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Crítica | O Drama de Dunquerque (1958)

por Luiz Santiago
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estrelas 3

De todos os momentos da 2ª Guerra Mundial, a Batalha de Dunquerque e, mais especificamente, a Operação Dínamo (também chamada por Evacuação de Dunquerque ou, de maneira romântica, de Milagre de Dunquerque) estão entre os acontecimentos mais difíceis de se verem retratados no cinema. E notem que a Segunda Guerra é o período histórico que mais material gerou para a Sétima Arte, ao lado da Idade Média e da Guerra Fria.

Mas existe, é claro, um bom motivo para este afastamento do tema. E esse motivo é o resultado da operação. Embora seja um impulso vermos como “milagre” o que ocorreu nas praias de Dunquerque, França, entre 26 de maio e 4 junho de 1940 (bem no começo da guerra, que só se iniciara, de fato, naquele mês de maio, a despeito de a declaração ter sido feita em setembro de 1939), o evento foi um grande desastre para os aliados, sob diversos aspectos.

Como consequência, toda a porção norte e em pouco tempo, todo o oeste do território francês caiu nas mãos dos nazistas, logo na primeira fase da ocupação; pouco mais de 68 mil britânicos mortos ou capturados e estima-se que mais de 200 mil franceses tenham perecido na ocasião; isso sem contar tanques, aeronaves, destróieres e outros veículos de guerra destruídos pelos nazistas. Por parte dos alemães, houve pouco mais de 27 mil mortos e pouco mais 111 mil feridos. O número de soldados que conseguiram ser resgatados pelos aliados foi de 338.226. Os números falam por si mesmos. Mas o que ficou naquele período da guerra, o “Mito de Dunquerque” e o que historicamente se perpetrou foi a ideia de trabalho, união, esperança, sacrifício e gratidão pelos milhares salvos, apesar do recuo militar e da quantidade de mortos, em comparação aos números do inimigo.

Expor isso em um filme, dentro de um contexto historicamente válido ou similar aos fatos não é fácil. Para qualquer um que tem o mínimo de bom senso e conhecimento de História sabe que existem períodos ou passagens para os quais não há respostas simples ou diretas. Há contextos, algo que impacientes e afeitos a simplificações ignoram, pegam as linhas da versão que mais lhes agradam e propagam, como verdade absoluta. Triste fim. Por isso é que os fatos de Dunquerque não ganharam tantas versões para o cinema como outros eventos do mesmo período. A dificuldade técnica e orçamentária de mostrar as operações militares que incluem forças por terra, ar e mar e a dificuldade de contextualizar os fatos e aderir de maneira mais orgânica possível à mensagem final de esperança, certamente assustaram muitos diretores e roteiristas.

No caso desta dramatização de 1958, no entanto, David Divine e W.P. Lipscomb, baseados nos livros The Big Pick-Up, de Trevor Dudley Smith e Dunkirk, do Tenente Ewan Butler e do Major J.S. Bradford, consideraram praticamente todas as principais linhas de eventos, mas pela forma como o roteiro da dupla foi construído, pouco sobrou de interessante no filme. Das 2 horas e 14 minutos de duração, apenas os 40 minutos finais foram realmente destinados à guerra, embora isto, assim como as mudanças e falta de veracidade histórica aqui e ali, não sejam os problemas da obra. Se o filme não é um documentário, a retratação é plenamente aberta a mudanças, afinal, o lado fictício do drama só está utilizando a História como inspiração. Cobrar algo além disso é ser bastante ingênuo.

O real problema aqui, é que o enredo não se decide que linha narrativa adotar; não tem um sólido foco de construção de personagens e sofre muitíssimo nas mãos da montagem, que é irresponsável a ponto de confundir o espectador sobre qual ponto de vista  a trama adota. Como todo mundo fala inglês no filme e não há indicações de saturação na fotografia ou mesmo elementos de imediata identificação, o público passa algum tempo tentando entender se determinada passagem ocorre na França ou no Reino Unido. E, para piorar, o drama dos soldados que acompanhamos a maior parte do tempo é totalmente diluído no horror mostrado na reta final, esta sim, bem estruturada a maior parte do tempo, com poucos cortes para cenas desnecessárias, além de conter as melhores tomadas, a melhor atuação da fotografia (destaque para as incríveis cenas noturas, inspiradas em Sem Novidade no Front), a melhor aplicação da trilha sonora e a melhor atuação da montagem em toda a película.

O trabalho do diretor Leslie Norman funciona muito bem com a captura de grandes paisagens ou de planos compostos. Há sequências, como a dos soldados na casa de campo, à noite; ou em toda a fase da praia de Dunquerque, que mostram um grande esforço do diretor para mostrar os impactos daquele acontecimento, tanto no número de soldados quanto nas perdas e na chegada das forças de resgate. É uma pena, porém, que a base para essa sequência final seja bastante falha e não tenha exatamente ajuda do elenco, que não está em boa forma.

Ainda assim, a obra é muito válida pelos ótimos 40 minutos finais e por nos dar a sensação de criação do famoso mito de guerra. A despeito de todas as adversidades, é tocante o esforço humano nesta ocasião, dos “Little Ships” (embarcações civis enviadas para reforçar a evacuação) à ajuda dos próprios soldados e sacrifício daqueles que ficaram na praia para permitir que outros pudessem embarcar e voltar para casa. Um grande ato de humanismo em meio à desumanização causada pela guerra.

O Drama de Dunquerque (Dunkirk) — Reino Unido, EUA, 1958
Direção: Leslie Norman
Roteiro: David Divine, W.P. Lipscomb (baseado nas obras de Trevor Dudley Smith, Ewan Butler e J.S. Bradford)
Elenco: John Mills, Richard Attenborough, Bernard Lee, Robert Urquhart, Ray Jackson, Ronald Hines, Sean Barrett, Roland Curram, Meredith Edwards, Michael Bates, Rodney Diak, Michael Shillo, Eddie Byrne, Maxine Audley, Lionel Jeffries, Victor Maddern, Anthony Nicholls, Kenneth Cope, Bernard Cribbins
Duração: 134 min.

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