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Crítica | O Espetacular Homem-Aranha: Global – Vol. 1 (2015)

por Ritter Fan
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estrelas 3,5

Qualquer modificação radical em um super-herói tão amado quanto o Homem-Aranha tem um forte componente de marketing embutido, que tem o simples propósito de catapultar as vendas de revistas. É assim com as tão propaladas “mortes de personagens”, “revelações sobre a sexualidade de personagens”, “alterações de alianças de personagens” e assim por diante. A indústria dos quadrinhos mainstream – leia-se Marvel e DC – move-se, hoje em dia, a partir do que pode ser noticiado em jornais e  multiplicado exponencialmente em redes sociais, gerando polêmicas que não infrequentemente polarizam opiniões.

O Homem-Aranha, não tem muito tempo, tornou-se “superior”, quando a mente de Otto Octavius tomou o controle do corpo de Peter Parker, colocando o sofrido personagem para escanteio e mexendo profundamente com o modus operandi do herói. Mais tecnológico, mais violento e menos piadista, o Homem-Aranha Superior cumpriu seu papel de dividir os fãs ao meio e de vender revistas, nem que por curiosidade. Mas, usando ainda esse mesmo exemplo, o resultado final foi inusitadamente satisfatório, com uma virada interessante para a carreira do herói. Há quem discorde, claro, mas isso faz parte do jogo que é jogado propositalmente para ser assim.

Se pararmos para pensar, porém, personagens com dezenas de anos de “carreira” precisam ser reinventados, precisam passar por grandes modificações de tempos em tempos e isso, hoje, é particularmente mais verdadeiro do que “antigamente”, seja para o mal ou para o bem. Peter Parker não poderia ser um adolescente a vida toda e também não poderia ser um universitário a vida toda. Não poderia ter apenas uma namorada por décadas (não vou falar nada da esposa dele, pois Mefisto me proibiu…) e não poderia constantemente ficar sem dinheiro ou somente lidar com problemas familiares. Mudar sempre foi necessário, mesmo que várias mudanças tenham sido equivocadas.

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Sai da frente batmóvel!

E isso nos traz à atual versão do Homem-Aranha.

Dan Slott, que escreve o personagem praticamente sem interrupções desde 2008, incluindo a versão “superior”, refaz o personagem para um período de meses após Guerras Secretas, meses esses que foram “pulados” na cronologia da editora, com efeitos diferentes em cada publicação. Começa, então, uma espécie de saga multi-volumes com o personagem completamente repaginado novamente, com características de fazer qualquer leitor de longa data arregalar os olhos, arrancar os cabelos e bater seguidamente com a cabeça na parede:

  • Peter Parker é o multimilionário dono da Parker Industries, uma empresa global de tecnologia;
  • O Homem-Aranha é seu “guarda-costas”;
  • O Aranha usa uma armadura altamente tecnológica que convenientemente se parece muito com seu uniforme tradicional;
  • Essa armadura tem variações para diversas situações diferentes, como, por exemplo, formando uma roupa de mergulho;
  • O herói faz uso de diversos tipos de teias diferentes, não só a gosmenta tradicional;
  • Sua atuação é realmente por todo o mundo não só em razão de sua empresa, mas também em razão de seu trabalho com Nick Fury (aquele que é filho do original e que “coincidentemente” se parece muito com Samuel L. Jackson) e Harpia para a S.H.I.E.L.D., que sabem sua identidade secreta;
  • Ele faz uso de uma frota de veículos que faria inveja à de Batman.

Não tiveram um ataque cardíaco não, né? Sentem-se. Acalmem-se. Respirem fundo e tomem Maracujina. É necessário entender que Slott trabalha a partir do desenvolvimento de premissas que ele mesmo vinha estabelecendo. O uniforme tecnológico e a Parker Industries vêm da fase Superior e da imediatamente seguinte e a mudança no personagem era importante para fins mercadológicos de forma que o bis in idem fosse evitado. Não podemos esquecer que Miles Morales, o Homem-Aranha do Universo Ultimate – que, em tese, não mais existe – foi absorvido no universo regular (e agora único) da editora e que ele faz as vezes do Homem-Aranha urbano novaiorquino tradicional.

Certamente vocês arguirão que havia espaço para dois Aranhas e que não era necessária tantas mudanças assim e que elas ferem o âmago do personagem querido criado por Stan Lee e Steve Ditko, em 1962. Ok, entendo o descontentamento, mas defendo com unhas e dentes que a manutenção da mesmice é um caminho pior ainda. É sentar em berço esplêndido e confiar que nosso mundo frenético aceitará tranquilamente os mesmos tipos de aventuras que o Aranha costumava ter. Sabemos, lá no fundo (e podemos lamentar, mas não tem jeito), que isso, porém, não é verdade.

E, convenhamos, a genialidade inventiva de Peter Parker sempre foi algo absolutamente estabelecido ao longo das décadas. Além disso, se pararmos para puxar pela mente, provavelmente lembraremos que ele é, provavelmente, o único super-herói gênio do Universo Marvel que não conseguia emplacar nada na vida em momento algum. Estranho, não?

Portanto, mudar era sim preciso.

Agora, apenas mudar não é suficiente, mesmo que eu tenha usado todos os parágrafos acima para justificar essa necessidade. Não basta transformar o Aranha na versão simpática do Homem de Ferro. A história contada precisava fazer sentido e é aí que Slott precisava se provar.

Nesse primeiro volume, contendo O Espetactular Homem-Aranha #1 a #5, o roteirista tem como objetivo nos situar nesse novo status quo. É o famoso jumping point que a Marvel Comics tanto se preocupa em fazer para permitir que novos leitores se aproximem de suas publicações sem precisarem se preocupar com o que veio antes. Nesse contexto, o trabalho de Slott funciona bem, pois tem uma estrutura frenética que quase não dá tempo ao leitor de parar para pensar no que está lendo. A ação é imediata e enlouquecida já a partir das primeiras páginas do primeiro número, com uma perseguição em Xangai de Aranha e Hárpia – no Aranhomóvel, que, lógico, pode subir paredes e lançar teias – atrás de um dos membros da organização Zodíaco. A pancadaria é incessante e Slott usa seu texto – primordialmente os diálogos entre Parker e Bobbi – para estabelecer o foco e abrir a narrativa para as edições seguintes.

Para que ficar só no aranhomóvel se a aranhalancha é tão bacana?

Para que ficar só no aranhomóvel se a aranhalancha é tão bacana?

Para os leitores de longa data, há, gostem ou não, um lógico enquadramento da situação apresentada com tudo o que foi visto antes, especialmente a partir de Homem-Aranha Superior. Além disso, há as piscadelas para o passado remoto do herói, representado exatamente pelo Aranhomóvel – uma reedição altamente tecnológica do surrealmente infame Buggy Aranha -, por sua parceria com o Tocha Humana, que reedita o primeiro encontro do super-herói com o Quarteto Fantástico, referências à sua fama de bandido criada por JJJ e hilárias brincadeiras que fazem paralelo com o Homem de Ferro de tempos remotos em que Tony Stark dizia que o Ferroso era justamente seu guarda-costas para despistar incautos sobre sua identidade super-heroística. Ou seja, com um pouquinho de mente aberta e vontade de se divertir, há material para abrir sorrisos aqui. Aos que preferirem andar cabisbaixos por Slott “estar destruindo suas memórias de infância”, eu respeito, mas só tenho a lamentar.

O frenesi narrativo do roteirista não dá descanso e logo estabelece o Zodíaco como o grande inimigo do arco, algo que continua ainda para frente pelos arcos seguintes. Confesso, pessoalmente, que nunca gostei do Zodíaco e que a versão espalhafatosa no estilo vilão de James Bond que é apresentada aqui não me agrada completamente, mas para o tipo de história “maior que a vida” que Slott decidiu contar tendo o Aranha como protagonista, eles chegam a funcionar razoavelmente bem. Digo “razoavelmente”, pois Slott quase pisa em ovos, testando seu caminho nesse primeiro volume. Apesar da ação constante, é possível perceber que ele está pisando no freio e vendo o que funciona de verdade e que caminho tomar, tornando a história hesitante em diversos momentos, mas nunca sem graça.

Ao mesmo tempo e vagarosamente, o autor começa a recriar a galeria clássica de vilões do herói. Há discrição ainda neste primeiro arco que é apenas uma espécie de apresentação, mas essa linha narrativa paralela começa a ganhar bom relevo nos arcos seguintes, pelo que é importante prestar atenção nelas desde o começo.

A arte ficou ao encargo de Giuseppe Camuncoli, que já havia trabalhado com Slott em Homem-Aranha Superior. Seu trabalho encaixa-se perfeitamente com a proposta de contar uma história espalhafatosa e explosiva, com ação sem parar a cada página. Sua recriação do uniforme do Aranha é belíssima e sua inventividade com os veículos do herói, além dos uniforme para lá de bregas dos membro do Zodíaco emprestam um charme que estranhamente fará muita gente revirar os olhos, ainda que eu considere que são o ponto alto do volume.

O Homem-Aranha bilionário, de armadura e munido de veículos-aranha pode não ser o velho Aranha que levava esporro de JJJ e tinha que costurar seu uniforme no porão da Tia May, mas, lá no fundo – bem lá no fundo – ele continua sendo o mesmo Homem-Aranha de sempre. Se essa nova versão do personagem durará para sempre, só tenho a dizer que nada nos quadrinhos é para sempre e amanhã mesmo podemos descobrir que esse Peter Parker é, na verdade, um clone que tomou o lugar do verdadeiro herói. Ih… não, peraí…

O Espetacular Homem-Aranha: Global – Vol. 1 (The Amazing Spider-Man: Worldwide – Vol. 1, EUA – 2015/6)
Contendo: O Espetacular Homem-Aranha (Vol. 4) #1 a #5
Roteiro: Dan Slott
Arte: Giuseppe Camuncoli
Arte-final: Cam Smith
Cores: Marte Gracia
Letras: Joe Caramagna, Chris Eliopoulos
Capas: Alex Ross
Editora original: Marvel Comics
Data original de publicação: dezembro de 2015 a fevereiro de 2016
Editora no Brasil: Panini Comics
Data de publicação no Brasil: novembro de 2016 a janeiro de 2017 (O Espetacular Homem-Aranha #1 a #3)
Páginas: 153

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