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Crítica | O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams

por Luiz Santiago
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NÃO ENTRE EM PÂNICO!

Tudo começou com um programa de rádio — sabem as radionovelas? Então. — chamado The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy, dividido em duas “temporadas”, chamadas de PrimarySecondary Phases. O programa foi exibido na BBC Radio 4 entre 1978 e 1980, com construções literárias diferentes e públicos diferentes, em especial, após o lançamento do livro O Guia do Mochileiro das Galáxias em 1979, que nada mais era do que a organização um pouco mais lógica e fluída dos roteiros da comédia cósmica radiofônica.

Douglas Adams, o criador da série, era um caótico e genial escritor, humorista e dramaturgo britânico com uma quase vidente visão do futuro, antevendo certos rumos da tecnologia, usos de aparelhos eletrônicos, buscadores, jogos eletrônicos e por aí vai. Ele também contribuiu em alguns roteiros da série Monty Python’s Flying Circus (eventualmente também atuando nos episódios) e foi editor de roteiros da 17ª Temporada de Doctor Who, além de escrever os arcos The Pirate Planet, City of Death (novelizado por James Goss) e Shada (novelizado por Gareth Roberts).

Com esse aparato cômico e de ficção científica em sua”formação”, não é de espantar que Adams tivesse as melhores frases, situações, exploração do Universo e detalhes cósmicos em seus livros da “trilogia de cinco” que contam a saga d’[O] Guia. Não existe leitor que não seja fisgado de imediato pela agilidade de sua prosa, pelas maluquices das situações que ele inventa e pela cada vez mais improvável história de Arthur Dent, acompanhado de Ford Prefect na primeira parte do livro.

O ponto de partida é muitíssimo bem construído, contando-nos a história de uma casa. Arthur Dent é apresentando em um daqueles “dias de cão” e o leitor não pode deixar de rir e se compadecer do coitado, que só queria tomar um café da manhã normal e permanecer com a sua casa no lugar. Mas aí chegam os vogons. E Ford Prefect se revela um alienígena. E  Terra é demolida. E Zaphod Beeblebrox, Trillian, a nave Coração de Ouro (com seu gerador de improbabilidade infinita) e Marvin, o Androide Paranoide aparecem em cena. É muita informação em um delicioso caos para processar.

Em termos de entretenimento, não há nada a reclamar de O Guia do Mochileiro das Galáxias. Ele é um livro extremamente divertido, com criativas manipulações do gênero ficção científica, personagens cativantes e aventuras cheias de surpresas. Mas a herança que o texto traz dos roteiros radiofônicos contribui para alguns impasses em sua apreciação geral. Alguns deles, por exemplo, são os saltos insanos de um tema para outro, sem pontes narrativas ou nenhum tipo de preparação, algo que, independente se o autor é maluco ou não, é necessário em um livro. Nós acabamos nos acostumando com esse “estilo”, mas não é algo agradável.

Outro problema, e este é o que me fez tirar uma estrela da cotação final do livro, é a forma como os ratos aparecem na história. Eu estaria pronto para perdoar Adams pelos saltos narrativos mal amarrados se ele não tivesse pisado na bola na construção da trama dos ratos (curiosamente, no filme, isso é mais aceitável). A grande exploração que ele dá à sensacional pergunta sobre A Vida, o Universo e Tudo Mais, a conclusão “42” e a busca de uma pergunta que combinasse com a resposta “decepcionante” pode muitas vezes nublar a visão do leitor, mas no plano maior, os ratos acabam sendo o ponto fraco daquele bloco da história. Aliás, os eventos ocorridos em Magrathea possuem momentos de fazer cair o queixo, mas também momentos reticentes, pincelados com o onipresente humor do autor, o que pode aplacar um pouco seus defeitos, mas não apagá-los.

Por fim, o final. Eu sei que a trama se segue no livro O Restaurante no Fim do Universo (1980), mas há um quê de anticlímax na forma como o livro [não] termina. Independente de sua continuação, esse volume merecia um melhor desfecho e isso não impediria o cliffhanger para o livro seguinte, apenas colocaria um melhor ponto-vírgula ponto final nessa “fase um” da ópera espacial.

Independente de seus tropeços, O Guia do Mochileiro das Galáxias é um livro sensacional. Inovador por tratar a ficção científica com brincadeira e loucura, o volume faz jus a todo o hype que tem e definitivamente marca um novo tempo para quem tem coragem de ser aventurar por suas páginas, se embebedar de Dinamite Pangaláctica, começar a zombar de relógios digitais, usar toalhas como se fossem a coisa mais importante o mundo e responder “42” para toda pergunta sem resposta. Está aí um bom chute para provas de matemática. Eu bem que deveria ter lido esse livro há uns 15 anos…

O Guia do Mochileiro das Galáxias (The Hitchhiker’s Guide to the Galaxy) — Reino Unido, 1979
Autor: Douglas Adams
Editora Original: Pan Books
No Brasil: Editora Arqueiro (2004)
Tradução: Paulo Fernando Henriques Britto e Carlos Irineu da Costa
204 páginas 

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