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Crítica | Mercenário: Anatomia de um Assassino

por Ritter Fan
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Para que complicar quando é perfeitamente possível escrever uma história simples e eficiente para estabelecer de vez o perfil, a origem e as habilidades de um personagem de quadrinhos? Daniel Way criou uma minissérie elegante sobre o Mercenário (Bullseye, no original), clássico inimigo do Demolidor, pegando emprestado elementos narrativos básicos, clichês mesmo, como o interrogatório de um criminoso por uma dupla antitética de agentes e o uso de flashbacks, para envolver o leitor em uma trama de suspense e mistério crescente daquelas que sabemos que vai acabar do jeito que acaba, mas não sabemos como ele chegará lá.

O criminoso sendo interrogado, claro, é o próprio Mercenário, preso em uma cela em um complexo da NSA de ultra-extrema-segurança, onde nenhum objeto sólido pode sequer aproximar-se do personagem, considerando sua habilidade de transformar quase tudo em armas letais. Com isso, estabelece-se algo que parece saído diretamente das conversas de Clarice Starling com Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes, com direito até mesmo a uma divisória de vidro. Os interrogadores são dois agentes que não poderiam ser mais diferentes. Um deles é o típico valentão de escola grande e todo musculoso e que quer acabar com a raça do Mercenário. O outro é franzino, intelectual e que usa a psicologia para fazer suas perguntas e “entrar na mete” do psicopata do lado de lá. Em outras palavras, são três clichês do gênero, mas que são muito bem usados por Way para trazer uma boa camada cômica para a história, com os agentes tentando descobrir o que o vilão fez com o plutônio que roubara de um lado e o vilão, claro, colocando em movimento seu plano secreto. Entre uma coisa e outra, o autor nos faz passear pela juventude do Mercenário e, depois, pelos eventos mais importantes de sua carreira adulta, inclusive seu primeiro encontro com o Demolidor e, claro, o inesquecível momento em que ele usa a adaga sai de Elektra para assassiná-la na frente do Demônio da Cozinha do Inferno. Está tudo comprimido em cinco edições apenas, mas o apanhando é amplo o suficiente para termos uma clara visão da insanidade do antagonista.

Olhem bem a cara do psicopata.

Claro que, diante de uma estrutura narrativa dessas, era impossível fugir de uma boa quantidade de diálogos, o que, em alguns momentos, torna a leitura mais claudicante, arrítmica, com uma aparente lerdeza no avanço da trama. Enquanto que é verdade que as idas e vindas entre presente e passado e os textos expositivos podem causar estranhamento e uma dificuldade inicial em se avançar na história, não há vagarosidade em seu desenvolvimento. Ou melhor, há. Mas é algo proposital, feito para trazer o leitor o mais próximo possível do Mercenário, fazendo-nos entrar em sua mente doentia e, ironicamente, divertir-nos com isso da mesma maneira que nos divertimos com Anthony Hopkins na pele do já citado Lecter, a ponto de torcermos por ele. E a estratégia funciona bem, com a mitologia do Mercenário sendo completamente respeitada, mas, ao mesmo tempo, levemente “retorcida” por sua visão de narrador não confiável da coisa.

Há pouca ação propriamente dita, já que elas ficam localizadas quase que exclusivamente nos flashbacks, que, com exceção do que tem o Justiceiro como coadjuvante, que ganha mais corpo, são literalmente pequenos vislumbres do passado do personagem, começando por sua infância com seu irmão e seus pais. Mas essa “inação” também faz parte do jogo de Way para humanizar o personagem sem, porém, justificar suas ações. É, de certa forma, algo parecido com a explicação do Coringa de Heath Ledger sobre sua “origem” em O Cavaleiro das Trevas.

A arte ficou ao encargo de Steve Dillon, responsável por co-criar Preacher, com Garth Ennis. Diria, sem muito medo de errar, que, em termos de retratação de psicopatas doentios e perigosos, Dillon é o melhor desenhista dos quadrinhos. Seu Mercenário, que claramente bebe da aparência do enlouquecido Herr Starr, é simplesmente perfeito em sua calma e fleuma, com leves sorrisos que são de gelar a espinha. O tom de ameaça que perpassa cada quadro com o personagem enjaulado em sua prisão de vidro fica evidente antes mesmo que qualquer balão de fala seja lido, o que logo de início compensa a mencionada verborragia de Way. Com a arte limpa, de traços firmes e sem firulas, Dillon estabelece a versão definitiva de um dos maiores psicopatas da Marvel Comics. E isso sem depender de seu icônico uniforme ou mesmo de momentos “espetaculares” de ação.

Daniel Way e Steve Dillon, em Mercenário: Anatomia de um Assassino, usam a simplicidade a seu favor e nos brindam com uma história perturbadora, mas de tons cômicos (ou talvez perturbadora justamente porque tem tons cômicos, não sei) que reconta e reconstrói a origem do personagem-título sem recorrer a fogos de artifício. A dupla, basicamente, faz a mímica da sobrenatural habilidade do Mercenário: eles fazem muito com muito pouco. E isso é, por si só, uma arte.

Mercenário: Anatomia de um Assassino (Bullseye: Greatest Hits, 2004/5)
Contendo: Bullseye: Greatest Hits #1 a 5
Roteiro: Daniel Way
Arte: Steve Dillon
Cores: Morry Hollowell
Letras: Randy Gentile
Capas: Mike Deodato Jr.
Editora original: Marvel Comics (selo Marvel Knights)
Data original de publicação: novembro de 2004 a março de 2005
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: dezembro de 2014
Páginas: 124

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