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Crítica | No Andar de Baixo

por Guilherme Coral
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estrelas 4

O quanto a paranoia pode nos governar? No fim, é tudo coisa de nossas cabeças mesmo ou só estamos enxergando algo que ninguém mais vê? No Andar de Baixo, primeiro longa-metragem do diretor David Farr, responsável por escrever alguns episódios de The Night Manager, nos traz justamente essa questão em um thriller psicológico que fica cada vez mais angustiante conforme a narrativa se desenrola. Temos aqui uma obra que lida com assuntos bastantes pesados, que não tem medo de deixar o espectador indignado e com seu olhar vidrado na tela a todo e qualquer instante.

A trama gira em torno de Kate (Clémence Poésy, a Fleu Delacour da franquia Harry Potter), uma mulher grávida que vive com seu marido, Justin (Stephen Campbell Moore), e que acabara de receber os novos vizinhos do andar debaixo de sua casa. A esposa desse casal novo na Inglaterra, Theresa (Laura Birn), também grávida, acaba se relacionando imediatamente com a protagonista, mas, em um fatídico jantar de boas-vindas um acidente a faz perder o bebê, gerando uma revolta desses vizinhos em relação a Kate e Justin e o fato de Jon (David Morrissey, o Governador de The Walking Dead), que iria ser pai, demonstrar um comportamento bastante suspeito e até hostil não ajuda a crescente paranoia da personagem principal, que acredita que eles tramam algo para sua família ou especificamente para seu filho.

A trama procede de forma bastante previsível a partir do choque que catalisa toda a problemática da narrativa. O roteiro de David Farr prefere seguir pelo caminho já trilhado por muitos outros e aposta em focar no psicológico de Kate. Essa é a escolha que faz de No Andar de Baixo uma história tão angustiante – em nenhum momento temos a completa certeza se, de fato, estamos apenas diante da paranoia da protagonista ou da assustadora realidade.

Morrisey é uma das peças chave aqui para criar toda essa atmosfera de tensão. Há algo em sua voz que automaticamente nos faz suspeitar dele, por mais que muitas vezes ele aparente ser atencioso ou educado com seus vizinhos. Desde sua primeira aparição seus diálogos são escritos sempre com um duplo significado e há uma agressividade contida no personagem. Isso é apenas mais intensificado quando enxergamos sua esposa, que aparenta ser uma vítima dentro daquela relação que soa abusiva – as taças de vinho que toma escondida nos primeiros trechos demonstram isso. Conforme progredimos no filme, porém, o que tomávamos como verdade é desconstruído e passamos a suspeitar dos dois.

Mas é só suspeita, pois Justin está presente na obra justamente para criar a dúvida em nós e na protagonista, criando uma instabilidade psicológica em Kate que chega a ser palpável. Não há como não exaltar o ótimo trabalho que Poésy desempenha aqui e é gratificante enxergar o quanto a atriz cresceu profissionalmente desde os tempos de Harry Potter e o Cálice de Fogo. Há uma mudança assustadora em seu olhar e seu medo é completamente transmitido para nós – sabemos que algo de ruim irá acontecer e felizmente, mesmo com a previsibilidade, alguns aspectos do desfecho conseguem ainda nos chocar, por mais que ele conte com uma certa dose de didatismo que poderia ser facilmente contornado.

Um aspecto que muito ajuda a construir esse tom de ameaça é a trilha sonora de Adem Ilhan, que já trabalhara no ótimo In the Loop. O compositor insere melodias pontuais, que perfeitamente espelham os sentimentos da protagonista – não há uma constatação do óbvio em suas músicas, não são colocadas deixas para sentirmos algo, ele apenas complementa a imagem de forma orgânica e ajuda a moldar a atmosfera criada pelo que vemos na tela, criando uma harmonia ideal entre som e imagem.

Mesmo com sua previsibilidade, No Andar de Baixo prova ser um eficaz thriller psicológico, que nos envolve em uma atmosfera de tensão, que apenas cresce conforme a trama progride. Com ótimas atuações e um roteiro que sabe trabalhar o psicológico de seus personagens, temos aqui um filme que consegue nos chocar e nos manter vidrados na tela do início ao fim da projeção. David Farr inicia sua carreira no cinema de ótima maneira, com um filme simples, mas intenso e, desde já, nos deixa ansiosos pelas suas futuras obras.

No Andar de Baixo (The Ones Below) – Reino Unido, 2015
Direção: 
David Farr
Roteiro: David Farr
Elenco: Clémence Poésy, David Morrissey, Stephen Campbell Moore, Laura Birn, Deborah Findlay
Duração: 87 min.

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