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Crítica | Mate-me Por Favor

Um filme sobre a nossa atual juventude, uma geração de mortos-vivos.

por Leonardo Campos
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Eis um filme de 2015 que nos revela, com antecipação, o tom desconfortante e mórbido do que se tornou a juventude brasileira atual, sem grandes perspectivas para o futuro, a caminhar por um terreno pavimentado por políticas públicas e representação governamental desastrosa, ainda mais atrasada e destruída com o advento da pandemia que nos acompanha desde 2020. Mate-Me Por Favor, dirigido e escrito por Ana Rocha da Silveira, é uma narrativa sobre um passado bem recente, mas que ao menos, em minha análise, funciona como um olhar para o que tem acontecido no presente, uma era desesperançosa para as gerações que definirão os nossos próximos passos enquanto nação. Construída por diálogos ácidos e ritmo que não atende aos ditames da ficção embalada para consumo rápido, a produção é um retrato mordaz sobre os nossos jovens e seus relacionamentos, numa história cheia de nuances ao abordar violência, sexualidade, repressões de tipos variados, dentre outros tantos tópicos temáticos desoladores.

O foco do enredo é Bia, interpretada com frieza e marasmo propositais por Valentina Herzage, uma jovem que passa por uma experiência de quase morte e se torna figura mórbida, curiosa diante de uma misteriosa onda de assassinatos que parecem representar a sua perspectiva de vida e a se certificar, cotidianamente, sobre o status de se permanecer viva. Na trama, mortes sem uma explicação mais detida começam a assolar o Rio de Janeiro, capital conhecida por sua agitação cosmopolitana, local de azaração, praias, vida noturna agitada e outros prazeres do diletantismo. No entanto, aqui, a capital serve como espaço para acontecimentos mórbidos, atmosfera que transforma não apenas a vida da protagonista, mas a trajetória dos demais jovens que gravitam em torno de sua existência. Moradora da Barra da Tijuca, Bia experimenta novas sensações depois da situação mencionada anteriormente, numa busca por emoções que demonstram o quão vazia e banal se tornou o modo de vida representado ao longo dos 104 minutos de narrativa.

Nesta onda de crimes nada convencionais, a pessoa responsável pelos assassinatos despeja o corpo das suas vítimas num terreno baldio, cadáveres desprovidos de significado depois que todo e qualquer resquício de vida foi aniquilado, simbologia para a geração aparentemente zumbi que dorme e acorda todos os dias sem encontrar perspectiva alguma, apáticos, envoltos num panorama que emula as desilusões do presente com a falta de crença num futuro melhor. Mate-Me Por Favor, caro leitor, é pura pulsão de morte. O ensolarado território carioca, quase um personagem, é destituído de qualquer vivacidade, repleto de sombras e habitado por famílias decadentes, sem adultos que funcione como um referencial para permitir a possibilidade de alguma melhora, um espelhamento que seja o mínimo sopro de esperança. Sem uma mensagem exata, ao menos em minha percepção individual, e por isto, limitada, a produção dirigida com segurança por Anita Rocha da Silveira é um feixe de sensações variadas, um filme que nos leva para vários lugares.

Assim, nesta narrativa sobre uma geração que se comporta como mortos-vivos, com toques surrealistas e de difícil classificação, acompanhamos a morbidez da massa de desestimulados. A produção fala sobre um momento específico ou determinado movimento governamental/social que a determine? Não, mas é a alegoria ideal para o Brasil aterrorizante do presente, talvez a fase mais desastrosa para os nossos jovens desde a Ditadura Militar. Movidos por um “hoje” tão inconsequente e cientes de que o “amanhã” será de um “inv(f)erno” ainda mais rigoroso, os personagens mórbidos de Mate-Me Por Favor simbolizam a falência de qualquer crença nas instituições, além de metaforizar, por meio de seu discurso sinistro, a ausência de interesse de muitos jovens em tornar o cenário mais favorável para o estabelecimento da mudança. O tom horrível, ideal para nos permitir um mergulho ainda mais profundo na história, é concebido pela junção de três setores fundamentais para a narrativa: a assertiva direção de fotografia de João Atala, a direção de arte de Dina Salem Levy e a trilha sonora de Bernardo Uzeda.

Mate-me Por Favor (idem – Brasil/ Argentina, 2015)
Direção:
 Anita Rocha da Silveira
Roteiro: Anita Rocha da Silveira
Elenco: Valentina Herszage, Dora Freind, Mariana Oliveira, Júlia Roliz, Rita Pauls
Duração: 105 min.

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