Home QuadrinhosArco Crítica | Mulher-Maravilha #27 – 37: A Origem da Mulher-Leopardo e as Amazonas de Bana-Mighdall (1989)

Crítica | Mulher-Maravilha #27 – 37: A Origem da Mulher-Leopardo e as Amazonas de Bana-Mighdall (1989)

por Luiz Santiago
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O presente compilado de histórias traz as edições #27 a 37 da Wonder Woman Vol.2, lançadas entre fevereiro e dezembro de 1989. Seguindo o final dos eventos de Invasão! (edição #26, publicada em janeiro), temos uma edição que serve como “ponte” até o próximo grande acontecimento, que é a saga de origem da Mulher-Leopardo pós-Crise. O roteiro é orgânico e cada pedaço de história é elegantemente ligado ao outro, com justificativas bem inseridas ao longo da narrativa e mudança de tom e trama sem rompimentos abruptos ou pulos temporais. Com o final da história da Mulher-Leopardo partimos para a excelente trama das Amazonas de Bana-Mighdall e daí para uma celebração em Themyscira, acompanhada de um novo momento para a vida do deus Hermes e algo estranho se preparando nos bastidores. E edição #37 não finaliza a história. Eu apenas vou avaliá-la neste compilado para deixar em um lugar só todas as edições publicadas em 89.

Intitulada The Immortal Storm, a edição #27 mostra um momento de paz para Diana, Steve Trevor e Etta, que estão em uma visita à Ilha Paraíso, depois dos acontecimentos da saga Invasão!. A estadia é simpática e cheia de aprendizado para os pombinhos mas afeta Steve de maneira muito particular, dado o seu histórico — mesmo sem ele saber, até pouco tempo — com aquele lugar. A trama não tem o calor e o tipo charmoso de inocência que teve com a visita de Júlia e Vanessa à ilha, no arco O Chamado do Destino, mas ainda assim agrada e faz com que o leitor revisite e explore o lugar através de outros olhos, por assim dizer. Em paralelo, temos o pequeno machista e canalha Barry sofrendo uma “punição” das meninas que enganou (Vanessa Kapatelis não é flor que se cheire — o futuro dela provaria isso), uma brincadeira que é acompanhada da “verdadeira face” do garoto, desmerecendo Vanessa, falando o verdadeiro motivo por quê se aproximou dela e depois agredindo um dos colegas de sala.

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Chuma conta para Diana, em um longo flashback, o que se passou em sua aldeia, quando encontrou a arqueóloga Barbara Minerva pela primeira vez.

O contraste da arte neste ponto já é notável. Das maravilhas da Ilha Paraíso passamos para uma verde e amarela selva, com soldados transportando uma caixa que logo é roubada pela Mulher-Leopardo em sua ânsia de conseguir o Laço da Verdade de Diana, o que de fato dá certo, mesmo que quase por acidente. Os Khunds são o inimigo declarado da vez e é contra eles que Diana luta até deixar Steven e Etta seguros. Na história paralela, Hermes reaparece na casa de Júlia, agora em mudança, e lhe traz uma oferta de paz. A busca pelo Laço roubado por Barbara Minerva será a porta de entrada para o arco que começa logo a seguir, A Origem da Mulher-Leopardo.

Criando um cenário bastante próximo de sagas de investigação misturadas com coisas macabras, George Pérez mostra Diana e Hermes tentando recuperar o Laço da Verdade, chamando os deuses. Mas não há resposta, pois como foi visto em O Chamado do Destino, eles estão construindo um outro Olimpo. A Amazona sabe — ou sente — que terá de lidar com isso da maneira menos divina possível. Com a ajuda de Vanessa, Etta e Steve ela faz uma varredura pelos arquivos da polícia, chegando à conclusão de que na América não conseguirá muita coisa e por isso vai à Europa, encontrar-se com a Liga da Justiça do Velho Continente e, pelo que mostra os jornais, seguir com os seus trabalhos diplomáticos. Claro que Diana está viajando por outro motivo. Minerva roubou seu Laço e ela precisa recuperá-lo.

O leitor é presenteado com uma excelente quebra de tempo e mescla de tramas envolvendo essa busca. De outro lado, aparece as lembranças de uma expedição arqueológica nos moldes Indiana Jones, aqui, em busca do Templo de Urzkartaga, no Sudão. Se o leitor inicialmente acha estranho a interrupção da saga principal para o flashback que será o relato de Chuma para uma desfalecida Diana (drogada, por um chá estranho — ao menos é o que ela nos faz crer), será difícil não mergulhar no relato. Escrito e desenhado como uma atípica “aventura de selva” (como em uma mescla de Tarzan + Dylan Dog + Martin Mystére), ela mostra o quando a arqueóloga e colecionadora Barbara Ann Minerva sempre teve zero apreço pela vida humana e sempre procurou benefícios próprios, mesmo que isso representasse a morte dos outros. Alguns deverão se incomodar um pouco com as interrupções ao longo do texto, mas por se tratar de uma memória, não dá para dizer que é algo despropositado.

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Bana-Mighdall. Cidade de Amazonas egípcias, um braço dissidente do grupo de Hipólita.

Além disso, o primeiro grande banho de sangue nos é apresentado. A forma como Minerva se torna a Mulher-Leopardo não é algo bonito de se ver e o autor não segura em nenhum momento os tabus, os desafios morais e a carnificina. A longo prazo, Pérez consegue até consertar a insossa participação da personagem em Desafio dos Deuses, cobrindo todos os buracos deixados no passado e finalizando essa parte da aventura com o encontro de Diana com a cidade de Bana-Mighdall, onde ela descobrirá, primeiro através da Kadesha Banu uma das sacerdotisas locais e depois pelo contato com as próprias Amazonas, um lado esquecido de suas raízes; algo que ela aprendeu apenas como lenda. E sim, a mesma coisa acontece do “lado de cá”, vide a incredulidade das amazonas negras ao encontrarem Diana pela primeira vez.

O roteiro de Pérez consegue ficar ainda melhor (e aqui eu não posso deixar de elogiar a coragem dos editores em darem o aval para esse tipo de texto) quando não se segura e traz para o leitor mais outra carnificina — um tipo de narrativa que, com o passar dos anos, foi sumindo das HQs mainstream. Sangue para todo lado, cabeças decepadas, facadas em várias partes do corpo, tiros, torsos esmagados, braços e pernas decepados… há de tudo um pouco e isso é muito interessante de se ver, tanto na história da Mulher-Leopardo quanto na história das Amazonas de Bana-Mighdall, porque nos faz crer na selvageria que o texto diz que essas personagens tem. Sem contar que para o caso das Amazonas egípcias é muito importante na construção do contraste, visto que elas são femistas e misândricas, matando e escravizando homens por serem quem são.

Se em Deuses e Mortais Pérez se preocupou em mostrar o lado mais bonito, mitológico, amoroso e com a missão de ligação entre homens e deuses diante da criação das Amazonas, aqui ele aborda como seria se o grupo de Hipólita não fosse “forçado” a se mudar para a Ilha Paraíso, isolando-se da humanidade, aprendendo o valor da guerra apenas para defender-se de canalhices como a que foi feita por Hércules. Estabelecido como “há 3000 anos“, o cenário de origem das Amazonas de Bana-Mighdall conta com ações infames de Teseu; com a morte das irmãs de Hipólita, Antíope e Pentesileia; e com a Guerra de Troia. Esta é uma nova forma de olharmos a criação das Amazonas, além de desfrutarmos um excelente trabalho artístico, com cenas na Ilha Paraíso, nos Estados Unidos, Reino Unido e Egito, cada um desses espaços com perfeita aplicação de cores por Carl Gafford, obedecendo a necessidade de cada lugar.

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Enquanto Diana luta com suas primas africanas, as Amazonas da Ilha Paraíso se preparam para um Festival.

Na verdadeira guerra que se arma no desfecho do capítulo (não há dúvidas: isso aqui é um verdadeiro filme!), temos uma bela surpresa: Diana consegue recurar o Cinturão de Gaia, há tantos e tantos anos roubado de Hipólita por Hércules. E diante de tanta sanguinolência, guerra e colocação de Diana em situações realmente difíceis temos excelentes momentos como Hermes se tornando “amigo de quarto” de Steve Trevor; o desenvolvimento de Vanessa como personagem — ela parece ter crescido mais e há uma leve sugestão de que sua amiga sofra abuso sexual por parte do pai, ao menos foi isso que eu entendi –; a posterior preparação de Diana e Julia Kapatelis para selecionar uma comitiva de 12 pessoas para a visita a Themyscira e o não tão feliz crepúsculo de um deus, com Hermes definitivamente perdendo os poderes, algo que já imaginávamos, visto que ele ficou para trás enquanto os outros foram construir um Olimpo em outra dimensão.

Há uma indicação de que Penélope, uma das Amazonas, está diretamente ligada à maçã de Éris, a deusa da discórdia e do conflito. A chegada da comitiva à Ilha Paraíso (Lois Lane está entre os convidados, substituindo Clark Kent) é sim banhada em discórdia, trazendo à tona o velho conflito de algo que já havia sido votado entre as Amazonas: permitir ou não estrangeiros, especialmente homens, no lugar. Embora a narrativa não se encerre aqui, a DC encerra com a edição #37 o ano de 1989 e o faz com chave de ouro. Ao menos na revista da Mulher-Maravilha, foi uma jornada anual para se aplaudir de pé.

Mulher-Maravilha #27 a 37 (Wonder Woman Vol.2 #27 – 37) — Fevereiro a Dezembro de 1989
Roteiro: George Pérez (todas), Mindy Newell (#36)
Arte: Chris Marrinan (#27 a 31 – #33 a 37), Tom Grummett (#32)
Arte-final: Will Blyberg (#27 a 31 – #33 e 34), Steve Montano (#32 – #35 a 37)
Cores:  Carl Gafford
Letras: Augustin Mas
Capas: George Pérez, Chris Marrinan
Editoria: Karen Berger, Art Young
24 páginas (cada edição)

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