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Crítica | Minha Adorável Lavanderia

por Luiz Santiago
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Algumas vezes apontado como o primeiro filme britânico a representar um romance abertamente gay e um dos primeiros filmes britânicos a fazerem piada (e crítica) direta com a estrutura econômica e social do Reino Unido sob o comando de Margaret Thatcher, Minha Adorável Lavanderia (1985) foi concebido como um filme para a TV, mas os produtores conseguiram fazer com que o trabalho de Stephen Frears chegasse às telonas, conquistando até uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro e ao BAFTA na mesma categoria, além de ator coadjuvante para Saeed Jaffrey.

A trama acompanha um jovem britânico de família paquistanesa chamado Omar (o simpático Gordon Warnecke, em seu primeiro papel no cinema). A pedido do pai, um tio o emprega em um estacionamento e este é o “primeiro contato” de Omar com o mundo dos negócios; mundo para o qual ele mostra ter grande aptidão e, em pouco tempo, consegue ser promovido e ter espaço para administrar seu próprio negócio. O roteiro de Hanif Kureishi trata inicialmente de nos colocar a par de como Omar encara a vida, seguindo com sua vontade de ganhar muito dinheiro e com sua moral duvidosa, abraçando muito mais cedo do que deveria os negócios escusos do tio. Só depois de termos clara esta faceta imoral de ascensão social é que outro personagem importante é adicionado na narrativa, Johnny (Daniel Day-Lewis) um punk que já integrara um movimento fascista, mas que conhecia Omar desde a escola e, pelo que entendemos do reencontro deles, já tinham um caso.

Stephen Frears nos mostra este contato de maneira inicialmente sutil, como quase tudo no filme, para depois mergulhar de cabeça tanto no relacionamento entre os jovens, quanto nas complexas relações familiares, no fluído mundo dos negócios e em suas regras pouco honestas (que os recém-chegados precisam aprender a seguir rapidamente, senão são excluídos das benesses da corrupção disseminada) e nas questões sociais, que não ganham uma verdadeira crítica nem por parte do diretor nem do roteirista, mas que são mostradas como um elemento marcante da cidade e que já nos anos 1980, merecia um olhar atento das autoridades.

O curioso é que os personagens em cena ocupam lados opostos desta régua social. Omar é britânico, mas cresceu atrelado a uma cultura que acaba seguindo, embora não entenda ou tenha real apego a ela. Além disso, ele sente na pele o preconceito étnico e racial mesmo sendo um nativo. Johnny, por sua vez, é um britânico branco, que já marchou contra os imigrantes e levantou a bandeira dos supremacistas, o que lhe é lembrado pelo pai de Omar mais tarde, no filme. As pazes, por assim dizer, entre os personagens, virão com o crescimento do sentimento que possuem um pelo outro, tudo canalizado para a reforma e reinauguração de uma lavanderia, no filme, símbolo de uma vida a dois que se inicia.

Essa dualidade sócio-política pode parecer apenas um luxo de contexto histórico para o filme, mas ela determina ao menos uma parte do diálogo entre os personagens, que em algum momento da fita é cruel com o outro, apontando uma sugerida “inferioridade de trabalho”. Omar mesmo diz que era espancado na escola pelos amigos de Johnny e agora tinha o garoto branco e (ex?) racista limpando o seu chão. Claro que esta discussão, em relação aos protagonistas, não é levada adiante. Mesmo que diga a verdade em uma análise social, ela é mais produto de uma “briga de casal” ou uma “provocação infame” do que qualquer outra coisa. Tanto que os dois, depois de brigarem e aparentemente quererem tomar caminhos distintos, acabam em uma bonita mas infelizmente abrupta cena juntos, encerrando o filme de maneira isoladamente interessante mas, no conjunto, bastante descuidada.

Existem muitos elementos dos anos 80 que não só ajudam a inserir a obra em um cenário realista como também a torna mais forte. A gangue que stalkeia Omar e Johnny, apesar de ser desnecessariamente cômica, traz muito do que esses grupos de jovens racistas costumavam fazer no Reino Unido, não só em relação a imigrantes, mas em relação a negros e homossexuais. Por ser uma coisa local e não generalizada, a identificação e punição desses indivíduos demorava ou jamais acontecia, praticamente levando perseguidos e perseguidores ao cenário de espancamento que temos no final do filme. A fotografia de Oliver Stapleton e a trilha sonora de Ludus Tonalis são outras duas áreas que servem de identificação temporal, além de criarem com muita competência uma atmosfera de suspense em um momento ou outro da fita, principalmente nas cenas noturnas.

Editado de maneira a parecer uma crônica de duas vidas — como se víssemos o que acontece com Omar e Johnny por câmeras diferentes, filmadas e iluminadas de maneira levemente diferentes — Minha Adorável Lavanderia é um filme sobre personagens jovens em fase de amadurecimento e tomada de responsabilidades em diversas áreas. Eles estão parcialmente escondidos do mundo (embora lidem muito bem com suas questões pessoais, seja com a sexualidade ou com a vida profissional), procuram ignorar ou fingir que não se importam com as adversidades, e enfrentam um conflito de gerações, ora mais forte que eles, ora disposto a ceder, através da esperança, para que assumam o controle dos negócios. A reta final do filme nos indica isso, no cenário cultural, familiar e social, mas não deixa de colocar essas mesmas coisas com uma dose extra de desalento, afinal, o futuro, para a geração jovem dos anos 80, era ao mesmo tempo um mistério e uma porta aberta para tudo. Hoje, olhando para trás, é fácil ver para onde o leque imaginado e real de opções levou aquela geração.

Minha Adorável Lavanderia (My Beautiful Laundrette) — Reino Unido, 1985
Direção: Stephen Frears
Roteiro: Hanif Kureishi
Elenco: Daniel Day-Lewis, Richard Graham, Winston Graham, Dudley Thomas, Derrick Branche, Garry Cooper, Gordon Warnecke, Roshan Seth, Saeed Jaffrey, Shirley Anne Field, Charu Bala Chokshi, Souad Faress, Rita Wolf
Duração: 97 min.

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