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Crítica | Mulher-Maravilha: O Espírito da Verdade

por Luiz Santiago
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Heróis em conflito interno lutando contra forças externas, amadurecendo e questionando a si mesmos. Esta é basicamente a linha-guia que marcou a grandiosa parceria entre Paul Dini e Alex Ross a partir de Superman: Paz na Terra (1998), estendendo-se para aventuras como Batman: Guerra Ao Crime (1999), Shazam!: O Poder da Esperança (2000), Liga da Justiça: Origens Secretas (2002) e LJA – Liberdade e Justiça (2003). Em cada uma dessas histórias, o leitor é convidado a refletir sobre um aspecto humano, uma fragilidade, alguns traumas, limitações ou mesmo impulsos coléricos dos heróis representados. Essas obras não só adotam um ponto de vista  diferente daqueles a que estamos acostumados, mas colocam essas figuras heroicas em situações de reflexão sobre o mundo, de autocritica e de sentimentos existencialistas.

Mulher-Maravilha: O Espírito da Verdade é parte dessa safra de histórias da dupla Dini-Ross e mostra Diana Prince em suas primeiras jornadas como embaixadora de Themyscira no mundo dos homens. Há uma breve introdução onde contemplamos a passagem das Amazonas da região helênica para a Ilha Paraíso — a guerra que antecedeu o isolamento e a paz — e a criação de uma sociedade guerreira, erudita e feminista, posteriormente agraciada pelos deuses com a animação de uma escultura de barro em um bebê dotado dos mais incríveis dons e poderes. Logo temos Diana recebendo a missão de Hipólita para fazer uma ponte entre os dois mundos, tarefa que apesar de ser estranha para a Amazona, não é exatamente considerada complexa. Isso até ela chegar ao nosso mundo e agir contra o crime e as “forças do mal”, em nome da paz pela primeira vez.

Este é o ponto em que paramos um pouco e refletimos sobre o pensamento básico de Ares, o deus da guerra, sempre que empreende uma luta contra a humanidade. Ao ver a dificuldade de interação de Diana com políticos e cidadãos comuns do nosso mundo e os tortuosos caminhos políticos que levam a ações agressivas das pessoas — muitas vezes por medo e por saberem que o governo de seu país não fará nada contra “forças locais” que resolverem matá-los, agredi-los ou prejudicá-los de alguma forma –, é fácil notar a raiz do pavor e a ignorância humanas das quais Ares normalmente se aproveita para gerar o caos.

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Diana percebe que ser heroína em um mundo com as mais sujas teias políticas e uma população parcialmente ignorante e medrosa é algo muito complicado.

Alguns conceitos filosóficos sobre o comportamento e os valores de convivência humanos pululam das páginas. Como se trata de um relato majoritariamente em primeira pessoa — princípio que, pela característica da história e representação mais… frágil da heroína, acaba tendo um resultado estrutural um pouquinho insosso, como se víssemos tudo de fora, sem dar muita importância às coisas justamente pela maneira como são colocadas — as intervenções da protagonista são facilmente percebidas como portas para o amadurecimento, mudando sua visão do mundo, dos homens, sobre sua missão e mesma. Não existe exatamente um conflito de consciência aqui, como alguns leitores costumam destacar. A trama aponta mais para uma reação ao choque cultural do que qualquer outra coisa. E claro, esse choque faz com que a Mulher-Maravilha dê um passo atrás e reveja seus conceitos.

Diante das incertezas políticas, a ignorância e a tendência à violência toda vez que as pessoas se deparam com algo que não conhecem ou entendem, Diana percebe que precisa mudar de tática. Fazer uma aproximação menos espetacular, por assim dizer. E notem que isso fica bem difícil quando falamos de uma história ilustrada quase que divinamente por Alex Ross, artista que dispensa apresentações e cujo estilo, muitíssimo bem pensado em termos de ângulos e interações dos personagens no espaço ou entre si, deixa qualquer coisa com cara de épico. O contraste é percebido e ganha até algumas linhas no roteiro, na conversa entre a princesa e Clark Kent, mas a sensação de grandiosidade, tema da conversa, se fixa em nós, e é a partir deste ponto que também entendemos o por quê a figura de uma heroína assim põe medo nas pessoas (lembremos que Ross também já tinha trabalhado com esse tema para outra editora, em Marvels, 1994, ao lado de Kurt Busiek).

Ver heróis em posições minimamente desconfortáveis, em termos emocionais, tem um impacto grande sobre o leitor. Principalmente quando o artista que representa isso o faz de maneira grandiosa e hiper-realista. O Espírito da Verdade é esse tipo de história que nos faz pensar, junto como a heroína representada. Agir sobre o mundo é uma responsabilidade imensa. O impacto dessas ações influencia e às vezes pode ter um efeito bem diferente do planejado. Aqui, Diana percebe que não é apenas a vontade de fazer o bem que conta. Para seu espanto, ela percebe que há coisas consideradas “bem mais importantes” no mundo dos homens do que se livrar da opressão e do lado mal da humanidade. Como embaixadora, ela irá se reunir constantemente com as pessoas que oprimem e que causam estes males. Um choque e tanto para uma Amazona. Uma nova realidade a ser absorvida. Um novo inimigo a ser enfrentado.

Mulher-Maravilha: O Espírito Da Verdade (Wonder Woman: Spirit of Truth) — EUA, 2001
No Brasil: Editora Abril, 2002 / Editora Panini, 2017 (Os Maiores Super-Heróis do Mundo)
Roteiro: Paul Dini, Alex Ross
Arte: Alex Ross
Capa: Alex Ross
Letras: Typeset
Editoria: Charles Kochman, Joey Cavalieri, Rich Thomas
68 páginas

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