Home FilmesCríticas Crítica | Meu Amigo, o Dragão (2016)

Crítica | Meu Amigo, o Dragão (2016)

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

A escolha da Disney em trazer releituras de seus clássicos nos trouxe esse ano o ótimo Mogli: o Menino Lobo e, com o sucesso deste, já era de se esperar que veríamos muito mais dessas novas versões. Dessa vez, o estúdio fixa seu olhar no clássico, de mesmo nome, de 1977, Meu Amigo, o Dragão – um filme que certamente guarda seu lugar no coração de muitos que o assistiram quando criança, mas que, na realidade, não é tão bom assim, contando com um ritmo inconstante marcado por um exagero de números musicais. A refilmagem, contudo, se distancia do longa anterior e mantém somente alguns elementos de sua premissa para construir uma história nova em torno de Pete e seu amigo.

A trama gira em torno desse menino (interpretado por Oakes Fegley), que com cinco anos perdera sua família em um acidente de carro. Sozinho no mundo, ele é acolhido por um dragão, que carinhosamente decide chamar de Eliott, em virtude de um livro que lia quando o conhecera. Tendo vivido metade de sua vida na floresta ao lado da criatura mágica, Pete acaba conhecendo Grace (Bryce Dallas Howard), uma guarda florestal que decide acolher o garoto, ao mesmo tempo que a existência do dragão é descoberta por Gavin (Karl Urban), um trabalhador local que toma como tarefa caçar o animal para seu próprio ganho.

O roteiro de David Lowery e Toby Halbrooks segue uma estrutura similar à do original. Temos a família que acolhe o menino selvagem, o homem que quer lucrar em cima do dragão e uma gradativa comoção na pequena cidade. Uma essencial diferença, porém, é a forma como a obra lida com o abandono da criança. Temos aqui a velha narrativa do bom selvagem, mostrando que a floresta e os meios de Pete contam com uma pureza muito maior que no ambiente urbano. Mesmo Grace e seu pai, Meacham (Robert Redford), que vivem na cidade, mas tem um carinho maior pela natureza apresentam esse espírito mais bondoso, que escapa dos egoísmos comuns à sociedade. Há uma diferença muito clara entre eles e Gavin, antagonista do filme, que já é definido pela forma como falam e pelos seus olhares.

Naturalmente o trabalho de atuação dos três influencia diretamente nesse quadro. Redford transmite uma serenidade e sabedoria, através da forma calma como age – seu personagem, sabiamente, é introduzido na presença de crianças, denotando sua inocência nesse universo. Bryce, por sua vez, consegue nos passar todo o amor que sua personagem tem pela floresta, há uma nítida sinceridade em suas palavras e olhar, que nos passa uma segurança, sentida também pelo menino selvagem – trata-se de uma figura materna, pronta para acolher. Urban, por sua vez, é o oposto disso, uma mistura da frieza daquele que só pensa em negócios com o temor, que faz homens ultrapassarem o limite do bem e do mal – há um evidente maniqueísmo na maior parte do filme, típico de uma obra cujo público alvo são as crianças, mas, felizmente, isso é desconstruído nos momentos finais da projeção.

Não poderia deixar de fora, é claro, os esforços de Oakes Fegley, que já tem uma certa experiência diante das câmeras, embora seja muito novo. Sua inocência é indiscutível e ele consegue passar toda a força do que sente por Eliott sem precisar dizer quase nada. Sua insegurança em relação ao mundo civilizado é outro acerto do garoto, que consegue nos passar toda a sua insegurança e estranheza em relação ao que consideramos normal em nosso dia-a-dia. Não há como não pensarmos quase que imediatamente em O Garoto Selvagem, de Truffaut, que lida com a mesma questão do bom selvagem, o conflito homem e natureza.

Todo o trabalho de animação que cria o dragão também há de ser louvado. Seu design, que o faz quase um mamífero e não um réptil, como é o costume, o torna automaticamente mais acolhedor, transformando-o praticamente em um grande cachorro, o que dialoga perfeitamente com o livro que Pete costuma ler. O destaque maior, contudo, vai para os olhos da criatura. São olhos humanos, que transmitem uma gigantesca dose de sentimento – mesmo sem falas conseguimos saber exatamente o que ele pensa, dispensando os sons que o Eliott de 1977 fazia. Ao mesmo tempo identificamos uma forte inteligência no animal, o que torna toda a ideia de domesticá-lo ainda pior do que já soa. O longa ainda aproveita sua solidão (claramente identificada quando o menino é levado para a cidade) para trabalhar toda a questão da extinção de animais em segundo plano.

Dito isso, a obra, infelizmente, conta com um grande defeito e esse é a sua previsibilidade. Não há qualquer surpresa durante todo o filme, o que faz dele uma experiência bastante casual, que não exige nada do espectador. A mensagem ecológica por traz acaba perdendo muito da força em virtude disso e não vejo como, com o passar dos anos, ele será lembrado da mesma forma que fora o original – por mais que a refilmagem seja superior em qualidade. Faltou ousadia no roteiro, que decide optar pelo óbvio ao invés de problematizar sua trama ou seus personagens.

Como um filme para crianças, todavia, Meu Amigo, o Dragão, funciona perfeitamente e oferece, também, uma diversão descontraída para os adultos, que certamente irão apreciar o longa-metragem, mas não irão guarda-lo por muito tempo em suas memórias. Com boas atuações, um roteiro coeso, mas sem inovação e um trabalho de animação excepcional, essa versão atualizada da obra de 1977 consegue se sustentar em suas próprias pernas, mas não alça voo de forma tão cativante quanto o dragão que retrata.

Meu Amigo, o Dragão (Pete’s Dragon) — EUA, 2016
Direção:
 David Lowery
Roteiro: David Lowery, Toby Halbrooks (baseado no roteiro de Malcolm Marmorstein)
Elenco: Bryce Dallas Howard,  Robert Redford, Oakes Fegley, Oona Laurence, Wes Bentley, Karl Urban, Isiah Whitlock Jr.
Duração: 103 min.

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