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Crítica | Mighty Morphin Power Rangers – 1ª Temporada

por Giba Hoffmann
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Talvez possamos medir o sucesso de Mighty Morphin Power Rangers pelo número de polêmicas levantadas em torno do seriado na época de sua exibição original, por parte de pais preocupados com o conteúdo potencialmente inapropriado da série. Trata-se do tipo de backlash que normalmente sinaliza um sucesso absoluto com o público infantil, sendo que, por este quesito, o seriado tem seu lugar garantido, ao lado de franquias como Pokémon, no panteão da cultura pop dos anos 90. Surgido de uma visão mercadológica do megainvestidor israelense Haim Saban ao assistir na TV, em uma viagem de negócios ao Japão, a um episódio da popular franquia local Super Sentai, o conceito provou-se sólido o bastante a ponto de permanecer em produção e no ar uma geração depois de seu surgimento, incluindo com uma nova versão cinematográfica de alto orçamento em 2017.

As primeiras três temporadas da série, coletivamente reunidas sob o título Mighty Morphin Power Rangers, foram produzidas entre 1993 e 1995. A 1ª temporada representa, talvez, a versão mais conhecida da equipe, ao lado da segunda formação, que surgiria no ano seguinte após a demissão repentina de três dos protagonistas, e que acabaria figurando no primeiro filme da franquia nas telonas. Trata-se de uma adaptação de Kyōryū Sentai Zyuranger (Esquadrão Dinossauro Zyuranger), décima-sexta entrada da franquia Super Sentai produzida no Japão em 1992. A adaptação atingiu um sucesso internacional muito superior ao do seriado de origem, o que podemos ilustrar com o fato de que a atriz japonesa Machiko Soga, responsável pelo papel da Bruxa Bandora em Zyuranger acabaria redublando sua própria personagem, agora transformada em Rita Repulsa, em cima da dublagem norte-americana, na ocasião da exibição da série no Japão. 

É impossível falar de Power Rangers sem levar em conta o fato de se tratar de uma adaptação da série japonesa. Seus pontos mais fortes provém daí, mas o mesmo pode-se dizer de suas falhas mais gritantes. A franquia nasce visando provavelmente o lucro fácil a se ganhar em produzir “meia série”, lucrando por uma série inteira, além, é claro, da venda de toneladas de brinquedos com os inteligentes e até então quase totalmente incomuns (embora não o fossem no Brasil, graças à Rede Manchete) ao ocidente designs dos super heróis da Toei – Rangers, Zords, Megazords, vilões e monstros dos mais variados tipos. Este caráter transparece por toda sua primeira temporada, em seus aspectos mais diversos.

A começar pelo fato de que o time de protagonistas é construído como que por consequência, com o propósito de ocidentalizar as identidades das coloridas figuras mascaradas, que aqui na primeira temporada continuam a ser, salvo raríssimas exceções, suas contrapartes do universo Super Sentai, em cenas literalmente “copiadas-e-coladas” de forma menos organizada do que se poderia esperar. Isso tem um efeito interessante: os atores interpretam, aqui, basicamente um bando de impostores, já que sua participação nos episódios vai até o momento em que se transformam nos personagens-título, quando “passam a bola” para a filmagem original, capturada um ano antes provavelmente sem que ninguém imaginasse o uso que seria feito dela. Não que eles não protagonizem ótimas cenas de luta em sua forma destransformada. Mas talvez a falta de emoção na atuação se deva, ao menos em parte, ao fato de que o clímax dramático de todo episódio já se encontra filmado e, na verdade, precede todo o trabalho dos atores, que provavelmente nem sabiam muito a respeito do material original na época.

Um dos grandes pontos fracos da temporada é justamente a construção dos personagens. Não que o show necessite de personagens multidimensionais para dar mais efeito às espadadas faiscantes e aos homens vestindo emborrachadas e desajeitadas fantasias de robô se chutando em cima de maquetes. Embora Super Sentai prove que seja possível combinar estas duas coisas de forma a obter um resultado excelente, é certo que seria uma opção válida lidar com personagens mais simplificados como parte da adaptação. O problema é que os personagens, aqui, parecem estar abaixo do unidimensional, falhando muitas vezes em representar simples estereótipos de forma consistente.

Zack Taylor (Walter Jones), o Ranger Preto, é a personalidade descontraída da equipe, fato que se manifesta para nós em um modo de se vestir, agir, dançar e falar divertidamente datado, encarnando a cultura hip hop jovem dos anos 90 provavelmente vista pelos olhos de roteiristas de TV de meia-idade – ele dá aulas de uma arte marcial que ele próprio criou, “hip hop kido”. Billy Cranston (David Yost), o Ranger Azul, é o nerd da equipe, desajeitado porém esforçado quando se trata de praticar esportes ou artes marciais, e um gênio da tecnologia nas horas vagas, responsável por invenções que vão desde um fusca voador super turbinado até a própria tecnologia de teletransporte dos Power Rangers, inventada por ele em uma noite de trabalho (que provavelmente considerou improdutiva). Kimberly Hart (Amy Jo Johnson), a Ranger Rosa, é a ginasta animada, bem-humorada e popular que se vê aleatoriamente envolvida em um romance. Trini Kwan (Thuy Trang), a Ranger Amarela, é o coração da equipe, sempre se importando com todos e fazendo a mediação entre os demais, como por exemplo traduzindo a fala rebuscada de Billy para seus colegas iletrados. O Ranger Vermelho, líder da equipe, Jason Lee Scott (Austin St. John), é um personagem totalmente desprovido de características, a encarnação de um padrão, a pizza de mussarela, o sorvete de creme. Nem tão esperto quanto Billy, nem tão estiloso quanto Zack, no início se destaca como o mais habilidoso nas artes marciais, porém acaba destronado com a chegada de Tommy Oliver (Jason David Frank), o famoso Ranger Verde criado por Rita Repulsa (Machiko Soga / Barbara Goodson) para destruir os Power Rangers, mas que ironicamente acaba se tornando o mais popular e mais duradouro dos personagens a vestirem o spandex.

Se os personagens não convencem, isso se deve em parte à má atuação, evidente desde o primeiro momento e que em alguns momentos se torna hilária e distrativa. Porém também deve ser levado em conta que a série não exige um alcance de atuação muito complexo, sendo que os atores do original japonês provavelmente se definiam no mesmo patamar de habilidades (sendo eles também muito provavelmente escolhidos com foco na capacidade de fazer as próprias stunts e atuar em cenas de ação) e, no entanto, entregam uma caracterização muito mais envolvente e consistente dos heróis por trás das mesmas máscaras. Os personagens de Kyōryū Sentai Zyuranger, que conheci só depois de adulto, cativam e despertam o meu interesse como espectador, enquanto que os de Mighty Morphin Power Rangers, mesmo com o fato de que eu tenha crescido acompanhando suas aventuras e brincado com seus bonecos, parecem figuras de papelão que só de vez em quando fazem algo interessante.

Ou seja, temos também um problema de roteiro e direção ainda mais grave do que no campo da atuação, o que significa dizer que é bastante grave. As ideias por trás dos personagens são competentes, mas não são bem postas em prática e acabam distorcidas em roteiros que conseguem ser, ao mesmo tempo, caóticos e aguados. Claro que é possível se deparar com um bom episódio e ver do que a série é capaz em seus momentos bem sucedidos. É o caso dos clássicos arcos Green With Evil, The Green Candle, Return of an Old Friend e Doomsday; dos bons monstros da semana de High Five, The Spirit Flower, No Clowning Around, Trick or Treat The Trouble With Shellshock; dos divertidos For Whom The Bell Tolls, Food Fight e Power Ranger Punks.  

Nesta primeira temporada, no entanto, temos algo próximo de um terço de bons episódios para dois terços de episódios que vão do medíocre ao ruim. Na maioria das vezes em que um episódio falha, é possível identificar a origem do problema em uma construção malfeita de roteiro, que faz parecer ter sido tudo juntado às pressas e em torno de cenas de ação desconexas as quais se desejava utilizar. Isso se torna evidente em casos em que a premissa é especialmente interessante e até ambiciosa, mas que acaba desabando com roteiro e direção disfuncionais. É o caso de Wheel of Misfortune, que possui algumas das melhores cenas de ação da temporada, costuradas porcamente por um roteiro que extrapola qualquer limite da compreensão, jogando linhas de diálogo explicativas aleatórias umas em cima das outras. Também é o caso de Island of Illusion, arco em duas partes que conta com uma aventura interessante dos heróis em sua forma destransformada, mas que força uma ligação com cenas de ação que claramente nada tem a ver com a trama em questão.

Muitas das temáticas da série original são ignoradas em favor de roteiros simplistas e lineares. Temas como as origens pessoais, a morte ou a irmandade dão lugar à lições pré-escolares de ecologia e à terrível comédia pastelão efetivada às custas de Bulk (Paul Schrier) e Skull (Jason Narvy), personagens que aparentemente deveriam ser bullies, mas mais parecem as vítimas, não havendo um episódio sequer que se passe sem que haja um belo body-shaming gratuito em relação a Bulk, geralmente coroada por uma gosma ou bolo na cara do pobre coitado, ou tendo ainda como bônus as clássicas calças rasgadas em público. Os atores fazem milagre ao conseguir eventualmente divertir e tomar conta dos papéis, originalmente escritos por alguém com um conceito de humor ruim e inacreditavelmente específico.

E o que perdemos em favor dessas adições terríveis? Em primeiro lugar, o próprio conceito das máquinas baseadas em animais pré-históricos é aleatoriamente dado, sem haver referência que datam da época em que Rita/Bandora fora inicialmente aprisionada – 10 mil anos na versão norte-americana, 170 milhões de anos (!) na original; bem como o fato de que no original os rangers são guerreiros daquela época que despertam de uma hibernação longa para combater o mal ancestral de Rita. Pelo menos na 1ª temporada toda a mitologia em volta da personagem é trabalhada apenas de forma superficial, e não se entrelaça com os conceitos dos personagens de forma significativa como no original. Além disso temos ainda como exemplos: o fato de que no original os rangers Vermelho e Verde são irmãos, que é largamente ignorado aqui, embora visível nas cenas de ação e estrutura dos episódios em que assumem um papel central; ou ainda o fato de que no original a vela verde diz respeito à morte iminente do Ranger Verde, enquanto que aqui trata-se apenas de uma perda de poderes. O Ranger Verde de Jason David Frank é sem dúvidas o grande destaque da temporada, em parte porque o entusiasmo do ator pelo papel fica marcado no contraste com a falta dele por parte dos outros membros do elenco. Porém também devemos levar em conta que o Ranger Verde, ao contrário de todos os outros heróis, é o único que possui um arco. Seu sucesso faz pensar que, com mais cuidado por parte da produção (um mínimo), poderia-se atingir um patamar de qualidade mais elevado.

A “engenharia reversa” dos episódios de Kyōryū Sentai Zyuranger efetuada pelos roteiristas de Mighty Morphin Power Rangers é falha em diversos aspectos, o principal deles sendo não identificar o que faz a série original funcionar bem para além dos designs carismáticos e bem executados dos personagens. Ao focar nas cenas de ação e construir os episódios em torno delas, o que se tem é muitas vezes um esqueleto de roteiro que leva do ponto A ao ponto B em saltos repentinos e incompreensíveis. Não há atenção ao detalhe quando confunde-se o fato de ser um show voltado ao público infantil com a dispensa de continuidade e acabamento mínimo aos episódios. Zords e poderes aparecem inexplicavelmente antes de sua introdução que, quando é feita (as vezes simplesmente não é – provavelmente quando as cenas originais não eram julgadas propícias para a adaptação), se dá através de linhas de diálogo improvisadas na hora. Outros aspectos também dão bandeira da falta de acabamento, o mais grave talvez sendo o dos atores de voz que são, com a exceção de Barbara Goodson como Rita Repulsa, péssimos. Dada a importância de figuras como Goldar, Scorpina e, mais grave do que todos, o próprio mestre e mentor dos Power Rangers, Zordon, trata-se de um desleixo que prejudica visivelmente a série. Dada a centralidade e importância de Zordon, é absurdo o quanto o ator de voz é trocado por diversas vezes, muitas vezes durante um mesmo episódio, e muitas vezes dando a impressão de que se trata de um técnico de som lendo um papel com as falas, sem a menor vontade. Neste quesito nós brasileiros tivemos sorte, com os talentos dos dubladores profissionais Antonio Patiño, emprestando a voz para Zordon, e Luiz Brandão, dando uma voz de respeito ao terrível Goldar. Não sei se em temporadas futuras a situação das vozes norte-americanas melhora para os personagens, mas nesta primeira temporada, a nossa versão dublada acaba muitas vezes sendo superior.

A 1ª temporada de Mighty Morphin Power Rangers é capaz de entreter, quando se tem em mente sua proposta e seu formato. Porém, fica claro que a construção do seriado foi feita de forma relaxada. Trata-se de uma adaptação que toma Kyōryū Sentai Zyuranger por base e distorce a série original em termos de temática e de narrativa, adicionando à mistura problemas de roteiro, atuação e direção inexistentes no original. Desta forma, é bastante compreensível que muitos fãs do material original considerem-na mais uma “bastardização” do que uma adaptação propriamente dita. Nos piores momentos, é difícil não concordar. Porém a série possui um valor e uma identidade que as vezes transparece por entre as camadas de furos de roteiro, diálogos mal-escritos e “piadas” terríveis. A primeira equipe, retratada aqui na origem da franquia e que estará de volta na nova adaptação, certamente possui um carisma e um potencial que foi raramente aproveitando, restando que fossem reduzidos mais aos bonecos e figuras de ação do que ao protagonismo de boas histórias.

Mighty Morphin Power Rangers – 1ª Temporada — EUA, 1993
Direção:
 Terence H. Winkless, Robert Hughes, David Blyth, Adrian Carr
Roteiro: Cheryl Saban, Shuki Levy, Stewart St. John, Mark McKain, Cindy McKay
Elenco: Amy Jo Johnson, Austin St. John, David Yost,  Jason David Frank, Thuy Trang, Walter Jones, Paul Schrier, Jason Narvy, Machiko Soga, Barbara Goodson
Duração: 60 episódios de aproximadamente 20 min.

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