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Crítica | Metanoia – Mães de Joelhos, Filhos de Pé

por Gabriela Miranda
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Uma porta com grades normalmente serve para manter o perigo do lado de fora da casa, mas em Metanoia as grades ficam na parte de dentro. É que o risco aqui habita o corpo do personagem central: o vício se apoderou dele. Eduardo, interpretado por Caique Oliveira, mora no Jardim Ângela, na periferia de São Paulo, junto com a mãe. Mas embora seja bem mais fácil imaginar que, por ser mais humilde, a droga cortou caminho é  uma amizade com um rapaz de classe média alta que apresenta a ele o inferno na terra, edificado na forma da Cracolândia. Os prédios abandonados são cheios de pessoas esvaziadas, com a visão embaçada pelo crack.

“A pedra me chama pelo nome”. Esse trecho do diálogo de Metanoia pode muito bem exemplificar o consumo da vida de quem foi tomado pelo crack e só respira para puxar mais fumaça para dentro, prender e soltar de novo, mais uma lombra, mais uma nóia. O filme feito pela companhia gospel de teatro Nissi abre com a imagem sonora de um noticiário no rádio, para contextualizar o espectador e, logo depois, apresenta o significado do nome da fita: Metanoia – mudança de mentalidade. O significado religioso não é replicado a todo tempo. A questão do que a mãe sente ao ver o filho sofrer nessa situação, trancafiado pelas grades que a droga impõe nele, é que marca a história.

Em depoimento, Caio Blat comenta que teve interesse em participar desta produção por se tratar de uma temática tão importante, que precisa ser disseminada e quanto mais informações houver sobre isso e mais diálogos se abrirem, mais futuro essas pessoas terão. Porque o problema é que só o agora importa para o dependente. A humanidade se esvai dele, o odor, a fome, a sujeira, tudo isso passa a não importar porque a pessoa deixa de existir, ela se considera morta. Esse retrato é um dos mais dolorosos do filme e é muito bem interpretado pela atriz Solange Couto e Silvio Guindane em uma história paralela narrada por Eduardo.

Enxergar sem distorções o percurso sombrio no qual a dependência atira o ser humano é impactante. E o roteiro escrito a duas mãos pelo diretor junto com o protagonista entrega diálogos falados carregados de potência. A voz do narrador em primeira pessoa descreve com detalhes muito convincentes o que pulsa dentro da mente do Eduardo e a edição e montagem foram feitas de um jeito a injetar agilidade e certa dose de caos à memória dele. É uma narrativa feroz, intrínseca, seca, texturizada, fétida, gélida, cheia de verdade e solidão e muito amor materno.

As mães de Metanoia representam as preces de muitas outras que pedem e clamam para que a vida volte a correr pelo sangue dos filhos, perdidos para o crack. A hashtag anunciada no final convida o espectador a participar de uma corrente de solidariedade, que propague essa conversa iniciada ali na tela do cinema. Este filme propõe ações.

Metanoia – Mães de Joelhos, Filhos de Pé (Brasil, 2015)
Diretor: Miguel Nagle
Roteiro: Miguel Nagle, Caique Oliveira
Elenco: Caique Oliveira, Caio Blat, Einat Falbel, Lucas Hornos, Thogun Teixeira, Solange Couto e Silvio Guindane
Duração: 113 min.

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