“O céu está caindo.”
Chicken Little (Zach Braff) é, basicamente, um grande pequeno fracassado. Daqueles seres que olhamos e pensamos ser o maior arrependimento dos seus pais. O Galinho Chicken Little, o longa-metragem animado que narra as suas desventuras pela árdua sociedade que o cerceia, também pode ser visto como um equívoco monstruoso. Um mundo complicado o suficiente a ponto de impedir as “verdades” – como o céu estar caindo – de serem tomadas como verdades, em contrapartida, tornando-se imensas piadas. A grande rejeição da crítica ao filme é bastante compreensível, porque o longa-metragem está realmente deslocado de todo o contexto mágico proposto pela Disney por décadas e décadas. O mundo, daqui, é antropomórfico – as cores lúdicas -, mas muito mais preso à nossa realidade mundana. Esse é um escopo que, até então, o estúdio não costumava abordar com frequência – Zootopia tem similaridades, apesar de ser mais socialmente relevante. A narrativa investe em uma aventura pelos meandros do cotidiano de um aluno de qualquer escola norte-americana, com seus amigos diversificados, suas problemáticas com valentões e clássicas questões parentais. Como consertar seus problemas? O galinho entra no time de beisebol. Nasce a premissa básica para uma usual conclusão das pontuações abertas.
Mas os problemas terminaram? Apenas começaram. O interesse na comédia como engajamento primeiro do espectador é demasiadamente óbvio até. O começo do longa-metragem não quer saber de seriedade. contudo, o jocoso enfoque não necessariamente transforma-se em um demérito. Quando pode, a animação, comandada por Mark Jindal, cineasta consciente de possibilidades humorísticas, decide inserir qualquer piada. Que seja a mais imbecil possível. A exemplo, cria-se um plano de fundo cômico em momentos iniciais, enquanto, paralelamente, mostra-se Chicken Little conversando com seu pai no carro. Através da janela podemos observar outros animais se atrapalhando com a vida – as características particulares dos bichos são insanamente exploradas. A bobeira está em todos os cantos. A guinada que a obra toma após os seus quarenta primeiros minutos, portanto, é simbólica de uma escolha clara pelo nonsense, uma comédia que, na realidade, não funciona muitas vezes, encontrando paralelos claros de piada por piada, a troco de nada, porém, possuindo um objetivo definido, da galhofa adolescente. Caso seja encarado da maneira auto-depreciativa que, na verdade, a obra se encara, O Galinho Chicken Little pode ser apreciado como esse filho único que ninguém quer. Um cinema que quer ser menor.
A obra se constrói como a piada por excelência. Certas ideias de resoluções para conflitos paternais, destinados ao fracasso, são intencionalmente sabotadas. Hebe Marreca (Joan Cusack), igualmente interesse amoroso, conversa por muito tempo com seu amigo sobre a importância do diálogo, para, então, um outro personagem transformar tudo em uma referência à cultura popular – no caso, King Kong. O Galinho Chicken Little precisa se abarrotar de conexões com o nosso mundo – a trilha sonora cheia de clássicos -, em prol do jogo entre ficcional e verdadeiro que está sendo proposto. Também estamos diante da primeira obra da empresa completamente criada no computador. Como resolver as relações afetivas com o seu pai, pergunta o “herói”? Uma invasão alienígena é necessária para isso acontecer, coisa que é teoricamente impossível para um mundo que é tão parecido com o nosso, com Os Caçadores da Arca Perdida nos cinemas. Se não conseguimos nos conectar com as questões sentimentalmente é porque estamos muito tempo tendo que lidar com um protagonista intencionalmente distanciado. O galinho justamente se aproxima daqueles espectadores mais destoantes da sociedade. Uma conexão mais específica de público e obra. Quantas pessoas não se sentem desamadas pelos seus pais, sentem-se piadas?
O peixe que está fora d’água. A pata que não é bonita. O porco que é extremamente gordo. A animação é, de certa forma, uma das mais pessimistas em relação às temáticas acerca de pertencimento que aborda. Combina com os traços diferenciados, menos ingênuos, que permeavam A Nova Onda do Imperador, do mesmo diretor – os exagerando, porém. As soluções tornam-se o absurdismo por si, e o longa-metragem ironiza, sem qualquer dó, muito menos piedade, os interessados em uma resolução realmente harmoniosa entre essas diversas pontuações. O Galinho Chicken Little é uma ovelha negra para uma família muito mais tradicional, sobre personagens interessantes rumando jornadas interessantes e conquistando recompensas combinantes com os esforços necessários no meio do caminho. O exato oposto acontece aqui. Os jovens não se veem como interessantes. Uma pena que a auto-consciência da obra derradeiramente afastou-a de grande parcela dos críticos. Justamente por ser tão marginalizada que a produção torna-se mais especial, assim como o próprio Chicken Little, um fracassado fracassando, não necessariamente por culpa sua, mas por ter estado no lugar errado, na hora errada, ser muito pequeno e nenhum pouco forte. O céu poderia ter caído em qualquer outro lugar.
Galinho Chicken Little (Chicken Little) – EUA, 2005
Diretor: Mark Dindall
Roteiro: Steve Bencich, Ron J. Friedman
Elenco: Zach Braff, Joan Cusack, Steve Zahn, Dan Molina, Garry Marshall, Season Elmore, Fred Willard
Duração: 81 min.