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Crítica | Nasce Uma Estrela (1937)

por Gabriel Carvalho
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“Posso olhar mais uma vez para você?”

Contém spoilers.

O nascimento de uma estrela e a derrocada de uma outra. São duas as jornadas tratadas no longa-metragem de William A. Wellman, ambas envolvendo a personagem principal da fita, Esther Blodgett (Janet Gaynor), garota moderna ansiando por uma oportunidade na terra dos sonhos, em Hollywood. O início do longa-metragem já indicava esses objetivos utópicos da garota, querendo ser alguém, quando justamente não é ninguém. O destino realmente parecia estar presente para a aspirante a, não uma atriz, mas uma estrela. A desesperança de seus entes familiares, de início, nos indigna, por contrariar esse pensamento. Ela pode ser, no final das contas, quem ela quiser, há de pensar os grandes românticos. A vontade, por outro lado, de sua avó – a simpática May Robson -, mais para frente, nos retorna uma crença nas jornadas de nossos heróis e heroínas. “Era para o meu enterro, mas acho que não vou morrer”, encanta a senhora. Como uma caminhada dessa não pode ter uma resolução harmoniosa? As economias são dadas para uma menina se tornar mulher distante de casa. Quando há de se despedir de sua neta, em pouquíssimos minutos de participação, o público entende estar diante de uma jornada de grande valor engrandecedor. Dos sonhos que se tornam realidade.

A amável avó da protagonista some de cena e esse é, provavelmente, o maior erro de Nasce Uma Estrela, porque, quando a personagem retorna, perto do inesquecível fim do longa-metragem, não mais nos importamos com ela como deveríamos. A relação se perde dentro dos mil e um desenrolares da narrativa. O enfoque passa a ser dado à história de amor entre Esther Blodgett, uma futura estrela, e Norman Maine (Fredric March), uma atual estrela. O roteiro, creditado a várias cabeças, poderia ter amarrado uma vertente com a outra, possibilitando uma retomada orgânica da senhora e das relações familiares da personagem principal, dentro do escopo maior da obra, além do narrativo. O próprio relacionamento amoroso, grande motor da peça cinematográfica, poderia ter sido engrandecido por uma passagem de volta às terras de Blodgett, esquecidas com o tempo – a morte do passado -, para que, em carne e osso, Norman Maine conseguisse argumentar à personagem da senhora o quanto amava sua esposa – passagem que ocorreu através de uma carta. No momento da sua volta, o roteiro também não concilia o retorno da personagem com diálogos suficientes a sua presença, venerável. A sensação é do piegas. O ar cômico diminui sua participação conclusiva, incoerente com o momento reflexivo do término.

Já na apresentação do interesse amoroso da protagonista, mora o começo do genial percurso trilhado por Nasce Uma Estrela, para conseguir ser esse grande brilho da arte, muito além de um dos primeiros filmes a cores nomeado à premiação máxima do cinema norte-americano. Uma das maiores obras sobre a indústria cinematográfica, sobre a indústria das celebridades e estrelas. Norman Maine – em ótima performance de Fredric March, sabendo amalgamar as tantos possibilidades de derrocadas a serem alcançados por uma estrela cinematográfica – é responsável por elevar Esther Blodgett ao estrelato. Não sejamos inocentes, essa é uma indústria perversa. Ou queremos acreditar, dentro dessa obra de completa desilusão, que quem quer algo o conquista por pura força de vontade? O sonhar permanecerá para outras oportunidades. Aqui, a ocasionalidade é o que permite o sucesso, aleatoriamente, surgir. O emprego como garçonete – oportunidade em que conhece o seu futuro amante – apenas foi concedido por intermédio de Danny McGuire (Andy Devine), ansiando por ser um diretor. Os trejeitos cômicos, nesse caso específico do ator, com esganiçada voz, são desajeitados, sem funcionar completamente. O roteiro, novamente, também se esquece do personagem, sem retomar o desejo do cineasta em ser uma estrela.

“Nasce uma estrela”, comenta Norman Maine, após ouvirmos os estrondosos aplausos do público diante do primeiro lançamento desse mais novo astro da indústria. William A. Wellman não tem verdadeiro interesse em mostrar Janet Gaynor interpretando Esther Blodgett, também interpretando. A obra não é sobre arte, mas sobre indústria. A obra é sobre pessoas tendo que mascarar seus passados para se tornarem alguém nesse meio de estrelas. Janet Gaynor, por exemplo, não se chama assim, mas Laura Gainor, assim como Esther Blodgett passa a se chamar Vicki Lester – marca lhe conferida em uma sequência bastante dinâmica e envolvente do diretor, mostrando a sua habilidade controlando uma câmera. Quando abordamos os segundos antes de alguma performance acontecer, Wellman nos assegura do controle rígido no posicionamento de uma estrela frente a uma câmera, da sua aparência frente a uma câmera. Como se deve, mais para frente, andar. O talento independe. A pressa desse encaminhamento ao estrelado é sugerida de outras formas, como quando o cineasta indica a transformação da personagem inserindo um curto segmento contendo uma publicidade do filme que estrelou com seu marido, mas realçando a mudança do nome estampando o material, do decrépito Norman Maine à juventude de Vicki Lester.

A decadência do homem que aprendeu a amar une-se a sua carreira em crescimento exponencial. Esther Blodgett acompanha o melhor e o pior de um mesmo mundo, decidindo por abrir mão desse universo quando se vê diante de algo mais importante para a sua vida: o amor. O enorme peso nas costas em alcançar o sucesso estando em um mundo no qual nem todos podem também o alcançar. A corrosão provocada por uma indústria da loteria, da moda, investida não em boas interpretações, bons filmes, mas no interesse de seu público, querendo ver os rostos mais belos, as celebridades mais educadas e incorruptíveis. Nasce Uma Estrela é uma das obras que melhor fala sobre o quão nocivo pode ser o ramo cinematográfico, quando deixa de ser sobre a arte e vem a ser sobre dinheiro, poder. Janet Gaynor é de uma capacidade magnífica como profissional da atuação, sabendo evidenciar a graciosidade refinada que o seu papel pede. Quando o seu marido acidentalmente a agride, durante uma cerimônia de premiação, a personagem sabe trabalhar o infortúnio evento, trajando uma calmaria acima de sua própria competência como ser humano, propício a se irar. Os responsáveis pela obra nunca pensam na separação como resolução para o casal, muito mais verdadeiro e coerente do que a realidade da indústria.

O diálogo entre uma estrela em ascensão e uma estrela em desilusão encontra espaço para o trágico, quando os amores revelam ter data de validade – a carreira e o romance. O histérico grito da personagem principal, enquanto desce as escadas do lugar em que velara seu marido, é extremamente doloroso. A justificativa para esse nosso sentimento em relação ao momento de infelicidade decorre da precisão com que Wellman insere, instantes antes, uma pequena cena em que o suicídio do ator é tratado de maneira debochada. “Como se escreve um agradecimento ao Pacífico?”, comenta um personagem. O diretor, além do controle de câmera, com planos inventivos, certos usos de sombras interessantes, também adota um caráter não-radialista para seu filme, usando a imagem pela imagem, sem narrar os escritos de mensagens textuais. Os espectadores embarcam no choque. As câmeras dos fotógrafos, as multidões, sempre presentes, nunca incomodaram o público. A perturbação, agora, é poderosa. Os acontecimentos da obra inspiram-se em eventos reais. A indústria fomenta uma sociedade ainda mais perigosa. Será o ciclo de um contexto criando novos mitos para substituir os antigos, que não mais importam? A memória que resta encontra-se no sobrenome de Esther – a Sra. Norman Maine.

Os sonhos, nesse instante antes da tempestade, não mais importam. A celebridade não importa, mas quem ela amou. A caminhada profissional existe, uma jovem em ascensão, mas a mesma indústria que criou uma estrela, nascida do completo nada, destruiu a pessoa que aquela garota mais se importou. A protagonista está crescendo ou está prestes a cair em decadência? Quantas estrelas daquela era deixaram de atuar após começarem a envelhecer? Quantas celebridades se renderam às drogas, ao álcool? Um homem morreu, crendo ser um atraso para uma carreira brilhante. Quantos famosos se mataram? A jornada, aqui, busca construir um sentimento de orgulho, por parte da protagonista, em relação ao seu marido. Ao mesmo tempo, uma reafirmação do universo de celebridades e economias, em toda sua tempestade de incoerências e discórdias. Quando o dinheiro, essencial para aquele início de conversa, não serve para mais nada. Uma história de amor poderosíssima, extremamente triste, que consegue dissertar sobre a indústria cinematográfica, a indústria das multidões, a arte dos populares, como muitas poucas conseguiram. Os olhos marejados de Janet Gaynor, na última cena da fita, impressionam. Um roteiro de cinema que entende ser um roteiro de cinema, justamente por falar sobre os bastidores do cinema.

Nasce Uma Estrela (A Star Is Born) – EUA, 1937
Direção: William A. Wellman
Roteiro: Dorothy Parker, Alan Campbell, Robert Carson, William A. Wellman, Ben Hecht, David O. Selznick
Elenco: Janet Gaynor, Fredric March, Adolphe Menjou, May Robson, Andy Devine, Lionel Stander, Owen Moore, Peggy Wood, Elizabeth Jenns, Edgar Kennedy, J.C. Nugent, Guinn Williams
Duração: 111 min.

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