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Crítica | Mr. Pig

por Luiz Santiago
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estrelas 3,5

Dirigido e co-escrito por Diego Luna (em parceria com Augusto Mendoza), Mr. Pig é, dentre muitas coisas, um road movie sobre os relacionamentos familiares. Ou afetivos, se quiserem abrir mais o leque de possibilidades. O roteiro acompanha o fazendeiro alcoólatra e praticamente falido Ambrose (Danny Glover), que mais uma vez fará uma viagem até o México, a fim de vender um valioso porco para um importante criador, um velho amigo. As negociações não dão certo, e Ambrose se vê mergulhado em desesperança, situação agravada por duas coisas: a doença do porco e a visita inesperada da filha Eunice (Maya Rudolph), com quem ele não tem exatamente uma boa relação.

O título do filme e as primeiras interações entre Ambrose e seu porco Eugene nos dão uma clara impressão sobre o personagem. Orgulhoso demais para admitir que precisa da ajuda da filha e desconsiderando o seu frágil e cada vez mais grave estado de saúde, ele foge de um credor e parte para uma viagem que pode ser a última de sua vida. A direção de Luna não poupa esforços para dar a entender isso ao espectador, mesmo que nos exponha, juntamente com a montagem, a uma relação dual entre a vida do porco e a vida do dono, inclusive na doença, que acaba atingindo um e se agravando no outro quase ao mesmo tempo.

A viagem pode ser dividida em três partes e em todas elas o espectador terá um excelente uso da trilha sonora não original, com boa escolha de canções, inicialmente colocadas de forma rápida, para indicar a passagem do tempo de estrada percorrido por Ambrose, e depois, de maneira mais íntima, dialogando com a situação do protagonista, solidificando a atmosfera na qual ele está inserido e, mais uma vez, expondo a fragilidade da vida, a necessidade de conquistas desesperadas em um momento crítico, a forma particular que cada um tem de chegar a um estado de paz consigo mesmo.

Como a primeira parte da viagem é entrecortada por questões mais genéricas ligadas à apresentação do cenário, drama central e comportamento do protagonista, não há exatamente muita força no roteiro. Talvez isso seja ainda mais sentido porque tudo acontece bastante rápido, um ponto positivo e negativo ao mesmo tempo, paradoxo de construção do texto que, dando mais importância – ou, alongando a partir do início –, a viagem de Ambrose, diminuiria o impacto da chegada de Eunice e as fases dois e três da saga ao lado dela e do porco; mas realizando uma pincelada geral no ambiente e naquilo que o move, como ocorre aqui, acabou, sem querer, estabelecendo um distanciamento que de maneira bem abrupta retorna, talvez com um pouco de estranheza, no primeiro contato de Ambrose com o filho de seu velho amigo criador de porcos.

É difícil ver como o espaço do matadouro se encaixa organicamente na obra, no momento em que aparece, pelo seu conteúdo e óbvia crítica aos maus tratos aos animais, mas ele não é ruim. Quase a mesma coisa podemos dizer da cena em que Ambrose visita o espaço de criação e vê como as coisas mudou no ramo ao longo dos anos. Essa sequência, porém, já recebe um contexto mais sólido, com relações possíveis diante de várias linhas dramáticas que o filme terá adiante.

Excetuando o momento mais fraco, em termos narrativos, do filme, que é o espaço entre a desistência de negociação de Ambrose e a chegada de Eunice ao hotel onde ele está com o porco (a comédia aqui é bastante sacana), todo o restante da obra vai crescendo sutilmente em qualidade. Existem boas metáforas visuais e belos diálogos entre pai e filha, diálogos onde se fala coisas honestamente, aparentemente de forma dura e agressiva, mas ambos estão saturados demais pelo tempo e pela distância para se deixar levar por divergências de opinião a esta altura da vida.

SPOILERS

Tanto a direção quanto a fotografia mudam de abordagem na reta final. Os personagens são mostrados em planos menores, o espaço ganha força, como se retomasse sua grandeza e enfim dissesse: eu sou maior que vocês e não existe nada que possam fazer. Há lirismo de sobra para emocionar, mas a dose de realismo é forte o bastante para gerar mais razão e sensação de pertencimento àquele momento (que um dia nos visitará) do que apenas a contemplação dele, em êxtase. O espectador entende os roteiristas e parabeniza o diretor por mostrar um dos momentos mais importantes da vida humana de maneira tão bonita e repleta de significados. A obra passa a fazer todo o sentido naquele momento.

Como bem observou minha amiga Roberta Mendes, com que vi o filme na 40ª Mostra SP, há um jogo de imersão de Eunice na melancolia e desesperança entre a ida e a volta da ilha. O uso de elementos simples das locações (a costa e o mar) servem de referenciais para a vida; um, o abrigo natural do homem, o outro, sua origem. Um, a mãe que o sustenta; outro, um espaço de contemplação, viagem e, no presente caso, uma trilha para a morte. A imagem fala tudo o que há para falar neste momento, já que não existe diálogo ou narração. Logo, a cena é coroada pela canção My Autumn’s Done Come, e a voz de Lee Hazlewood invade o luto, agora sim, cobrindo o reconhecimento do público com a situação, de lirismo. Mr. Pig  vai da sujeira e maldade humanas a um dos muitos ingredientes da poesia, e também ao companheirismo, ao elo que une pais e filhos. O filme fala de valores e sobre a importância que damos àqueles que nos rodeiam, que nos amam, e não deixamos que se aproximem. O que vemos em seu enredo é uma quebra de muro, uma conexão. E tudo isso partindo de um porco bem criado.

Mr. Pig (2016) — México, 2016
Direção: Diego Luna
Roteiro: Diego Luna, Augusto Mendoza
Elenco: Danny Glover, Naian González Norvind, Maya Rudolph, Joel Murray
Duração: 100 min.

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