Home FilmesCríticas Crítica | O Apartamento (2016)

Crítica | O Apartamento (2016)

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

Desabamento. Em diferentes camadas, é disso que se trata O Apartamento (2016), do diretor iraniano Asghar Farhadi, que assinou os excelentes A Separação (2011) e O Passado (2013). Logo no início da obra, depois que vemos luzes sendo acendidas em um palco de teatro, há um corte para pessoas sendo evacuadas de um prédio, por risco de desabamento. Entre essas pessoas estão o casal Emad (Shahab Hosseini), professor de literatura e ator, e sua esposa, a atriz Rana (Taraneh Alidoosti). Por intermédio de um amigo da Companhia de Teatro, eles conseguirão um apartamento, ao menos temporariamente. É nesse novo lar que o terror e o abalo de outras estruturas na vida da dupla irão acontecer.

Percebemos desde o início uma atmosfera de intimidade na obra. A dupla de protagonistas nos é apresentada como um casal feliz e, ao menos nos primeiros minutos, a força silenciadora da sociedade iraniana em relação à mulher está quase invisível ou não ataca como atacará mais para frente, usando Emad como defensor da (sua?) honra e da mulher que, após ter a casa invadida, ser agredida e violentada (isso nunca é dito exatamente no filme, apenas fortemente sugerido), tem medo de ir à polícia, responder perguntas como “por que você deixou ele entrar?” e outros inconvenientes para uma sociedade onde “o sexo frágil” apenas deve aceitar suas desgraças, silenciar-se e superar. Rana quer esquecer, apesar da dor e do trauma. Emad, por ele e também por amor à esposa, não deixará isso acontecer.

O tema é conceitualmente simples, mas abordado de forma complexa, através de um patamar moral, ético, social e religioso que algumas vezes são maiores que os próprios personagens e outras vezes dão lugar à emoção das vítimas, do agressor e dos que estão mais próximos deles. Interessante notar que uma obra com esta temática tenha vindo da mesma safra que Elle (2016), de Paul Verhoeven. A mulher subjugada, amedrontada, mas rapidamente consciente de sua posição diante do problema. No caso de Elle, há elementos psicológicos e familiares profundos a serem considerados, o que não é o caso de Rana, em O Apartamento. Sua recuperação é quase uma obrigatoriedade de ordem social. Ela é mais forte do que parece, mas antes mesmo de se curar por completo, deverá lidar com os seus problemas e o ego ferido do marido.

É preciso tomar cuidado ao pensar sobre esses pontos. Emad não está errado no princípio moral de sua postura, o diretor não quis sugerir isso. Mas é fato que ele adota uma posição de algoz que nem a vítima do caso entende muito bem. Em dado momento, Rana não reconhece mais o esposo que ama. Ela vê um homem aflito e atormentado, sem saber quais caminhos deve seguir, optando pelo mais socialmente correto (para os padrões de sua sociedade), que é humilhar o agressor publicamente. Vejam que isso é sugerido diversas vezes ao longo da fita. E ao descobrir quem foi que entrou em sua casa, ele toma a iniciativa de destruir a vítima diante de sua família. Para a sociedade iraniana, algo muito pior do que se o caso fosse à polícia.

A intertextualidade com A Morte do Caixeiro Viajante e as representações de papeis dentro e fora dos palcos (um influenciando o outro), são as marcas finais desse casal, que tem interpretações aplaudíveis de Hosseini e Alidoosti. A direção de Asghar Farhadi é crua e fluída, em tom de crônica (salientada pela montagem), com diálogos que vão sempre direto ao ponto e não dão voltas para adicionar tramas paralelas, pois tudo é organicamente ligado ao problema central. A “demolição” dos relacionamentos e da vida vai acontecendo aos poucos. Mudanças no figurino e nos olhares dos protagonistas denotam o desgaste. Ao final, cada um olhando para um espelho de si mesmo, separados e ao mesmo tempos juntos, deverão conviver com o que sobrou da antiga estrutura. Emad enfim percebe que algumas coisas demolidas não podem mais ser reconstruídas. É necessário ressignificar os escombros e aprender o que fazer com o novo lugar.

O Apartamento (Forushande) — Irã, França, 2016
Direção: Asghar Farhadi
Roteiro: Asghar Farhadi
Elenco: Shahab Hosseini, Taraneh Alidoosti, Babak Karimi, Mina Sadati, Farid Sajjadi Hosseini, Shirin Aghakashi, Mehdi Koushki, Ehteram Boroumand, Sam Valipour, Maral Bani Adam, Mojtaba Pirzadeh, Sahra Asadollahe, Emad Emami
Duração: 125 min.

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