemporâneos a fim de nos aproximar com a protagonista, enquanto que a transforma, diante de nossos olhos, a tal ponto que deixamos de a reconhecer. Embora se arraste em determinados pontos, temos aqui um drama histórico que se diferencia de todas as outras obras do gênero, com Coppola imprimindo, com toda a força, sua identidade na narrativa.

Maria Antonieta (Marie Antoinette) — EUA/ França, 2006
Direção:
Sofia Coppola
Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Rip Torn, Judy Davis, Rip Torn, Rose Byrne, Shirley Henderson,  Danny Huston, Marianne Faithfull, Jamie Dornan, Tom Hardy
Duração: 123 min.

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