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Crítica | Mulher Maravilha: Renascimento

por Luiz Santiago
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O caminho até aqui:

Diana não está feliz. Sua felicidade e sua confiança estão abaladas desde que a “semente da discórdia” lhe foi plantada na reta final de A Guerra Darkseid. E quando digo que esta semente ‘foi plantada’, não estou falando de sugestão mágica ou qualquer tipo de influência mental sobre a Princesa. Apenas lhe foram ditas algumas coisas; sugeridas supostas verdades sobre a sociedade das amazonas, sobre Themyscira e sobre o verdadeiro papel [oculto] dos homens naquele lugar, informações que a partir de Universo DC: Renascimento marcaram um amplo conflito de identidade da Semideusa. Ela está duvidando de tudo.

O roteiro de Greg Rucka traz as melhores qualidades da personagem, mas desta feita, em um momento de intensa crise. O texto prepara esse caminho de forma rápida e eficiente, retomando o que é essencial em um mínimo de páginas possíveis e aderindo ao projeto do Renascimento sem delongas. Estão equilibrados elementos do passado com o presente da personagem, mas a trama não perde tempo com digressões, já que este não é o objetivo da edição e nem do projeto. Desta forma, vislumbramos um grande número de novidades para a Princesa Embaixadora, lembrando de detalhes essenciais do passado, mais uma lição para o roteiro bisonho e filler de Superman: Renascimento: é possível retomar um cânone de forma rápida, dando espaço para o que realmente deve ser destacado em primeiras edições e criando novos caminhos, não repisando longa e desnecessariamente trilhas que o público receberia melhor se fossem calcadas com objetividade.

O que é verdade e o que é mentira?

O que é verdade e o que é mentira?

A primeira coisa a ser levada em consideração é o tom da história, que no início marca uma reflexão humana, de tempero feminista. Diana está ajudando a desmembrar um local de prostituição onde se mantinham escravas sexuais no subúrbio de Paris. Sendo o tráfico de mulheres para fins de prostituição um dos problemas já quase esquecidos mas não menos intensos do que era antes na Europa, a colocação de Rucka para a ação da heroína foi a mais interessante possível. Percebam que todo o ato é uma luta para a libertação de mulheres mantidas em uma determinada condição que não partiu de uma escolha própria. Mentiras, ameaças e situações de uma vida que não se escolheu. Em poucas páginas, vemos a ligação entre o mundo externo das mulheres libertadas do prostíbulo e as reflexões pessoais de Diana quanto à sua origem, sua terra natal, sua mãe, sua missão e lugar no mundo.

Nos últimos anos, o tom mais sombrio e pessimista que marcou os filmes da DC Comics chegou aos quadrinhos de maneira ampla. Não que antes não existisse esse ar existencialista, fatalista e questionador dos personagens. Os quadrinhos de meados para final dos anos 80 estão repletos disso. Mas o posicionamento agora é outro, mais forte e de maior alcance. Não só com inserção de elementos de nossa realidade, sem floreios, mas também com desconstruções importantes para heróis que há décadas estão no imaginário popular.

O que Greg Rucka faz aqui percorre essa estrada. Mas ele não faz uma desconstrução vazia e forçada. A Mulher Maravilha que se questiona e que está atrás de uma verdade inconveniente, não faz nada oposto àquilo que se esperava da Mulher Maravilha até o momento mantida na ignorância — não há descaracterização de personagem aqui. Ela é honesta o bastante, heroína o bastante para enfrentar as mentiras da sociedade que lhe deu origem e pela primeira vez em sua vida, coloca em xeque os laços divinos que ligam-na ao Olimpo. É de se entender o por quê ela está enraivecida e dizendo com firmeza que algumas coisas “não importam mais”. A realidade que ela pensava existir não é exatamente uma realidade. Qualquer um teria um pequeno colapso ao descobrir isso.

Estranha em sua própria casa: há algo de podre no Reino de

Estranha em sua própria casa: há algo de podre no Reino de Themyscira.

A arte de Matthew Clark e Liam Sharp possui traços que suavizam — de maneira quase cartunesca — as representações faciais dos personagens e seguem o mesmo modelo para tornar todo o cenário um lugar convidativo, grande ironia para o tema em pauta na edição. O tralho da dupla é bom, mas alcança verdadeiro destaque na reta final, quando Diana resolve fazer uma viagem, dando início à investigação de algumas pistas recebidas. Neste momento, toda a rede de intrigas que até então era apenas uma forte sugestão para ela, se tornou verdade consumada. A grande questão é: por quê e o quê estão tentando esconder (o que quer que seja) dela? O que me agradou bastante foi o toque de dualidades de sentimento através das cores de Jeremy Colwell e Laura Martin, que investem em cores frias para o cenário ao longo da edição (azul e tons de cinza) e ao final nos apresenta um crepúsculo róseo-avermelhado, estranhamente convidativo (aqui, não só através da excelente arte, mas também das cores) e que se revela mais uma grande mentira, mostrada na forma de uma má recepção.

Diana tem agora uma grande certeza: ela estará atrás da verdade, custe o que custar. E nós, do lado de cá, ficamos curiosos para ver aonde vai dar esta busca.

Mulher Maravilha: Renascimento é uma história sobre verdade e mentira. Como ponto negativo, podemos dizer que há uma pequena dispersão do roteiro na sobreposição de realidades que vemos através do solilóquio da protagonista, mas nada que seja grave ou atrapalhe fortemente o enredo. A história é boa o bastante para se segurar no alto e também para plantar em nossa cabeça perguntas sobre os mistérios deste mundo das amazonas. Bastante propício, não é mesmo? Diana e nós acabamos de sair da Caverna. As antigas guerreiras e suas mentiras que nos aguardem.

Mulher Maravilha: Renascimento (Wonder Woman: Rebirth) — EUA, 8 de junho de 2016
Roteiro: Greg Rucka
Arte: Matthew Clark, Liam Sharp
Arte-final: Sean Parsons, Liam Sharp
Cores: Jeremy Colwell, Laura Martin
Letras: Jodi Wynne
Capas: Liam Sharp, Laura Martin
24 páginas

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