Home LiteraturaAcadêmico/Jornalístico Crítica | Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarões no Recife, de Arnaud Mattoso

Crítica | Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarões no Recife, de Arnaud Mattoso

por Leonardo Campos
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Os ataques de tubarões em Recife são materiais constantes nas editorias de jornalismo brasileiro. Desde os anos 1990, diante dos primeiros surtos, em especial, em 1994, nadar na praia de Boa Viagem não é uma missão para qualquer um. É preciso muita coragem e algumas pitadas de irresponsabilidade, pois não é preciso ser pernambucano para entender que o banho na região requer uma série de medidas e cautelas, tendo em vista evitar o temível encontro com um tubarão. O que leva uma pessoa a se arriscar tanto? O Estado precisa intervir e proibir o acesso total ao ambiente em questão ou as pessoas precisam se conscientizar? Com linguagem leve e levantamento científico bem apurado, o jornalista Arnaud Mattoso levanta um painel de questionamentos sobre os ataques de tubarões em Recife, e fornece, junto com os dados e teses, propostas de intervenção direcionadas aos interessados na resolução do problema.

Ao longo das 92 páginas de Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarão no Recife, o autor deslinda uma vasta análise sobre os problemas relacionados ao tema. Morador da região há mais de duas décadas, Mattoso conta com o excelente trabalho de diagramação da Via Design para as ilustrações das informações que integram os seus relatos, entrevistas e análises de dados. Com prefácio de Maria José de Sena, reitora da UFRPE, o livro oferta ao leitor uma linguagem leve e fluente, repleto de curiosidades sanadas em gráficos e, como nas palavras da prefaciadora, carregado de imensa responsabilidade social.

O autor faz uma análise com idas e vindas na linha do tempo dos ataques, mas centraliza as atenções no caso da turista Bruna Gobbi, tema que aqueceu a mídia e os sensacionalistas em 2013. Por meio de um estilo que mescla jornalismo literário e discurso científico, Mattoso detalha o fatídico dia 22 de julho de 2013, marcado pela tragédia que ceifou a vida da jovem Gobbi. Segundo os relatos, ela e a amiga Daniela Ariane da Silva Souza foram arrastadas por uma corrente de retorno enquanto tomavam banho numa área que ficava a cerca de 20 metros da faixa da praia. Quando arrastadas, caíram numa espécie de “vala”. As pessoas que geralmente estão diante de situação parecida entram em desespero e começam a se debater muito freneticamente, o que atrai os tubarões. Pela perícia, acredita-se que tenha sido um tubarão cabeça-chata o responsável pelo ataque, haja vista a mordida e o método. Ambas foram resgatadas do afogamento, mas Bruna, mordida profundamente, não resistiu e morreu, dando margem ao debate sobre o assunto que em 2018, encontra-se em profusão na mídia, haja vista a continuidade dos ataques e a falta de conscientização das pessoas que insistem em se arriscar na região.

Entre as causas dos ataques, há o Porto de Suape, empreendimento que iniciou as suas atividades em 07 de novembro de 1978. As instalações do porto mexeram com o ecossistema, pois mangues foram aterrados, rios prejudicados e os tubarões perderam alimentos e local para gerar seus filhotes, questões que promoveram o patrulhamento pelo litoral. Para a obra a foz dos rios Ipojuca, Massangana e Tatuoca foram fechadas, sendo assim, como a foz dos rios e seus manguezais são berçários naturais de algumas espécies agressivas, tal como o cabeça-chata, perde-se o ambiente natural e o desequilíbrio coloca tudo em desordem. Há uma história que circula muito no ciclo dos leigos que debatem o assunto na informalidade, causa mais comum e comentada até termos acesso ao estudo aprofundado de Mattoso. Conta-se que um antigo abatedouro despejava os restos dos animais consumidos no mar, fator preponderante para a chegada dos tubarões na região.

Uma das vantagens de ler Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarão no Recife é a sua capacidade de entreter, informar e trazer dados adicionais sem parecer uma básica olhada na Wikipédia, pois o texto e as imagens dançam freneticamente, longe de possíveis sobreposições e hierarquias, somados ao uso das notas de rodapé imbricadas ao texto de maneira “orgânica”. Somos informados, por exemplo, que nos dias de lua cheia entre maio e julho, as marés estão mais altas e as águas mais turvas, o que torna as correntes mais fortes. Até os textos com dados mais técnicos são interessantes e não quebram o fluxo narrativo. É por meio deles que sabemos detalhes sobre a função do CEMIT (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões), organização já sugerida desde o I Workshop Internacional sobre Ataques de Tubarão, realizado em 1995, mas que foi efetivado apenas em 17 de maio de 2004, pelo Decreto número 26.729, assinado pelo então governador Jarbas de Andrade Vasconcelos.

Como proposta de intervenção há o projeto de telas e redes que fizeram muito sucesso em alguns países, mas que não é uma solução confiável em sua totalidade, apesar do parecer favorável do autor. Será possível barrar a passagem de tubarões com redes especiais que os bloqueiam da zona praieira? Quem teria coragem de mergulhar e se divertir diante de tal condição? As estatísticas comprovam que mesmo sem as medidas de proteção as pessoas insistem em se arriscar. Cabe ressaltar que antes das intervenções, o autor explica alguns mitos, alegando que matar os tubarões não adianta, pois há a possibilidade de causar desequilíbrio; os tubarões não atacam porque estão com fome, mas porque é de sua natureza a caça e confundem os humanos com focas e outros animais marinhos; diferente do que se diz em circuitos populares, os tubarões não estão na região porque incluíram os humanos na dieta; surfistas tem maior probabilidade por questões óbvias e não há uma solução para afastar os tubarões, pois isso requer medidas utópicas, dentre elas, o cancelamento das atividades em Suape, algo que mexeria bastante com a economia, etc.

Um dos melhores tópicos está nas histórias antigas, trecho que Mattoso desenvolve uma veia literária para contar casos populares sobre os ataques na história social de Recife. Narra-se que em 1947, um padre de 25 anos entrou na praia da Piedade para nadar e desapareceu. O Frei Edvar Machado, de 90 anos, contou para o autor, dando ênfase, inclusive, para a sua tese não comprovada cientificamente. Ele explica que a presença das embarcações estadunidenses na costa nordestina brasileira no período da Segunda Guerra Mundial atraiu muitos tubarões para a região, pois como se sabe, tubarões, em especial, a espécie tigre, seguem os navios em busca do lixo orgânico que é despejado no mar.

Ao final do percurso, além de termos um arsenal de informações ecológicas e sociais da região, aprendemos algumas lições sobre os ataques, dentre elas, evitar entrar no mar sozinho, nadar em águas profundas, banhar-se perto da foz de rios, mergulhar em mar aberto, nadar em dia chuvoso com as águas turvas, bem como utilizando joias e objetos que brilhem. Pede-se também que evite o uso de bebida alcoólica, banho de mar na maré alta ou durante dois períodos específicos, isto é, amanhecer e entardecer, bem como nadar com ferimentos que sangram. O autor desenvolveu outra publicação sobre o tema, Mar de Sangue, tendo em vista seguir a onda ficcional de Peter Benchley no clássico Tubarão, sem a mesma qualidade de Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarão no Recife, numa narrativa ancorada em clichês, assunto, entretanto, tema de outra análise.

Mitos e Verdades Sobre os Ataques de Tubarões no Recife (Brasil, 2014)
Autor: Arnaud Mattoso
Editora: Vedas Edições
Páginas: 92

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