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Crítica | O Bandido da Luz Vermelha

por Fernando Campos
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Na década de 50, surgiu o Cinema Novo Brasileiro, inspirado diretamente pelo neorrealismo italiano e nouvelle vague francesa. Durante mais de 10 anos, esse movimento cinematográfico, que tinha como um de seus principais nomes o mestre Glauber Rocha, foi o maior respiro artístico do cinema nacional. Contudo, com a chegada do regime militar e sua estúpida censura, o Cinema Novo perdeu força, resultando no surgimento de outra vertente, o Cinema Marginal, que buscava questionar a linguagem cinematográfica praticada até então. O primeiro trabalho dessa safra de novos diretores a ser amplamente aclamado por público e crítica, foi O Bandido da Luz Vermelha, sendo um divisor de águas na história do cinema brasileiro.

O longa inspira-se livremente na história de um assaltante misterioso (Paulo Villaça), conhecido como o bandido da luz vermelha, que usa técnicas extravagantes para roubar casas luxuosas de São Paulo. No entanto, seus roubos e crimes chamam tanta atenção da mídia que o implacável delegado Cabeção (Luiz Linhares) começa a perseguir o famoso ladrão.

A grande diferença de O Bandido da Luz Vermelha, ícone do Cinema Marginal, para o que vinha sendo praticado, é a maneira direta com que a obra dialoga com o público. A estratégia para essa conversação é a mais inteligente possível, optando por narrações em off de personagens, inserindo-nos dentro de suas mentes, mas, principalmente, pela utilização de locutores de rádio, uma vez que não há nada que o público esteja mais habituado a ouvir do que a linguagem midiática. Inclusive, esta era a grande crítica que os cineastas do Cinema Marginal faziam ao Cinema Novo, dizendo que de nada adiantava inspirar-se no cinema europeu, se o público brasileiro não entendesse a abordagem.

Contudo, em vez de construir sua narrativa com realismo, a obra de Rogério Sganzerla, diretor e roteirista do longa, é um verdadeiro deboche. Portanto, repare como os narradores de rádio discursam com um tom exagerado, utilizando das frases mais sensacionalistas possíveis, como se referir ao país como “um lixo sem limites, senhoras e senhores”. Por causa dessa estratégia, o elenco cria composições extremamente caricaturais, daí temos o bandido charmoso, o político corrupto que finge ser honesto, o jornalista sensacionalista, a prostituta e o policial implacável, dando um tom satírico ao longa.

Esse exagero todo é utilizado, principalmente, para criar uma crítica social forte, direta e contundente. Aliás, não espere aqui uma cinebiografia fiel do bandido da luz vermelha. A intenção da obra não é essa e, inclusive, o destino do protagonista é completamente diferente do que ocorreu na realidade, uma liberdade artística que Sganzerla toma para criar uma conclusão coerente com a temática do longa, destacando como, seja mocinho ou bandido, no fim, o destino dos cidadãos de “terceiro mundo” é o mesmo. Falando em terceiro mundo, esse termo é bastante utilizado na obra, algo que, inclusive, seria marca do Cinema Marginal.

O filme ainda destaca como a mídia marginaliza os mais pobres através de cenas que, de tão atemporais, parecem ter sido tiradas diretamente de algum programa policial atual, como no momento que um apresentador de TV diz “somos favoráveis à pena de morte, em favor da sociedade, porque a grande família paulistana sabe que pouco ou quase nada podem oferecer por elas” (troque família paulistana por família tradicional e temos um frase que poderia facilmente ser dita em grupos conservadores por aí).

Além disso, o longa também mostra como a mídia sobrevive da tragédia, crimes, assassinatos e pobreza de alguns, como na fala do editor de um jornal, pedindo uma morte para colocar na primeira página, ou no discurso de um político, dizendo “um país sem miséria, é um país sem folclore e sem folclore o que vamos mostrar aos turistas?”. Baseado nesses dois fatores, o roteiro de Sganzerla expõe como o sensacionalismo praticado pelos veículos midiáticos incentivam que os menos favorecidos busquem soluções extremas para ganharem algum espaço na sociedade, como o próprio protagonista comenta, “eu só queria ser famoso”.

Visando apresentar essas ideias, a obra, intencionalmente, abandona qualquer convenção narrativa, ou seja, não se preocupa em desenvolver personagens ou criar arcos dramáticos bem dosados, apesar de a trama do protagonista ser bem construída, a seu modo, destacando como ele se destruiu aos poucos e pagou por sua ingenuidade. Porém, a verdadeira intenção aqui é instigar o público, e um dos recursos utilizados para isso é a edição, inserindo um ritmo dinâmico ao longa e dando o tom caótico do terceiro mundo. Aliás, para criar uma estética de terceiro mundo, Sganzerla inteligentemente utiliza cenários sujos, que remetem ao lixo e uma câmera sempre inquieta, seguindo o protagonista, que destaca seu jeito perturbado.

No terceiro ato da película, os locutores de rádio narram uma suposta aparição de OVNIs no Brasil, comentando “só um milagre pode nos salvar do extermínio total”, uma perfeita alegoria da maneira que a elite enxerga os “favelados”, termo que o próprio protagonista utiliza para se definir, ou seja, quando os mais pobres descem do morro, os mais privilegiados se incomodam, tratam-nos como uma ameaça, como diz o narrador em outro momento, “é a invasão dos bárbaros”. Mas, como o próprio bandido da luz vermelha diz, ao término do filme, “sozinho a gente não vale nada, e daí?”.

O Bandido da Luz Vermelha — Brasil, 1968
Direção: Rogério Sganzerla
Roteiro: Rogério Sganzerla
Elenco: Paulo Villaça, Helena Ignez, Sérgio Hingst, Luiz Linhares, Sônia Braga, Ítala Nandi,  Hélio Aguiar, Mara Duval, Pagano Sobrinho, Roberto Luna, Sérgio Mamberti, Renato Consorte, Maurice Capovilla, Miriam Mehler
Duração: 92 min

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