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Crítica | O Diário de uma Camareira

por Ritter Fan
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O Diário de uma Camareira marca a volta definitiva de Luis Buñuel às produções francesas, depois de quase 20 anos no México, em que pode aproveitar a “Era de Ouro” das produções naquele país e ele mesmo criar obras-primas. Seu retorno à França, para trabalhar com o roteirista Jean-Claude Carrière e com o produtor Serge Silberman, fecha o círculo da carreira de Buñuel de maneira muito poética, pois ele não só volta às suas origens (Um Cão Andaluz e A Idade do Ouro foram produções francesas), como passa a criar – como já vinha criando, com O Anjo Exterminador e Viridiana – um conjunto de obras-primas pelas quais ingressaria no panteão dos melhores diretores que já viveram.

Baseado em romance de Octave Mirbeau, de 1900, O Diário de uma Camareira já havia sido adaptado, em Hollywood, por Jean Renoir, em 1946, sob o nome The Diary of a Chambermaid que, no Brasil, foi rebatizado de Segredos de Alcova. O trabalho de Buñuel e de Carrière, no roteiro, foi extenso, fazendo com que o filme ficasse mais próximo ao romance do que a versão de Renoir. No entanto, apesar de ser uma ótima fita e cheia de pequenos detalhes que podemos esperar de um filme de Buñuel (o fetiche com as botas está no livro, mas sob a batuta de Buñuel ganha contornos ainda mais doentios), mas que não é um retorno à sua forma surrealista.

O Diário de uma Camareira é um filme bastante direto do diretor espanhol. A obra conta a história de Céléstine (Jeanne Moreau), uma camareira parisiense que vai trabalhar para uma família rica e decadente, no interior da França. Seus hábitos sofisticados contrastam com os hábitos rasteiros da família rica metida a besta. Mais para a frente no filme, com o devido tempo para nos adaptarmos aos personagens, um horrível assassinato acontece e a camareira parece ser a única que se importa e, do seu jeito, vai ao encalço do assassino.

Mas o que interessa não é exatamente o assassinato. A família decadente – ou a riqueza decadente – é, mais uma vez, o centro das atenções de Buñuel. O patriarca (Jean Ozenne) é tarado por mulheres calçadas em botas sujas de couro e salto alto. A filha do patriarca (Françoise Lugagne), uma senhora chata encalhada e frígida, compensa sua vida insuportável regendo a casa com mão de ferro e preocupando-se com detalhes absurdos. O marido da filha (Michel Piccoli) só quer saber de ciscar as empregadas e de caçar, além de brigar com o vizinho que tem mania de jogar o lixo por cima do muro, bem no terreno deles.

Os empregados da família rica, porém, também não escapam aos olhos de Buñuel. Ele mostra a fofocagem que eles fazem dos patrões, a maldade de uns em determinados momentos e a fascinação que têm pela sofisticada camareira, vinda da mítica “cidade grande”. Por fim, os métodos “investigativos” de Céléstine também são detalhados e vê-se ao ponto que ela pode chegar para colocar o culpado atrás das grades.

Buñuel filma tudo isso em um notável preto-e-branco cheio de nuances, com uma decoração de interiores impressionante, bem diferente de outros filmes dele que, por questões de orçamento, sofreram nessa área. Também, quando necessário para envolver o espectador na ação, faz bom uso de câmera frenética, que acompanha os personagens em cada movimento.

O longa, no entanto, demora a decolar e o assassinato acaba ocorrendo em momento adiantado demais na trama, deixando pouco tempo para Céléstine pegar o bandido. Além disso, várias situações simultâneas, como a briga dos vizinhos perante um Juiz, a paixão do coronel vizinho pela camareira e outras, acabam sobrecarregando o desfecho do filme que é para lá de pessimista e frio, o que, definitivamente, não é um ponto negativo, diga-se de passagem.

O Diário de uma Camareira funciona como mais uma crítica social de Buñuel trabalhada dentro de um contexto com muito exotismo, com Jeanne Moreau realmente agarrando-se à sua personagem. Apesar de ser muito bom, é, em termos comparativos, sem dúvida uma espécie de “ponto baixo” na fileira de clássicos inesquecíveis que o mestre começara em 1961 com Viridiana e que só terminaria no final de sua carreira, em 1977, com Esse Obscuro Objeto do Desejo.

  • Crítica originalmente publicada em 09 de dezembro de 2013. Revisada para republicação em 08/08/2020, em comemoração aos 120 anos de nascimento do diretor e da elaboração da versão definitiva de seu Especial aqui no Plano Crítico.

O Diário de uma Camareira (Le Journal d’une Femme de Chambre, França/Itália – 1964)
Direção: Luis Buñuel
Roteiro: Luis Buñuel, Jean-Claude Carrière, Octave Mirbeau (romance)
Elenco: Jeanne Moreau, Georges Géret, Michel Piccoli, Françoise Lugagne, Jean Ozenne, Daniel Invernel, Gilberte Géniat, Bernard Musson, Dominique Sauvage
Duração: 94 min.

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