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Crítica | O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos

por Daniel Tristao
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Howard Phillips Lovecraft, ou simplesmente H.P. Lovecraft, é um dos maiores e mais influentes autores da literatura de terror de todos os tempos. Nascido na cidade de Providence, nos EUA, em 1890, suas criações foram publicadas originalmente ao longo das décadas de vinte e trinta. O panteão de deuses cósmicos ancestrais formado por entidades como Cthulhu, Azathoth, Nyarlathotep e Yog-Sothoth, além de outros elementos como a cidade mítica de R’lyeh e o livro maldito Necronomicon, são algumas de suas criações mais famosas, citadas em vários de seus contos. O conjunto da sua obra, conhecido como mitologia de Cthulhu, vem influenciando autores de diversos meios artísticos até os dias atuais.

É este vasto universo que serve de inspiração para a adaptação objeto desta crítica, O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos. Mais uma publicação da Editora Draco, somente com artistas nacionais, aqui o verde é a cor predominante ao longo dos oito contos que compõem o volume. Esta trilogia temática da editora tem um aspecto característico, presente em todos os volumes: a busca pela diversificação. A utilização de abordagens e contextos diferentes para um conceito já existente é uma tentativa de trazer criatividade para as histórias. Já vimos isso no Rei Amarelo e em Demônios da Goetia, o que é louvável, pois não limita os artistas a criarem histórias com a mesma fórmula daquelas já produzidas pelos autores originais ou em outras mídias. Além disso, corre-se o sério (e prazeroso) risco de se revitalizar um conceito que talvez fosse considerado já explorado ao seu máximo. Pode parecer presunção demais querer fazer algo melhor do que Lovecraft fez em seu próprio universo, mas é assim que a arte funciona, através de obras e mídias que influenciam e enriquecem umas às outras.

No entanto, talvez devido à extensão do legado deixado por Lovecraft, parece ser um pouco mais difícil trazer algum frescor a novas adaptações da mitologia de Cthulhu. Desta forma, boa parte dos contos desta coletânea segue as fórmulas já consagradas deste universo: o mal que vem de fora na forma de fenômenos estranhos e assolam uma cidade pequena, a curiosidade de pesquisadores ou exploradores que vão até onde o perigo se encontra, o famoso culto a uma religião que reverencia os Grandes Anciões ou uma combinação de mais de um destes elementos. Desta forma, os contos Sob a Insana Luz, Clhithmaek’ tyvh e O que Dorme trazem mais do mesmo aos leitores já iniciados, a ponto de lhes faltar criatividade até para contextualizar as histórias, já que são versões sintetizadas de clássicos como A Cor que Caiu do Espaço, A Sombra de Innsmouth ou Horror em Dunwich. No entanto, quem nunca leu nada do trabalho de Lovecraft certamente vai apreciar a experiência, já que os contos acima citados de fato carregam a essência dos textos pelos quais foram inspirados.

No entanto, algumas outras histórias da coletânea apresentam-se disfuncionais por motivos diversos. Em Macio, a população de uma cidade inteira é acometida por um surto de pústulas que surgem pelo corpo das pessoas, do dia para a noite. Paralelamente, há um mistério envolvendo o assassinato de uma família. Apesar do tema pesado, o texto, simplório e direto demais, não dá à narrativa a consistência necessária para acompanhar a temática. Os desenhos, de traços limpos e joviais, apesar de retratarem algumas cenas fortes, emprestam à história um aspecto mais leve do que deveria ter.

Mais um culto em reverência a Cthulhu

Mais um culto em reverência a Cthulhu.

Já em O Caso da Truta Salmonada, vemos um entregador deixando num restaurante o ingrediente principal para o prato especial da casa, polvo. Após a sua chegada, clientes com aparência de peixe começam a aparecer, como se atraídos pela energia oriunda da iguaria. Aqui, apesar do comportamento estranho das pessoas afetadas, a narrativa evolui de forma a gerar expectativa de que algo terrível aconteça, mas, na verdade, nenhuma horrível ameaça é de fato concretizada. O final do conto acaba não revelando nenhum horror “lovecraftiano” indescritível demais para ser relatado.

Os Tambores de Azathoth relaciona de forma criativa a história do famoso Projeto Manhattan a uma motivação fantasiosa baseada na mitologia de Cthulhu, conduzida por uma conveniente explanação teórica realizada por ninguém menos que Aleister Crowley. Neste caso, uma abordagem menos didática com certeza deixaria a trama mais envolvente, uma vez que não há mistério algum na história. O seu final categórico chega a ser desconcertante para quem esperava ao menos um final em aberto para salvar o conto.

O Salmo do Sangue Antigo e A língua da Fé são os dois que mais se destacam no volume, pois alcançam maior êxito na sua construção e conclusão. O primeiro fala de um rapaz que tem pesadelos com a presença de um amigo falecido e, por isso, decide visitar a mãe do morto, que hoje vive sozinha. Esta história tem um detalhe que permite ao conto ser interpretado de duas formas diferentes, uma literal e outra nem tanto. Já o segundo é sobre um homem fracassado, sem emprego e abandonado pela família, que espera encontrar salvação ao se filiar a uma religião que promete, pela televisão, novas oportunidades e renovação da fé. Na verdade, o que ele e sua família encontram é um desespero ainda maior, mas é interessante a forma como as coisas parecem melhorar e depois degringolam.

O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos acaba sendo um bom início para quem nunca ouviu falar da mitologia “lovecraftiana” mas deseja se aventurar pelas montanhas da loucura. Quem já é fã da obra original e inclusive já teve contato com outras adaptações em diversas mídias, não encontrará nenhuma grande novidade aqui. No entanto, não deixa de ser uma iniciativa corajosa da editora, que já teve muito sucesso nas outras duas publicações da mesma linha (Rei Amarelo e em Demônios da Goetia).

O Despertar de Cthulhu em Quadrinhos (Brasil, 2016)
Editora: Draco
Roteiros: Dudu Torres, Antonio Tadeu, Airton Marinho, Caiuã Araújo, Lucas Pereira, Raphael Fernandes, Jun Sugiyama, Bárbara Garcia
Desenhos: Dudu Torres, Lucas Pereira, Lucas Chewie, Fabrício Bohrer, Marcio de Castro, Samuel Bono, Hilton P. Rocha, Daniel Bretas, Elias Aquino
Capa: João Pirolla
Organização: Raphael Fernandes
168 páginas

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