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Crítica | Norman McLaren: Espaços e Luzes

por Luiz Santiago
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O que acontece entre um fotograma e outro é mais importante do que acontece em cada fotograma.
Norman McLaren

Espaço e Luzes é o primeiro volume da coletânea de curtas do diretor Norman McLaren lançados pela Magnus Opus. Os filmes desse volume abordam de uma maneira geral os experimentos de contexto fotográfico e espacial. Para abordar detalhadamente essa parte da obra, optei por fazer uma pequena crítica para alguns dos curtas, ao invés de tecer uma opinião geral sobre todos eles, o que seria bastante reducionista e generalizador.

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7 Till 5 (1933)

Norman McLaren estreou no cinema com um documentário de doze minutos intitulado Seven Till Five. O curta retrata um dia inteiro na vida dos estudantes da Glasgow School of Art, onde o diretor gradou-se em Design. A forte influência do formalismo russo e o modelo eisensteiniano de filmagem e montagem dão o tom humanista do filme e abre muitas janelas dialéticas para leituras e interpretações sociais e artísticas. O trabalho de homens e mulheres em diferentes setores de produção e ocupação artísticas pode ser apreciado pelo espectador. Escultura, olaria, pintura, imprensa, tecelagem, dentre muitos outros cursos são filmados em momentos diferentes do dia, pontualmente marcados pelo relógio e pelo sinal de aviso das refeições e do final do período letivo. A experimentação da montagem é um tanto fantástica, sugestiva, e como já dissemos, dialética. Um filme de ritmo maravilhoso e temática genialmente trabalhada. Norman McLaren estreia com o pé direito na Sétima Arte.

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Love on the Wing (1938)

Com plano de fundo semelhante a alguns quadros de Dalí, o curta trabalha uma série de formas que se alteram constantemente, todas elas nos dando a noção das idas e vindas das palavras, da comunicação, do amor, dos relacionamentos, etc. É uma animação interessante porque descaracteriza um ambiente com traços bonitos e coloridos para uma quase animação em sombras sobre um cenário fixo ao fundo: a animação foi pintada diretamente na película, e foi, na verdade, uma propaganda feita para o Correio canadense, que acabou sendo vetada pelo conteúdo “Freudiano demais”. O fato é que a história de amor que se desenrola na tela é realmente pontuada pelas pulsões de vida e de morte teorizadas pelo pai da psicanálise. Observamos a forte ligação de momentos da animação com a música, algo que o diretor procura fazer sempre que possível em seus filmes. Embora um pouco estranho, o curta tem sua graça. As formas que ganham novas características e tamanhos possuem um dinamismo de alteração tão bons e tão divertidos, que é impossível não ser minimamente tocado por sua graça.

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C’est L’aviron (1944)

Com base na canção tradicional francesa que dá título ao filme, McLaren ilustra o curta mixando técnicas diferentes de animação. As imagens progridem na tela à medida que o barco navega e nuvens de pensamentos flutuam, revelando o desejo dos homens que estão no barco. Algo interessante é que o diretor optou pela posição subjetiva que compreende todo o filme. Vemos apenas a proa do barco, porém jamais vemos os navegadores. Cria-se a partir daí uma imagem deles, que pode ou não ser aqueles projeções oníricas suspensas na tela. Uma ilustração de recorte e imagens fixas, C’est L’aviron tem toda a graça de um filme sobre uma canção tradicional.

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A Little Phantasy on a 19th-century Painting (1946)

Baseado nas cinco versões do quadro Isle of Death, do pintor simbolista Arnold Böcklin, McLaren brinca com a possibilidade de assombrações e motivos lendários da morte nesse curta metragem encantador. O grande foco do diretor é o trabalho de iluminação, presente nas pinturas e que ele retrabalha no filme em fotografia preto e branco. Além disso, as animações contam com uma intrigante técnica em sfumato, e o jogo inteligentíssimo de luz e sombras retratam não só a passagem do tempo como a aparição e o desaparecimento de seres e criaturas na Ilha da Morte. Não só por trabalhar com um motivo imagético fixo, mas por torná-lo dinâmico e recriá-lo em diversas nuances artísticas, esse curta-metragem merece não só o aplauso de cinéfilos, mas também de admiradores das Artes Plásticas.

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La Poulette Grise (1947)

Também baseada em uma canção tradicional (infantil), essa animação é uma das mais lindas do diretor apresentadas neste volume. A música é nostálgica e triste, como uma música country de lembranças do passado e de situações fabulares. A cada estrofe, uma galinha  é apresentada com sua cor específica (como na canção) e a animação segue um modelo de arte para cada uma delas. Uma experiência bela a emocionante, e ainda por cima, que nos remete ao dilema da criação, em especial, do Universo, como uma série de ovos prenhes de vida e cor. Um filme simplesmente maravilhoso!

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A Phantasy (1952)

Um estudo de formas em tons pasteis embalados por um ótimo saxofone: essa é a fantasia do curta-metragem. O filme é um tanto irregular, porque modifica o cenário em dado momento para uma espécie de “dança das esferas”, um momento de animação muito interessante, especialmente na sua ligação sincrônica com a música, mas que ficou à parte do filme, sem muito sentido de existir. As outras duas partes do cenário digno de ser comparado com algumas pinturas de Salvador Dalí, são as partes realmente inventivas, com a inclusão de elementos fantásticos e simbólicos, todos eles trabalhados com influência da cor e da luz. Não é um dos melhores de McLaren, mas é um filme muito interessante.

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Blinkity Blank (1955)

O curta é um musical animado que dentro de uma narrativa surrealista de desenhos sobre um fundo preto, conta a história de dois pássaros que se chocam e geram um ovo. Os desenhos foram concebidos através do efeito de metamorfose, onde o diretor riscou uma película preta com agulhas e lâminas para obter as formas que vemos na tela. Assim como no curta A Phantasy, há sincronia entre imagem e som, mas dessa vez a intenção é clara, e conforme o tempo avança, os desenhos se tornam maiores e as variações musicais mais engraçadas e melhor relacionadas. Uma ótima relação entre desenho e música, especialmente na edição e escolha de animação para cada instrumento e frase musical. Vale muito a pena conferir.

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Spheres (1969)

No curta-metragem A Phantasy, o diretor usou um número de esferas, algo totalmente desconexo do ambiente surrealista que ele criara para aquele espaço. Nesse curta de 1969, a situação é outra. Ele usa o mesmo número trecho criado para o filme de 52, mas inventa uma “dança” inteira para essas formas, sob o piano de Bach. Spheres é uma animação sincrônica e simétrica deliciosa de se apreciar.

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